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“O
Neofantástico em Murilo Rubião”
Rosângela
Trindade de Sousa
Monografia
apresentada em 2003 como exigência para obtenção do certificado do Curso de
Especialização em Literatura (latu-sensu) à Comissão Julgadora da Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo, sob a orientação da Prof.ª Dr.ª Maria
Aparecida Junqueira.
Resumo
O
objetivo desta monografia é mostrar a construção do neofantástico nos contos de Murilo Rubião, autor considerado, no
Brasil, precursor desse gênero no século XX.
A
partir da circularidade das narrativas “murilianas”, pela qual as estruturas se
repetem ao infinito, decidimo investigar o gênero discursivo neofantástico “muriliano”, que nos
remete ao contraste entre a particular incoerência do discurso narrativo
minucioso e imperturbável e a particular incoerência da matéria narrada. Por
meio do discurso indireto, verificamos como o narrador introduz o seu ponto de
vista interno na narrativa “muriliana”, pois ele não só interliga o universo do
sonho à realidade exterior, mas também coloca-se no meio da contradição entre o
estranho e a rotina. O narrador, como interlocutor do discurso descreve as
incrédulas reações das personagens que o circundam.
No
primeiro capítulo, estudamos preliminarmente o fantástico para diferenciar a
narrativa e a contemporânea. Os teóricos estudados foram: Jean-Paul Sartre,
Louis Vax, Roger Caillois, Tzvetan Todorov, Jorge Schwartz e Jaime Alazraki,
que nos auxiliaram na abordagem do termo fantástico ao longo da história
literária.
No
segundo capítulo, realizamos a análise sobre a construção do neofantástico nas narrativas de Murilo
Rubião, por meio da seleção dos seguintes contos: “A cidade”, “Epidólia”, “A casa do girassol vermelho”, “Petúnia”, “A
fila”, “O convidado”, “O bloqueio”, “Ofélia, meu cachimbo e o mar”, “Alfredo”,
“Edifício”, “A noiva da casa azul”, “Bárbara”, “Dragões”, “Teleco, o
coelhinho”, Aglaia”, “O pirotécnico Zacarias”, “O homem do boné cinzento”, “A
armadilha”, “Os três nomes de Godofredo” e “O ex-mágico da Taberna Minhota”.
Neste capitulo, apreendemos a posição do narrador como interlocutor do discurso
“muriliano”, introduzindo o seu ponto de vista interno nas narrativas
neofantásticas. Assim, o narrador cumpre a função de mediador para o mundo
fantástico, descrevendo as incrédulas reações das personagens que o rodeiam.
Tendo
como base as considerações sobre fantástico e neofantástico, apresentadas por alguns teóricos literários, optamos
pelo neofantástico como linguagem inovadora
nos contos de Murilo Rubião. Assim, sob esse ponto de vista, nossa atenção é
dedicada ao processo de construção do neofantástico
nas narrativas de Rubião, analisando os recursos retóricos, entre eles, o
paradoxo, a hipérbole, a elipse e a metáfora. Por assim dizer, esses recursos
são os mecanismos estéticos que podem instituir o neofantástico nos contos de Rubião.
Introdução
Murilo
Rubião é um contista singular no contexto literário brasileiro do século XX,
pois com a opção pelo fantástico contemporâneo, assume a posição de inaugurador
de uma linguagem inovadora no âmbito da literatura nacional.
A
narrativa de Rubião é arbitrária e conduz à circularidade no seu processo
criativo, originando assim, uma infinita possibilidade de permutações, que
ilustra o funcionamento da arbitrariedade do signo narrativo, pois a
contradição da narrativa não encaminha à solução e sim representa o percurso de
um sistema circular.
Assim,
a circularidade das narrativas neofantásficas
murilianas, pela qual as estruturas se repetem ao infinito, é uma tentativa de
satisfazer ao desejo de não terminar a história, pois o grande objetivo de
Rubião é que suas histórias continuem com o leitor, o qual dará outra vida, de
forma inovadora daquela que lhe deu.
A
partir disso, resolveremos investigar o gênero discursivo neofantásfico muriliano como objeto de estudo, pois ele nos remete
ao contraste entre a particular incoerência do discurso narrativo minucioso e
imperturbável e a particular incoerência da matéria narrada, isto é, dos
acontecimentos extraordinários que constituem a trama esquemática na estrutura
narrativa dos contos murilianos.
Por
meio do discurso indireto, veremos como o narrador introduz o seu ponto de
vista interno na narrativa muriliana, pois ele não só interligará o universo do
sonho à realidade exterior, mas também colocar-se-á no meio da contradição
entre o estranho e a rotina. Sendo o mediador para o neofantásfico, ele será o objeto fantástico, pois é por seu
intermédio que se instaura o mundo estranho e comum. A contradição surge e o
narrador é o interlocutor do discurso, o qual passa a descrever as incrédulas
reações das personagens que o circundam. Dessa forma, percebemos que o próprio
narrador concilia as possíveis oposições, pelas quais eliminam as ambiguidades
decorrentes de uma situação fantástica.
Entretanto,
os recursos retóricos, entre eles, o paradoxo, a hipérbole, a elipse e a
metáfora são tomados, nas narrativas murilianas, como procedimentos estéticos
para a construção do neofantásfico em
Rubião, pois esses recursos servem como base de estruturação da técnica
muriliana, fazendo com que a ambiguidade seja a estabilidade da narrativa neofantásfica.
A
presente monografia abordará o problema da definição do gênero fantástico em Murilo Rubião. A
dificuldade na definição desse gênero abrange também a obra de Murilo que foi
nomeada pela crítica de “fantástico”, “absurdo”, “fantástico-absurdo”,
“realismo mágico” ou “surrealismo”. No primeiro capítulo, faremos um estudo
preliminar sobre o fantástico para diferenciar a narrativa tradicional e a
contemporânea. Os teóricos estudados serão: Jean-Paul Sartre, Louis Vax, Roger
Caillois, Tzvetan Todorov, Jorge Schwartz e Jaime Alazraki, que auxiliar-nos-ão
na abordagem de outras denominações do termo fantástico ao longo da história
literária. A partir da contraposição entre as duas definições mais gerais:
fantástico e neofantástico, optaremos
pelo neofantástico denominado em
Rubião como uma linguagem que virá romper com as regras tradicionais do
discurso e como elemento que deslocará a linguagem modificando-a.
