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quarta-feira, 22 de fevereiro de 2012

Texto sobre Agricultura Brasileira e CAI





REFLEXÕES QUE FIZ SOBRE AGRICULTURA E PRODUÇÃO CAPITALISTA
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  As Questões Agrária e Agrícola podem ser estudadas diferenciadamente, mas são interdependentes e se interdeterminam. Estudar uma é, conseqüentemente, estudar a outra. Segundo José Graziano da Silva em “O que é Questão Agrária?” (1984), esta separação é um recurso analítico, mas não se deve separar em compartimentos estanques.

Quando se fala em “questão agrícola” estamos nos referindo à forma de produção no campo, levando-se em conta aspectos quantitativos e fazendo alguns questionamentos – o que se produz, quanto se produz e onde se produz tal atividade.

Quando se fala em “questão agrária” leva-se em conta aspectos qualitativo, dando mais importância à questão da distribuição das terras num território, quem são os detentores da terra (os agentes sociais), para quem é produzido e como é utilizada a terra.

Segundo Graziano (1984), a discussão sobre a Questão Agrária e a Questão Agrícola até a década de 1970 foi tratada separadamente e de maneira não articulada, apesar de existirem algumas obras que destoassem neste período (como as escritas por Ignácio Rangel sobre o assunto ainda na década de 1960). Entretanto, com o aumento das relações capitalistas no campo, com a crise agrária (da liberação de mão-de-obra, expulsão de camponeses de suas terras) e o aumento de produtividade no campo (para atender demandas de indústrias e de alimentação das pessoas na cidade) temos uma necessidade de articulação destas discussões e uma compreensão maior dos processos sociais e produtivos na sociedade.

  Para compreender a agricultura moderna é necessário descrever o processo histórico de passagem da agricultura brasileira do chamado “complexo rural” para uma dinâmica comandada pelos “complexos agroindustriais”.

  Para pensar e compreender a sociedade tem de se levar em conta todos os momentos da produção. Isto significa compreender a relação produtiva entre campo cidade e compreender as várias etapas da produção agropecuária.

Existe uma inter-relação do campo com a cidade, com uma dependência do campo. Ao mesmo tempo em que o campo está cada vez mais dependente da cidade (investimentos, matérias-primas), a cidade necessita dos produtos que o campo produz e também dos moradores que são potencialmente força de trabalho.

O Campo envia Trabalhadores, Matéria-Prima e Produtos pra Cidade. Já a Cidade envia Tecnologia Agrícola e Dinheiro para o Campo. Podemos verificar isso na imagem abaixo:



  O Brasil durante boa de sua história foi caracterizado por ter como determinante em sua dinâmica da agricultura o chamado Complexo Rural e que será modificado por completo somente na década de 1970 com as dinâmicas do Complexo Agroindustrial na agricultura brasileira.

O Complexo Rural foi caracterizado pela pequena produção de alimentos para o mercado interno e a grande produção monocultura para o mercado externo. Durante o período colonial brasileiro (1500-1822) a regulamentação das terras era realizada pelo Sistema Sesmarial, onde as concessões das Sesmarias estavam subordinadas à metrópole portuguesa. Os donatários das Sesmarias recebiam a terra como doação, mas não tinham a propriedade, podiam apenas explorá-la. A terra era domínio da Coroa portuguesa e possuir terra significava prestígio/status social.

Toda a produção agropecuária durante o Complexo Rural era gerada na própria fazenda e havia uma tênue divisão de trabalho.

A escravidão foi importantíssima para que se tivesse um monopólio de classe rígido sobre a terra. Somente os ricos conseguiam adquirir terras legalmente pelo seu poder econômico, já que indígenas e mestiços não podiam adquirir terras ou herança.

Nas Semarias somente o fazendeiro branco e rico podia ter terras e ele poderia aceitar ou não ter posseiros agregados em sua propriedade, sendo quem este deveria pagar uma indenização. O agregado que não era escravo ou servo feudal, tinha uma relação de troca entre agregado-fazendeiro, sendo que a “luta do agregado era a luta pelo direito do fazendeiro” (José de Souza Martins em “Camponeses e a Política no Brasil: as lutas sociais no campo e seu lugar no processo político”).