No
segundo capítulo, iniciaremos a análise sobre a construção do neofantástico nas narrativas de Murilo
Rubião, por meio da seleção dos seguintes contos: “A cidade”, “Epidólia”, “A casa do girassol vermelho”, “Petúnia”, “A
fila”, “O convidado”, “O bloqueio”, “Ofélia, meu cachimbo e o mar”, “Alfredo”,
“Edifício”, “A noiva da casa azul”, “Bárbara”, “Dragões”, “Teleco, o
coelhinho”, Aglaia”, “O pirotécnico Zacarias”, “O homem do boné cinzento”, “A
armadilha”, “Os três nomes de Godofredo” e “O ex-mágico da Taberna Minhota”.
Neste capitulo, veremos a posição do narrador como interlocutor do discurso
muriliano, introduzindo o seu ponto de vista interno nas narrativas neofantásticas. Assim, o narrador cumpre
a função de mediador para o mundo fantástico, descrevendo as incrédulas reações
das personagens que o circundam. Por fim, neste capítulo analisaremos os
recursos retóricos, entre eles, o paradoxo, a hipérbole, a elipse e a metáfora.
Esses recursos funcionam como mecanismos estéticos, os quais instituem o neofantástico nas narrativas de Murilo
Rubião.
CAPÍTULO I
CONSIDERAÇÕES SOBRE FANTÁSTICO E NEOFANTÁSTICO
1.1. Conceito de fantástico
O
termo fantástico foi usado amplamente como sinônimo da literatura que se
contrapunha ao realismo literário ou, mais especificamente, que transgredia as
leis de causalidade. Sob esta denominação, encontra-se um abrangente universo:
o maravilhoso, o estranho, o sobrenatural, o inexplicável – as rupturas com o
real; e, também, um grande número de obras: As
Mil e uma Noites, A Queda da Casa de
Usher (Edgar A. Poe), Aurélia (G.
Nerval), História Universal da Infâmia
(José L. Borges), Bestiário (J.
Cortázar). Além dessas, ainda aquelas que saem dessa classificação para se
enquadrar em outra com diversos pontos de contato como, por exemplo, o realismo
maravilhoso: O Reino deste Mundo
(Alejo Carpentier), Cem Anos de Solidão
(Gabriel Garcia Marques), O Senhor Presidente
(Miguel Angel Asturias).
Não
se pode negar que a dificuldade em precisar as fronteiras desse gênero é um
problema do presente. Essa dificuldade de definição também abrande a obra de
Murilo Rubião (1916-1991) que já foi denominada pela crítica de “fantástico”,
“absurdo”, “fantástico-absurdo”, “realismo mágico” ou “surrealismo”. Muito
embora seja uma dificuldade do presente, as histórias fantásticas existem desde
os primórdios da humanidade, tendo sua origem na comunicação oral, quando o
homem ainda não dispunha da aprendizagem da escrita. Na Bíblia (um dos relatos
mais antigos), vamos encontrar textos da literatura fantástica, como, por
exemplo, a transformação de um pouco de barro no primeiro homem e da costela
desse mesmo homem na primeira mulher, assim como, a esposa de Lot que se
transforma em estátua[1].
Curiosamente,
um dos estudos mais antigos sobre o assunto traz uma das noções mais
pertinentes sobre o mecanismo desencadeador do fantástico na literatura.
Trata-se da analise de Jean-Paul Sartre sobre Maurice Blanchot[2].
Nesse pequeno estudo, Sartre delineia um dos traços mais importante da
literatura fantástica. Para o filosofo francês, o fantástico estende-se a todo
o universo ficcional, criando um mundo completo, onde o homem está “às
avessas”, numa imagem invertida, passando a ser apenas um utensílio. Os fins
são destruídos pelos meios, os objetos manifestam-se com indisciplina e
desordem.
Esse
universo fantástico identifica-se com o mundo burocrático, onde o meio
transforma-se em fim, os objetivos estão fora do campo de visão do funcionário
que repete mecanicamente suas ações. A função do leitor aqui é identificar-se
com o herói desumano para penetrar no fantástico e observar com distanciamento
a condição humana, compreendendo-a melhor.
A
análise de Sartre é muito global, filosófica e não permite uma visão mais
completa e detalhada dos recursos narrativos que compõe este universo. Um dos
princípios fundamentais do fantástico, no entanto, está concisamente delineado:
a inversão dos meios contra os fins. Percebe-se claramente uma forte tendência
à interpretação ideológica-filosófica do fenômeno. A organização do enunciado
ou fabula é a preocupação sartreana.
Louis
Vax, em seu livro A arte e a literatura
fantásticas [3],
levanta algumas questões que estão presentes em estudos recentes de forma mais
completa. O fantástico para Vax é um elemento que pode estar presente em
diversas artes como um motivo composto de ingredientes especiais. O
inexplicável, o sobrenatural, o terror imaginário, que invadem um mundo
submisso à razão onde pessoas comuns são colocadas em situações excepcionais,
constituem o universo fantástico. As fronteiras desse universo são: o feérico,
as superstições populares, a poesia, o macabro, a literatura policial, o
trágico, o humor, a alegria, o ocultismo, a psicanálise e a metafisica.
Enquanto
a metafisica, a percepção extra-sensorial e as aparições estão perto da
ciência, o fantástico situa-se em pleno mundo imaginário. Vax insinua que
existe um parentesco com o sonho ao se tornar a transposição imaginada de
preocupações profundas, sugerindo a possibilidade da interpretação literária
psicanalítica. Volta, no entanto, para o tradicional estudo temático,
ressaltando que os temas são limitados e que s submetem aos arquétipos de Jung.
Outra vez, Vax abandona a análise psicanalítica, enumerando as situações
evidentes da manifestação do fantástico: metamorfoses; vampiros; partes
desmembradas do corpo humano; dupla personalidade; visível e invisível (alma e
corpo); alterações da causalidade, do espaço e do tempo; regressão; seres
híbridos, etc.
O
mais importante, entretanto, é que o campo de investigação para Vax é
determinado a partir da reação do leitor: as obras que despertam um calafrio
particular, constituindo uma experiência axiológica negativa com fins estéticos
onde predominam a ambivalência, a incredulidade e/ou a indecisão, são
fantásticas. Essa preocupação com a reação psicossomática do leitor não é uma
inovação de Vax. Anteriormente, H. P. Lovecraft[4],
que estudou a literatura do horror, já pautava sua classificação no medo
despertado no leitor.
Roger
Caillois, um dos mais citados teóricos do insólito, distingue o conto de fadas,
o fantástico e a ficção científica, sugerindo um certo nexo evolutivo entre as
três categorias[5].
O conto de fadas estabelece desde o
inicio um universo diferente, fictício, um universo maravilhoso, coerente
dentro de suas próprias leis, sem conflito com o real. Representa os desejos
ingênuos do homem frente à natureza que aprendeu a dominar. Porém, o fantástico
é um escândalo, uma rachadura, uma ruptura insólita na coerência universal do
real. Parte do triunfo da concepção científica de uma ordem racional e
necessária dos fenômenos, de um determinismo estrito no encadeamento de causas
e efeitos. Procura dissociar as categorias d extensão, peso, forma, cor, odor e
temperatura dos corpos estabelecidos pelas leis fundamentais da matéria e da
vida. Representa o espanto, diante da regularidade estabelecida pela ciência,
diante do equilíbrio, sendo quebrado por forças desconhecidas.
Tanto
CAILLOIS como VAX propõem uma longa lista de temas que estão intimamente
relacionadas à tradição das histórias de terror sobrenatural: pacto com o
demônio, alma que exige alguma ação para repousar, espectros condenados, morte
personificada, vampiros autômatos, estátuas animadas, maldições,
mulher-fantasma sedutora, entre outros.
Da
longa lista, pode-se destacar alguns itens que não são necessariamente de
terror e, usados de forma particular, continuam válidos para a narrativa
moderna: inversão sonho/realidade, abolição do tempo e espaço, detenção e
repetição do tempo, e inversão da causalidade. A ficção científica questiona a
segurança da ciência, instaura a dúvida e o mistério, aprofundando a angústia
diante do progresso da teoria e da técnica. De repente o homem se vê submisso à
máquina que ele mesmo criou, vítima de suas próprias invenções.
A
função das três categorias – o conto de fadas, o fantástico e a ficção
científica – é equivalente para Roger Caillois: refletem a tensão entre o poder
real e o desejo de poder; entre o conhecido e o desconhecido; entre o permitido
e o proibido; colocam o sujeito prisioneiro da distância, da duração e do
determinismo diante da sua ânsia de libertação do espaço, do tempo e da causalidade.
No entanto, Caillois acentua que tudo é ficção pura, tendo como objetivo jogar
com o medo. A preocupação com o efeito e com a reação do leitor diante do fato
insólito são constantes como na teoria de Vax.
Essas
divisões que começam a ser delimitadas no estudo de Roger Caillois vão ser
sistematizadas por Tzvetan Todorov (1975) em Introdução à Literatura Fantástica, que traz o exemplo de O Diabo Apaixonado, de Cazotte, em que
a personagem Alvare vive com uma mulher, Biondetta, que ele não sabe se é ou
não um ser diabólico. Também não está certo se o que vive é sonho ou realidade,
e “a ambigüidade se mantém até o fim da
narrativa: realidade ou sonho? verdade ou ilusão?”[6]. Essa situação de
ambigüidade é o ponto principal do fantástico. Quando um leitor se depara com
um mundo que é precisamente como o seu, qualquer acontecimento que fuja às leis
desse mundo familiar cria a duvida e a incerteza sobre a possibilidade do fato
ser ou não real. “O fantástico ocorre
nesta incerteza (...). O fantástica é a hesitação experimentada por um ser que
só conhece as leis naturais, face a um acontecimento aparentemente
sobrenatural”[7].
Essa afirmação impõe discussões a respeito do ser que hesita: será o leitor?
Será o personagem? O que se deve entender por acontecimento sobrenatural?
Problematizando
a questão, invocamos Jorge Schwartz para colocar-nos algumas distinções entre
categorias relacionadas ao real e ao sobrenatural necessárias à compreensão do
universo em foco. Segundo o crítico[8],
podemos distinguir três categorias:
a)
do sólito, constituído pelo universo
do cotidiano apresentando o estado normal da vida, o mundo real e concreto;
b)
do insólito, tudo aquilo que se opôe
à normalidade, apontando para o estranho;
c)
do sobrenatural, tudo aquilo que
ultrapassa o natural; inadmissível ao universo real, esboçando na ficção o
fantástico e o maravilhoso.
Essas
categorias constituem pressupostos à compreensão da hesitação. O hesitar é
fruto de um confronto entre o sólito e o insólito ou o sobrenatural, que gera
um efeito fantástico; o hesitar ocorre quando “há um fenômeno estranho que se pode explicar de duas maneiras, por
meio de causas de tipo natural e sobrenatural. A possibilidade de hesitar entre
os dois criou o efeito fantástico”[9]. O conceito de fantástico se
equaciona tendo em vista as relações entre o real e imaginário, sendo que a
categoria do sólito constitui o alicerce.
Posta
a questão das categorias, continuemos, a indagação. desta vez, em que ser
acontece o efeito fantástico?
Schwartz
coloca o efeito no leitor, quando diz que o repertório do leitor constitui
critério de avaliação do fantástico[10]. E
pergunta: Como entender o repertório do leitor? Há dois tipos de leitor:
a)
o leitor ingênuo – ignora a verdade dos fatos;
b)
o leitor não ingênuo – conhecedor da verdade dos fatos;
Cabe-nos
indagar, entretento, o leitor, no qual acontece a hesitação. Lovecraft[11]
funda os critérios de avaliação na experiência do leitor. Experiência que
circunscreve no ambiente do medo frente ao desconhecido, ao insólito. Essa
visão, no entanto, é refutada por Todorov, ao argumentar que um gênero
literário não se define pela maior ou menor intensidade sentimental que
provoca. Segundo o crítico, o medo está ligado ao fantástico, mas não constitui
condição sine qua non ao Fantástico[12].
Murilo
Rubião, por sua vez, numa entrevista dada ao Suplemento Literário de Minas
Gerais, discorda de Todorv em relação ao “Princípio
da hesitação” como condição do efeito fantástico, ao afirmar:
“O fantástico se caracteriza, sobretudo por uma fluidez
(...). A fluidez se refere ao próprio espaço do real, que se constrói a partir
de elementos extraídos da vida social e também do substrato do imaginário de
cada um. Assim não é possível ao leitor, nem à personagem, uma tomada de
decisão, a opção por uma ou outra solução, o que implicaria, segundo Todorov, a
saída do fantástico para o estranho ou o maravilhoso. Se a gente se situa no
coração do fantástico, só há um registro para os fatos. Nem o leitor nem a
personagem podem duvidar da realidade dos fatos, perguntando-se, por exemplo,
trata-se ou não se um sonho”.[13]
Segundo
Rubião[14], a
fluidez não seria sinônimo de deslizamento de uma idéia a outra, mas uma certa
liberdade diante do fato fantástico; um certo despojamento em relação à obra
quer se trate de um leitor ingênuo, quer se trate de um conhecedor dos fatos.