O final formal das Sesmarias se dará com a Independência do Brasil (em 1822) e teremos um período de “caos fundiário”, com ausência de um regime jurídico-político de regulamentação de terras. Este caos só será resolvido com a Lei de Terras em 1850.

Importante destacar que a Lei de Terras de 1850, a Lei Eusébio de Queirós de 1850 e a Abolição da Escravatura de 1888 auxiliaram decisivamente na transição para o Complexo Agroindustrial. Com a Lei de Terras temos o surgimento da propriedade privada, ou seja, propriedade da terra perante compra e venda. A Lei Eusébio de Queirós que foi imposta pela Inglaterra, pôs fim ao “tráfico negreiro”, incentivando a transição para o trabalho assalariado, que ocorrerá somente com a Lei Áurea e a Abolição da Escravatura. Além do que, com o capitalismo industrial inglês, temos a necessidade de venda dos produtos e de força de trabalho livre para ser explorada e consumir os produtos. Ou seja, tinha de se acabar com a escravidão porque “escravo não consome”.

Os cafezais cresciam em número e extensão e estava ficando escassa a mão-de-obra escrava. Esta mão-de-obra estava ficando cara e isto encarecia os custos de produção do café. A saída foi o fim da escravidão com a adoção do trabalho livre. Foi necessário que se criasse o mercado de força de trabalho, com a compra e venda de força de trabalho, onde o trabalhador vende sua força de trabalho e o empregador paga o seu salário.

A única maneira de se obter trabalho livre “super-explorado” (mão-de-obra barata) era criar para que o trabalhador livre fosse incapaz de adquirir terras e fosse forçado a trabalhar nas fazendas. Daí a necessidade de se impedir a ocupação ou doação. A solução encontrada pela oligarquia foi a compra de terras com a Lei de Terras.

Temos agora a propriedade privada e o trabalho assalariado. Com estas mudanças temos uma profunda mudança no Brasil, fazendo uma transição de uma sociedade de bases rurais pré-capitalista para uma sociedade capitalista. Apesar desta mudança não destruir a economia da grande fazenda, o camponês livre está subjugado à propriedade, dependente do mercado e será obrigado a comprar terras através de seu trabalho e salário. A luta de classes no campo se intensifica cada vez mais, temos o espaço do fazendeiro e o espaço do camponês entrando constantemente em conflito.

Importante se destacar a vinda de imigrantes no fim do século XIX, pois além deles virem para “povoar as terras brasileiras”, eles eram assalariados nas fazendas e posteriormente nas cidades. Pode-se dizer que já estavam acostumados à esta relação assalariada no trabalho e contribuíram na transição e adaptação para o trabalho assalariado no Brasil.

Na transição do Complexo Rural para o Complexo Agroindustrial tivemos o Complexo Cafeeiro, que preparará as bases materiais para esta mudança. A produção Cafeeira era para exportação, mas incentivará a produção industrial de bens de consumo e de instrumentos para dinamizar a sua produção.

O Complexo Cafeeiro gera uma pequena industrialização nas cidades brasileiras entre 1888-1930, sinalizando o que ocorreria algumas décadas depois. Esta industrialização consolidará centros urbanos nas cidades e vai gerar uma pequena modernização da agricultura (como ensacadoras de café, secadora de café, torrador de café, ferrovias, fábricas de chapéu-louças-fiação-tecelagem, etc). Esta modernização na produção cafeeira ocorria para uma maior produção de café e para atender a necessidade de alimentos dos moradores da cidade.

Importante se destacar que o “motor da economia” era o café e cana-de-açúcar e a indústria só se tornarão base da economia brasileira a partir da década de 1930. Não podemos falar em Complexo Agroindustrial com a modernização agrícola entre 1888-1930, pois as máquinas eram importadas da Europa.