Ao
recorrer a definições de outros autores sobre o fantástico, Todorov[15]
afirma que em algumas, “cabe ao leitor
hesitar entre as duas possibilidades” (real ou imaginário) e, em outras,
esta hesitação fica à mercê da personagem. Usando passado e presente, Todorv
vai mais adiante. Outras defiições apresentadas por ele[16] ao
são contraditórias à sua. Além disso, considera Le Manuscrit trouvé à Saragosse, de Jan Potocki como o livro que
inicioumagistralmente a época da narrativa fantástica. Potocki conta a história
de Alphonse, que se depara com duas mulheres que ele nãoa sabe se são ou não
demônios, Todorov[17] nos
reafirma que é essa hesitação que dá vida ao fantástico, pois “a fé absoluta como a incredulidade total
nos levam para fora deste gênero”. O fantástico dura somente o momento da
hesitação. Este é considerado a zona de limite entre o estranho e o
maravilhoso.
Segundo
o crítico, essa hesitação é comum ao leitor e à personagem, porém têm sua
duração ao momento da narração do fato. Chegando ao final da história, o leitor
ou a personagem fará a opção sobre a naturalidade ou a sobrenaturalidade do
acontecimento.
Ao
escolher essa ou aquela opção, o leitor sai do universo do fantástico
ocasionando transformação do gênero da obra: se optar por novas leis da natureza em que o fato se
encaixa perfeitamente, estamos no maravilhoso,
se optar por leis da realidade e o
fato puder ser explicado por meio destas, então estamos no estranho.
A
hesitação não só da personagem, mas também do leitor é a condição primeira do
fantástico, diz Todorov. O fantástico implica, pois, uma integração do leitor
no mundo das personagens; conceitua-se pela percepção ambígua que tem o próprio
leitor diante dos acontecimentos narrados. A ambiguidade do texto não se
encontra somente na trama da história que vai sendo construída para manter a
duvida, mas também na construção da linguagem. Para isto, o escritor se utiliza
do pretérito imperfeito e das modalizações.
Além
disso, também se precisa de uma postura de leitura, ou seja, “o fantástico implica, portanto, não apenas
a existência de um acontecimento estranho... mas também uma maneia de ler...
que deve ser nem ‘poética’, nem ‘alegórica’”[18]. Isso
significa que o fato fantástico nem deve ser lido se remetendo a uma outra
coisa, nem como uma combinação de palavras. No sentido alegórico, as palavras deste texto seriam lidas como tendo um outro
sentido, e ,no poético, seriam lidas
como representativas ou como uma sequência verbal, sem pretender ir além das
palvras. Todorov[19]
dirá que o fantástico exige que três condições sejam preenchidas:
a)
é necessário que o texto obrigue o leitor a considerar o munda das personagens
como um mundo de criaturas vivas e a hesitar entre uma explicação natural e uma
sobrenatural dos acontecimento evocados;
b)
a hesitação experimentada pelo leitor também deve ser experimentada por uma
personagem;
c)
o leitor deve adotar uma certa atitude para com o texto: ele recusará tanto a
interpretação alegórica, quanto à poética.
Uma
ressalva que o crítico faz a algumas definições do gênero, porém, é a da
insistência em colocar o “critério do
fantástico (...) na experiência particular do leitor”, mais especificamente,
na experiência de medo ou terror e na impressão de estranheza. Essa definição
torna-se frágil, na medida em que depende do sangue-frio do leitor.
Se
a duração do fantástico é a hesitação, então, estamos diante de um gênero
extremamente frágil, que pode se desfazer a qualquer minuto. O fantástico se
situa, assim, como diz Todorov[20], no
momento presente. Esta definição, contudo, não consegue se estender aos escritores
do século XX, ou ao de estilo de Kafka. Na verdade, Todorov deu como
desaparecida a literatura fantástica no século XIX. Poderíamos perguntar,
então: Porque a literatura fantástica não existe mais? Em que se transformou a
narrativa do sobrenatural no século XX? Segundo Todorov, a resposta é que há um
abandono na hesitação, ou seja, o homem não hesita mais diante do fantástico e
passa a ser a regra e não a exceção.
Jaime
Alazraki[21],
em En Busca del Unicornio: Los cuentos de
Julio Cortázar, diz quem, a partir de sua analise de alguns trabalhos[22]
sobre o fantástico, o traço distintivo do gênero ou o ponto onde todos parecem
coincidir é a capacidade de gerar medo ou
terror. Todorov é o teórico que inicia o questionamento sobre essa
capacidade do texto e que propôs uma definição que, segundo Alazraki, não deixa
de ser uma variação das demais: “O
fantástico é a hesitação experimentada por um ser que conhece apenas as leis naturais
e, de repente, se encontra com um acontecimento de aparência sobrenatural”.[23] Sentindo
a necessidade de definição para essa narrativa fantástica, que surge a partir
de Kafka, onde o medo é prescindível, Alazraki propõe a denominação
“neofantástico”[24], a
qual “emerge de uma nova postulação da realidade, de uma nova percepção do
mundo, que modifica a organização da narrativa, seu funcionamento, cujos
propósitos diferem consideravelmente dos perseguidos pelo fantástico”.[25]
1.2.
Neofantástico, segundo Alazraki
A
nova postulação da realidade coincide com a introdução de uma perspectiva mais aberta
para a literatura. Ao negar os modos habituais das ideias e ao trabalhar a
linguagem de forma que o leitor tenha possibilidade de interpretação, que seja “o polo oposto do significado como
comunicação de uma mensagem”[26],
Alazraki denomina neofantástico à literatura que Umberto Eco imprimiu a
condição de “obra aberta”[27]. Ao
assumir esse caráter de obra aberta na
literatura contemporânea, o neofantástico
rejeita, como a obra aberta, normas ou leis que configuram uma maneira unívoca
e definitiva da imagem da realidade.
Desse
modo, o neofantástico propõe uma
visão de mundo em que já não obedece aos modelos de outras épocas que se
manifestavam numa imagem unitária e definitiva, pois a literatura fantástica do
século XIX, por sua vez, surgia como reação a um mundo onde o medo estava
frequentemente ligada ao gênero, mas não como uma condição necessária. Segundo
Alazraki, o fantástico tradicional funcionava como uma ruptura, pois a figura
de linguagem que espelhava seu funcionamento era o anacoluto. Esta figura
ocorre quando sistematicamente um termo fica desligado da oração. Ela
representa um desvio dos modelos convencionais; é uma construção gramatical que
modifica a ordem do discurso[28]. O
ponto de contato dos dois, anacoluto e fantástico, era a ruptura que provocava
dentro de uma ordem determinada:
“O fantástico, ao negar ou contradizer simultaneamente a
gramática que direciona a realidade, produz um estremecimento, um calafrio ou
um horror; poderia, assim, ser definido como anacoluto no discurso literário:
numa realidade convencional e racionalmente definida como normal... se produz
uma fragmentação ou desvio de uma ordem evidentemente aceita, ocorre o que não
deveria acontecer conforme as leis que regem essa ordem”.[29]
No
fantástico do século XX ou neofantástico,
contudo, Alazraki[30]
afirma que a função de estremecer o leitor com a quebra de uma ordem inviolável
fica perdida com a ampliação de horizonte em quase todas as áreas do
conhecimento humano e a relativização do que se entendia por absoluto, a ordem inviolável sofre transformações.
Este mundo ordenado é substituído por um mundo de ambiguidade, sempre aberto
para uma continua revisão, tanto dos valores quanto das certezas. Assim, o
fantástico perde a sua função, já que a transgressão fará parte de uma nova
ordem. Se a figura representante do funcionamento do fantástico tradicional era
o anacoluto, no neofantástico é a
metáfora. Por meio dela é que se tenta apreender os conceitos de realidade e
irrealidade. Alazraki defende essa hipótese com a Metamorfose, de Kafka – exatamente para Todorov. Neste livro, a
personagem Gregor Samsa acorda numa manhã e se vê transformado em um inseto;
apesar de não compreender o que está acontecendo, o fato é aceito por ele.
O
que Kafka nos oferece, segundo Alazraki, é “uma
metáfora, através da qual alude à condição de Gregor Samsa e a define sem a
definir, a expressa a partir de uma imagem que transcende a lógica da
causalidade para instituir uma lógica de ambiguidade e da indefinição”[31]. A
definição, então, passa a ser a própria ambiguidade, ela é o seu contrário, a
indefinição. A metáfora designaria esses “signos
abertos à indefinição e que na literatura do neofantástico adquirem a forma de
ir além dos limites da imaginação, onde o natural e o sobrenatural se mesclam e
se confundem para conviver em um mesmo território”.[32]
No
neofantástico, segundo Alazraki, a
metáfora se fasta da definição aristotélica e se aproxima da noção
nietzscheana. Para Aristóteles[33], “a metáfora é um meio de dar nomes a coisas
sem nomes, fazendo-as existir, constituindo-se em um recurso que participa da
formação da realidade”, assim, a poética aristotélica define a metáfora
como “uma divisão de mundo em gêneros e
em espécies bem definidos que correspondem à suas essências”, enquanto para
Nietzsche[34], “essa essência das coisas permanece
inigmática e os gêneros e as espécies já não são os mesmos, pois se tornam
metáforas humanas”.
Alazraki
diz que Nietzsche[35]
transforma a metáfora do conceito retórico em conceito operacional, no qual “a verdade do Ser foi transportada à
linguagem simbólica: a essência íntima das coisas, ainda que independente da
metáfora como meio expressivo, se encontra nela como o pai em relação a seu
filho”. Na noção nietzscheana, o mundo aparece como uma invenção, uma
representação, como uma metáfora que perdera sua força. Se for por meio da
metáfora que se inventa o mundo, o neofantástico,
então, vem como uma tentativa de reinvenção deste, partindo de uma nova
linguagem, “a partir de uma transgressão
dos nomes das coisas”[36].
Alazraki
cita Nietzsche[37]
para argumentar essa transgressão: “É
infinitamente mais importante conhecer o nome das coisas que saber o que são...
É suficiente moldar nomes novos, novas apreciações e novas probabilidades, para
também criar, por ultimo, ‘coisas novas’”. A metáfora cumpre no neofantástico a função de transgredir os
limites da imaginação como tentativa de reinvenção do mundo, podendo ser vista
como impulso radical que representa o desejo da modernidade de apagar toda anterioridade,
esperançosa por encontrar um ponto que seja o presente verdadeiro ou um ponto
de origem que marca nova partida.
Ao
problematizar a questão do neofantástico de
Alazraki, invocamos o teórico Sartre, o qual diz que, na medida em que os fins
perdem totalmente a sua significação, os meios adquirem dimensões gigantescas,
assumidas pela linguagem fantástica do século XX: “O fantástico humano é a rebelião dos meios contra os
fins, quer porque o objeto considerado se afirma ruidosamente como meio e nos
oculta o seu fim pela própria violência dessa afirmação, quer porque nos envia
para outro meio, este para outro, e assim sucessivamente até o infinito sem que
nunca possamos descobrir o fim supremo”.[38]
Para Sartre, o fantástico contemporâneo estende-se a um mundo ambíguo e
indefinido, pelo qual o próprio homem é o ser fantástico, passando a ser apenas
um utensílio sem atingir os fins propósitos.
Assim,
o neofantástico proporciona uma
abertura para um outro lado do real e, de certa forma, amplia não só os limites
desse real, mas também os da própria literatura. No entanto, direcionando-se
para fora dela, vê-se obrigado a voltar já que sua sobrevivência vincula-se à
linguagem: mais uma repetição desse gesto característico da literatura, no seu
movimento de ir e vir.
Tanto
no fantástico como no neofantástico,
os fatos transgridem as leis da causalidade. No segundo, porém, nem leitor, nem
personagem hesitam diante dos fatos. A opção pelo gênero acaba sendo a opção
pela transgressão. Seu tempo de duração – o presente – é, contudo, resguardado,
já que esta literatura se abre à reformulação constante ou à possibilidade
permanente de significar o oposto de uma mensagem. Há uma substituição do mundo
ordenado por um mundo de ambiguidade, aberto para uma continua revisão de
valores e certezas, aberto para a reescrita. A definição passa a ser
precisamente o seu contrário: a indefinição. São esses “signos abertos à indefinição”, denominados metáforas por Alazraki[39],
que possibilitam a transcendência de limites, mesclando natural e sobrenatural.
O
acontecimento fantástico do século XX, sobrevivendo na dimensão da escritura,
torna-se “paradoxal pela sua capacidade
de nomear aquilo que é e não é ao mesmo tempo”[40].
Desloca-se do real, dando essência a algo que não existe. O que o texto faz é
criar a ilusão da realidade: a existência de um fato que está dizendo,
exatamente, o seu contrário, sua não existência.