O Complexo Agroindustrial é caracterizado por três momentos que são interdependentes e assimétricos. Eles poderão ser observados na Cadeia Produtiva a seguir:


Para que haja produção no “Campo” (seja agricultura ou pecuária), este está dependente da “Indústria para a Agricultura” (que geralmente está situado na Cidade) que produz máquinas, equipamentos e insumos agrícolas. Depois de ocorrido a produção agropecuária no “Campo”, este enviará seu produto final para a “Agroindústria de Beneficiamento”, que industrializará os produtos agropecuários. Como diria Geraldo Muller em “Complexo Agroindustrial e Modernização Agrária”:

“Em termos formais, o Complexo Agroindustrial, CAI, pode ser definido como um conjunto formado pela sucessão de atividades vinculadas à produção e transformação de produtos agropecuários e florestais.l atividades tais como: a geração destes produtos, seu beneficiamento/transformação e a produção de bens de capital e de insumos industriais para as atividades agrícolas; ainda: a coleta, a armazenagem, o transporte, a distribuição dos produtos industriais e agrícolas; e ainda mais: o financiamento, a pesquisa e a tecnologia, e a assistência técnica”. (pag 45).

Não é necessariamente harmônica esta Cadeia Produtiva, pois ocorrem muitos conflitos. Os produtores rurais agropecuários sempre querem aumentar o preço do seu produto e os industriais das “Agroindústrias de Beneficiamento” querem que o preço dos produtos agrícolas (pois quanto mais baixo este for, menos serão os custos de produção e maior será o lucro deste). Este conflito ocorre, por exemplo, entre Produtores de Laranja e Produtores de Suco de Laranja ou entre Produtores de Leite e Processadores de Leite (quando se pausteriza esse encaixota o leite), etc.

Para que o Complexo Agroindustrial fosse implementado no Brasil, tivemos uma longa transição, iniciada com as mudanças estruturais do século XIX e principalmente entre a década de 1950 e 1970.

O Brasil foi um país que passou por um rápido processo de saída de pessoas do campo para a cidade. Vejamos os dados a seguir:

BRASIL – população no campo e na cidade

Ano

Pessoas no campo

Pessoas na cidade

1940

70%

30%

1950

66%

34%

1960

55%

45%

1970

44%

56%

1980

32%

68%

1991

24%

76%

2000

18,8%

82,2%

2010

15,6%

84,4%

As pessoas saíram do campo pela grande oferta de empregos da cidade, a falta de empregos no campo ocasionados muitas vezes com a urbanização e modernização do campo (como pela mecanização da força de trabalho), a diminuição do poder econômico dos lavradores (agricultura de subsistência) que tem de vender suas terras para os grandes agricultores e latifundiários.

Entre as décadas de 1930-50 ocorrerá a decadência da economia cafeeira no Brasil (relacionado com a crise mundial do capitalismo na Quebra da Bolsa de Valores de Nova York em 1929 e a Segunda Guerra Mundial) e a intensificação da industrialização nos grandes centros urbanos brasileiros.

Na década de 1950 temos uma intensificação da modernização do campo, com um aumento do uso dos insumos modernos na agricultura brasileira, mas grande parte destes ainda era importada.

Entre 1955-65 ocorrerá a implementação do D1 geral da economia no território brasileiro, com o surgimento da indústria pesada ou “de base” no Brasil. O D1 são os meios e objetos de produção, caracterizados pelos Bens de Capitais, Bens de Equipamento e os Bens Intermediários/Insumos. Surgirão as siderúrgicas (destaque para a CSN), as petroquímicas (destaque para a PETROBRAS), material elétrico, etc.

A implementação do D1 geral da economia no território brasileiro será decisiva para a internalização do D1 para a agricultura, fato que ocorrerá entre 1965/75. Temos agora a efetivação da industrialização da agricultura e o surgimento do Complexo Agroindustrial no Brasil. O D1 para a agricultura é caracterizado com tratores e equipamentos, fertilizantes químicos, rações, medicamentos veterinários, etc.

Podemos afirmar que a indústria de fertilizantes só foi possível depois de se ter indústrias petroquímicas, indústrias siderúrgicas e indústrias de tratores e equipamentos.

Temos o surgimento de vários Complexos Agroindustriais (CAI’s), como o da soja, cana-de-açúcar, milho, carne, laranja, etc. Muitos destes CAI’s são articulados, como o CAI do milho e da carne.