Ele
cumpre, de certa forma, este papel de retirar a aparência familiar de formas
gastas, transformando a linguagem a introdução do absurdo, pois as linguagens
sempre despertaram algum tipo de incômodo no modernismo. O fato fantástico em
Rubião, como se vê no momento do lançamento de O Ex-Mágico (1947), também provocou, se não uma rejeição, pelo
menos algum espanto, um sentimento de indefinição diante do gênero lido. É o
que pode ser observado na carta de Mário de Andrade à Murilo Rubião, na qual
Mário expressava a dificuldade de identificar esta nova forma literária: “Vamos
para todos os efeitos, nesta carta, chamar de fantasia, o que você mesmo numa
das suas cartas ficou sem saber como chamar, se ‘surrealismo’, si ‘simbolismo’,
a que se poderia acrescentar ‘liberdade subconsciente’, ‘alegorismo’, etc. fica
aqui ‘fantasia’”[41].
Apesar
de o fantástico estar presente na arte desde os seus primórdios, é no século
XIX que aparece com mais vigor na literatura, destacando-se como o advento da
modernidade. No entanto, o neofantástico surge,
no século XX, coo alternativa para uma linguagem ou uma forma de literatura que
se imagina ultrapassada e que não consegue exprimir uma nova visão de mundo.
Aparece, então, como recurso para tentar preencher o intervalo inaugural entre
coisas e palavras, metáfora do que não pode ser dito. Portanto, o neofantástico surge como tentativa de
reinvenção do mundo através da linguagem. É uma tentativa do escritor moderno
de satisfazer o desejo adâmico. O fato fantástico reafirma, assim, o movimento
essencial da literatura de sair e retornar a si deixar os próprios limites do
real proporcionar uma ampliação deste e os da própria literatura, mas o retorno
é inevitável para fatos feitos de palavras.
CAPÍTULO II
A NARRATIVA NEOFANTÁSTICA EM MURILO RUBIÃO
Murilo
Rubião inaugurou o neofantástico do
século XX no Brasil, pois ele deve ser visto como criador de um mundo à parte,
ou seja, seu gênero se desprende de uma realidade imediata como uma fantasia que incorpora o estranho no universo do leitor,
tornando-o objeto fantástico. Quando Rubião
construía o neofantástico nas suas
narrativas, o que mais espantava nele, segundo Davi Arrigucci[42],
era a perfeita naturalidade da convivência com o espantoso que implicava um
humorismo áspero, revoltado e um sarcasmo maltratante. As características do neofantástico dentro da obra de Rubião
distanciam-na dos moldes tradicionais europeus e, ao mesmo tempo, há nela
certas características que a diferenciam dos outros escritores fantásticos
contemporâneos. Utilizando-se os procedimentos estruturais e discursos
próprios, o texto de Rubião afirma sua identidade e conquista novas técnicas
para o gênero.
Embora
os críticos[43] que
se debruçaram sobre a sua obra tendam a perceber semelhança com Kafka, o contista
mineiro afirma que seus contos foram escritos antes de sue contato com a obra
kafkiana. O que há de comum entre os dois escritores é a maneira de conceber o
gênero para tematizar as angustias do homem contemporâneo.
De
acordo com Murilo Rubião[44],
suas maiores influências foram, dentre outras, a Bíblia, a mitologia grega,
contos do folclore alemão e Machado de Assis. Não admitia, porém, ser comparado
com outro escritor, pois sempre ressaltou que era o inventor de um mundo à
parte, no qual buscava uma linguagem transparente e inovadora no gênero
fantástico do século XX.
Nos
trinta anos de produção literária de Murilo Rubião, seu gesto principal foi o
de escrever e reescrever seus contos. A busca pela clareza da linguagem sempre
permeou o seu trabalho, ou seja, ele mesmo falara que sua pretensão era exatamente a clareza. Tendo como opção o
fantástico, que considerava difícil, as palavras deveriam ser “as mais transparentes possíveis, para que o leitor não sentisse a
sua presença”[45]. Nessa tentativa de
transparência e clareza, seus contos são escritos e reescritos, provocando ate
o desaparecimento da escrita nos textos, pois a memória retirada dos textos de
Rubião pode, em parte, ser rastreada por meio da analise das variantes de sua
obra e, ao modificar os textos a cada edição, o autor suprime, reduz,
sintetiza, obscurecendo significados claros nas primeiras edições dos textos.
Por
meio da leitura da maioria dos contos de Murilo Rubião, é quase impossível ao
leitor penetrar o discurso do narrador, é necessário que o leitor apanhe as
peças do jogo, espalhadas pelas narrativas, e monte o quebra-cabeça,
contextualizando o jogo. Desta maneira, o leitor participa da montagem da
narrativa. Muitas das informações que não se encontram nos textos modificados
de Rubião, podem ser encontradas nas primeiras edições, e isto cria uma
dialogia entre várias edições de seus textos. O arquivo das informações pode
ser observado através da comparação das variantes, perseguindo a memória dos
textos.
A
forma de pensar muriliana sempre coincidiu com a forma de escrever/reescrever
seus contos. Jorge Schwartz[46]
discute este ponto ao dizer que “analisar
o processo de produção autoral passa a ser elemento-chave para a compreensão da
obra” deste autor. A metamorfose ou a modificação funcionará como uma
metáfora, a qual aparece como elemento forte nos textos de Rubião, levando à
condenação de personagens que lutam eternamente com a impossibilidade de
encontrar sua própria personalidade ou de outras que não conseguem conter suas
transformações físicas para atingir seus objetivos desejados.
A
imagem metafórica dessas personagens se remete à luta do escritor pela
perfeição do texto. Este processo de reelaboração e o movimento circular que
ele produz, não são apenas a temática da narrativa, mas também uma busca pelo
aprimoramento, pela palavra exata.
Há
uma tríade de conceitos (condenação/infinito/absurdo) integrados que contaminam
toda a narrativa do escritor, pois esta tríade se reflete em todos os seus
contos, fazendo com que pareçam as variações do mesmo. Também as personagens se
espelham mutuamente. Esta personagem ou “arquipersonagem”[47]
sintetiza as ações e atributos das demais, o que também é reflexo deste mesmo
gesto de escrever/reescrever.
Contos
e personagens estão condenados a um percurso de repetição. Temos, então, um
processo de criação que está intimamente ligado à obra – imagem do fazer e
refazer – e contos e personagens que são variações deste processo criativo. No
entanto, a escrita sempre pareceu refletir o gesto do escritor: a busca pelo
intangível, a clareza absoluta, a coincidência entre palavras e coisas. A
angustia criativa era temática principal de algumas cartas de Rubião ao
escritor Mário de Andrade, publicadas no livro Mário e o Pirotécnico Aprendiz: “Ainda
não consegui, após cinco anos de uma luta feroz com a literatura de ficção,
realizar um conto definitivo”[48].
Desse modo, Rubião diria que “escrever é
a pior das torturas” e que as palavras eram arrancadas de si “a poder de força e alicates”. Seus “casos”, como ele denominava seus
contos, são construídos em poucos segundos e levam meses “para serem transformados em obras literárias”. Responde Mário de
Andrade a Murilo: “Eu imagino que onde
você se devasta perigosamente é na esperança abusiva de encontrar a expressão
perfeita e única do que você quer dizer”[49]. A
escrita sempre parecia ser o elemento primordial para Rubião, pois sua
principal fixação era a de romper o branco do papel.
O
neofantástico de Murilo Rubião
questiona o problema da loucura, do real e da razão; denuncia a angustia do
homem contemporâneo alienado pelas forças dominantes, denota assim o que dizia
Sartre[50]: “O homem normal é precisamente o ser
fantástico”. A narrativa muriliana, como se observa, centraliza-se no
espaço urbano moderno, colocando o absurdo relacionamento entre o homem e seu
ambiente, com a preocupação em deletar e reivindicar uma realidade diversa como
se fosse pertencente ao mundo real, nesse ambiente, estamos próximos de
elementos aparentemente sobrenaturais. Assim, o neofantástico de Rubião nasce do deslocamento do homem para sua
alienação do espaço e da história, e o insólito se localiza dentro do próprio
homem. Ademais, essa narrativa neofantástico
de Rubião dramatiza a questão do desejo e sua interdição, além de propiciar, na
autocontemplação da criação metapoética, um voltar-se da obra sobre si mesma,
na expectativa de que ela se descubra enquanto projeto criador.
Adentro
de um mundo imaginário, Arrigucci[51] afirma
que Rubião conduzia um narrador geralmente em primeira pessoa, vítima do
desagrado e do cansaço, lúcido e descrente, incapaz de qualquer susto, solitário
e sempre infeliz, derrotado e, ao mesmo tempo injustiçado com os fatos
inusitados e a atmosfera opressiva de sua penosa existência. Por fim, um mundo
reduzido e confinado num círculo, no entanto, se cumpra à risca, como se
obedecesse a um traçado lógico, tudo projetado de acordo com a perspectiva do
humor e da ironia. Às vezes, aproximando-se do cômico e, num grau absolutamente
sério, a graça e a crueldade infantis de uma farsa circense, com efeito
aumentado pela transparência da linguagem, na tradição da escrita mineira, sem
vangloriar-se de si mesma, porém, quase sempre, a linguagem do contista tende
para um fundo trágico, onde caem e se encerram personagens sem horizonte.
Tanto
o narrador quanto o leitor são cúmplices desse mundo imaginário do neofantástico, só que há uma diferença
em que o sonho pode apresentar uma conexão orgânica semelhante à do mundo
ficcional, sendo que o mundo muriliano é produto da intenção de um autor que
busca a construção dos elementos estranhos no contexto da realidade cotidiana,
mediante a paralisação da surpresa. Arrigucci[52] diz
que Rubião constrói sua narrativa com materiais muitas vezes arrojados ou
arbitrários, os quais são capazes de sugerir, pela transgressão da causalidade,
do espaço ou do princípio de identidade do ser, o clima onírico. Pode-se, casualmente, utilizar esse tipo de
material, extraindo-se diretamente dos sonhos, como o próprio Rubião declara
ter acontecido com a história de “Epidólia”.
Entre outros casos, poder-se-ia mesmo suspeitar que a intenção artística fosse
a de imitar a aparente desconstrução e incongruência com que nosso mundo
ressurge na tela movimentada e aleatória dos sonhos. De qualquer modo, a
atmosfera onírica se aproxima às vezes do pesadelo, tornando-se particularmente
marcada na leitura de contos como: “A
casa do girassol vermelho”, “Petúnia”, “A fila”, “O convidado”, “O bloqueio”
entre outros.
Nesses
contos, o leitor, ao se reconhecer como narrador ou como personagem em que
recai o foco narrativo, é levado a exercer o papel de um sonhador cúmplice,
mais necessariamente, de alguém que tem a sensação de estar dentro do mundo
criado, ao mesmo tempo em que se vê de fora. Portanto, o leitor se torna o
mediador para um mundo ficcional, sendo parte integrante deste. Está até certo
ponto distanciado, na situação de quem sonha acordado, com uma lucidez
minuciosa que tende a desempenhar a experiência que está vivendo e, na maioria
dos fatos, narrando.
O
leitor não se surpreende, pois esse mundo o encaminha para a familiaridade com
o estranho, fazendo do mundo de fora uma extensão do de dentro e sugerindo uma
continuidade efetiva entre o natural e o sobrenatural. Afirma assim o que diz
Alazraki[53] que
o neofantástico transgride os limites
da imaginação, fazendo com que o natural e o sobrenatural se unam e se
confundam para conviver em um mesmo mundo. Então, vivemos o choque da
estranheza, mas logo somos levados a nos sentir em casa diante do disparate.
Significa que não estamos a salvo, temos a obrigação de estar dentro,
vendo-nos, entretanto, de fora. Por meio desse procedimento, transformamos-nos
em integrantes de um mundo deslocado, que, paradoxalmente, é ainda o nosso.
Desse
modo, não devemos evidentemente contemplar esse mundo, porque dele fazemos
parte e já não conseguimos escapar à sua disposição rotineira para a catástrofe
– a reviravolta fantástica. Em consequência, quando a técnica não
malogra, o leitor é levado a participar do mundo ficcional, que é o seu mundo,
onde dissolve o insólito na rotina, podendo, então, perceber melhor, à
distância, numa visão crítica, sua própria vulgaridade. Com a da ficção, a
visão crítica também parece estar minada, rotinizando os mais espantosos
desastres. A realidade meramente dada aos olhos como normal passa a ser um
engano, o neofantástico de Rubião,
então, dá lugar ao afloramento de um real mais fundo.
Entretanto,
essa crítica, nascida de uma dada realidade, só se configura a partir de um mundo
à parte, recluso como um sonho. Ao penetrar nele, o leitor cúmplice se sente
acuado numa situação de enclausuramento. É o que acontece com a personagem de “O bloqueio” que acaba sitiada num
edifício em demolição progressiva, roído pela ameaça iminente de destruição,
que não se efetiva até o final do relato, nem tampouco permite que se encontre
a saída. Num fato terrível como esse, estamos sob a pressão asfixiante de um
sonho ruim e, de fato, no inicio do conto se alude ao sono pesadelo da personagem e à sua tendência para confundir restos de sonhos com fragmentos da realidade.