Importante destacar o período de 1975/85 onde teremos um aumento substancial nas integrações de capitais variados, tanto no campo quanto na cidade (concentração e centralização de capitais). Temos uma intensificação das integrações dos CAI’s, criando uma unidade de fato e caracterizando-se como um novo padrão agrícola. As empresas se utilizam de estratégias financeiras diversas para dominar ou tentar dominar todas as etapas do processo produtivo.

Novas atividades  no campo capitalista

 Com a modernização agrária e a conseqüente industrialização da agricultura e urbanização do campo, ocorreu um processo de mercantilização do espaço agrário caracterizado pelo surgimento de novas atividades rurais agrícolas e não agrícola.

  O espaço agrário brasileiro está com os Complexos Agroindustriais consolidados e conseqüentemente temos a modernização agrária, a industrialização da agricultura e a urbanização do campo.

O campo está urbanizado porque está cada vez mais integrado com a cidade e porque o campo está cada vez mais moderno e industrializado.

Apesar de a urbanização ocorrer de maneira mais intensa nas Cidades, o urbano também avançará pelo rural, ou seja, o campo é a extensão da geografia urbana. Teremos então um processo de urbanização no campo.

O campo é urbanizado porque teremos uma cada vez maior utilização de conhecimento científico e tecnologia agrícola, tais como máquinas (como tratores e colheitadeiras), técnicas agrícolas, irrigação, sementes transgênicas, estufas, adubos, variados meios de transporte e meios de comunicação, etc.  A tecnologia agrícola é um importante elemento do processo produtivo capitalista. Ela pode melhorar ou potencializar a produção agrícola.

O campo está moderno porque é uma necessidade do capitalismo, pois as pessoas da cidade não produzem seus alimentos e o campo tem de produzir em grandes quantidades para atender a alta demanda da cidade (de pessoas e indústrias). A cada 4 brasileiros, 3 moram nas cidades e 1 mora no campo.

O espaço agrário brasileiro está cada vez mais mercantilizado, abrindo espaços para novas atividades rurais agrícolas e não agrícolas, agregando mais valor à produção e à incorporação de capitais.

Atividades não-rurais e não-agrícolas surgem no campo, tais como indústria de transformação e agroindústrias, prestação de serviços pessoais, comercio, construção civil, etc. Muitas destas atividades não-agrícolas estão surgindo porque temos a modernização no campo, aumentando ainda mais a urbanização agrária.

Temos também o surgimento de algumas atividades não rurais no campo, tornando-se verdadeiras cadeias produtivas. Muitas nem envolvem as transformações agroindustriais, se relacionando com serviços pessoais e produtivos relativamente complexos e sofisticados nos ramos da distribuição, comunicação e embalagens (“O Emprego Rural e a Mercantilização do Espaço Agrário”, de José Graziano da Silva, Otávio Vatentim Balsadi e Mauro Eduardo Del Grossi), (“O Novo Rural Brasileiro” de José Graziano da Silva).

Podem ser citados os exemplos da Piscicultura com os seus “pesque-pagues”, a Criação de “Aves Nobres” (para turismo ecológico, comercialização de penas, etc), Criação de Rãs e Criação de Outros Animais para Corte (como camarão, capivara, jacaré, javali, scargot, etc), Produção Orgânica de Ervas Medicinais, Produção Orgânica para Mercado Internacional Diferenciado (como óleos de dendê e babaçu, “café ecológico”, etc), Produção de Verduras e Legumes para as Redes de Supermercados e de Fast-Food (em estufas ou se utilizando do método de hidroponia), Floricultura e Mudas de Plantas Ornamentais, Floricultura de Mesa, Produção de Sucos Naturais e Polpa de Fruta Congelada, Reprodução de Plantas Extrativas, Cultivo de Cogumelos, Turismo Rural, Fazenda-Hotel, Complexos Hípicos, Leilões e Exposições Agropecuárias, Festas de Rodeio, etc.

Também podem ser consideradas como atividades rurais não agrícolas, as atividades tradicionais como artesanato, as feiras, as festas populares e religiosas.

Estas atividades não-agricolas estão sendo incorporadas às tradicionais cadeias produtivas agroindustriais, criando empreendimentos que vai do produtor rural ao consumidor final.

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