Logo após, um barulho violento se interpõe, indicando a estranha demolição do
edifício recém-construído, e a
arranca mais de uma vez do sono, para abrigá-la a viver às claras o pesadelo.
E, com ela, o leitor.
Talvez
se possa dizer que o narrador ou a personagem que introduz o ponto de vista
interno da ficção muriliana, acomodando-nos aos princípios de estruturação
desse mundo às avessas, é sempre um sonhador desperto. Num outro conto, “Ofélia, meu cachimbo e o mar”, fica
evidente o que isto possa significar para a compreensão do modo de ser da arte
de Murilo. O narrador, numa situação propícia ao sonho acordado (após o jantar,
cachimbando, sentado defronte ao mar) se entregava a diversas conversas com
Ofélia, parceira, só interessada em relatos de caçada. No final do conto, o
leitor se espanta quando fica sabendo que Ofélia é um cachorro. Segundo
Arrigucci[54], “o conto é assim, o resultado de longa
fantasia, cujos elementos romanescos – as imaginárias façanhas marítimas –
voltam a terra, com o latido forte do animal, que deve suportar mentiras
fantasiosas em troca do prato de comida”.
Enfim,
a fantasia sustenta a arquitetura do conto, representa o lance da aventura e
realiza, imaginariamente, um desejo de novas sensações, bloqueado, ao que
parece, pelos hábitos sedentários do narrador e por sua origem enclausurada: “um vilarejo de Minas, agoniado nas fraldas
da Mantiqueira. Oposto à serra, o mar
abre o vasto espaço dos sonhos e do amor: o meu amor pelas mulheres veio do
mar”, diz o narrador, desperto para as vozes e as promessas das águas. Mas “os sonhos, sonhos são”[55].
No
entanto, o narrador não só interliga o universo do sonho à realidade exterior, mas
também se coloca no meio da contradição entre o estranho e a rotina. Sendo o
mediador para o neofantástico, o
narrador-personagem é o próprio objeto fantástico, pois é por seu intermédio
que se instaura o mundo estranho e comum. Nele, portanto, a função de mediar
aparece exorbitada; foi convertida num fim em si mesma. Introdutor de um mundo neofantástico, ele é já esse mundo,
cujos princípios de organização se repetem.
A
ausência de espanto mostra que o narrador-personagem se identifica com as
regras de seu universo, como um ser que se remete às leis da organização a que
pertence, sem ter participado de sua elaboração e sem acesso aos fins a que se
destina. Assim, narrador ou personagem se apresenta como um homem direito, o qual é transportado
para um mundo às avessas. Agora é a
nossa realidade que se revela contraditória e absurda, como esse mundo às
avessas, onde tudo é fim e meio ao mesmo tempo, onde se diluem as fronteiras
entre matéria e espírito, onde as condutas mais absurdas figuram como condutas
normais. Para traduzir essa situação no plano da linguagem, o neofantástico de Rubião arruína a lógica
da normalidade, se submetendo ao que Sartre[56]
caracteriza como uma rebelião dos meios contra os fins. É o que ocorre no conto
“A fila”, na qual há uma espera que se
eterniza na medida em que a personagem volta a ocupar um lugar cada vez mais
afastado da fila, não conseguindo nunca chegar a ser atendida pelo gerente.
Assim, o meio (a fila0 transforma-se no próprio fim.
Por assim dizer, a personagem se torna vitima
de um destino que a leva a indignar-se ou esbravejar apenas numa esfera
reduzida e cada gesto só desenha a mesma impotência. Embora lúcida, sua
consciência está paralisada, como sua capacidade de ação efetiva: não é sujeito
da história. Está ora à margem, ora à deriva, e sempre lhe desprende a dimensão
da totalidade em que se acha imersa. Como que hipnotizada, vagueia aos “trancos e barrancos”, prisioneiro de
uma cadeia de equívocos. Nessa
expressão se caracteriza os sucessivos desencontros de “O convidado”, pois neste conto, a personagem aceita ritualmente um
convite formal para uma festa de finalidade obscura, na qual um grupo social
espera por alguém que, além de não saber quem é, também não aparece. Assim, o local
da festa se encerra num labirinto sem saída, pelo qual a personagem sempre se
deixa levar, sem dar com o objetivo para o qual recebeu convite.
O
efeito ambíguo, que descende de um universo como o até aqui descrito, pode
conduzir não só à cumplicidade, mas também a uma reação de desconfiança. Na
visão do leitor, pode parecer ilusão, como se também ele estivesse preso a
equívocos estranhos ou fosse vitima de uma brincadeira de mau gosto. Quando
vislumbra, porém, que a técnica narrativa muriliana forma corpo com os temas e
está intimamente submetida a certos princípios internos do mundo ficcional,
percebe uma coerência mais profunda, que passa a exigir interpretação.
Na
realidade, o método de Rubião, que manobra seus mediadores para envolver o
leitor no seu jogo, correlaciona-se a uma articulação interna e complexa, cujo
sentido apenas se tocou na descrição de seus contos. Para Arrigucci[57], contradições
recorrentes e mutuamente relacionadas, entre estranho e banal, sonho e vigília,
fantasia e rotina, sobrenatural e natural, apontam para rumos comuns e parecem
repercutir nos efeitos de envolvimento e distância do sonhador e seu cúmplice. Assim
afirmamos que esses mecanismos estão na base de estruturação do neofantástico de Rubião. Penetrar até ele,
buscando os princípios que regem sua organização na estrutura dos contos, é o
caminho para se entender não apenas a justificativa profunda da técnica,
garantia da organicidade e da eficácia estética da obra, como também os
princípios mais gerais dos significados que possam ter.
A
narrativa neofantástica de Rubião
também se centraliza no urbano. Colocando o absurdo relacionamento do homem
moderno distanciado e banido de seu momento histórico, assim como se centraliza
em cidadezinhas perdidas, isoladas entre morros, alheias ao tempo histórico; em
edifícios ameaçados, por escombros ou monstruosamente disformes; em casas
vazias e abandonadas; em vastas áreas mortas. Esse é o espaço típico da
narrativa de Rubião. É como se a cidade dos homens, vítima de uma estranha
decrepitude, regredisse à esfera da natureza, perdendo a forma, a marca do
espírito, para se transformar em fragmentos de matéria sem finalidade visível,
em pura coisa. E as coisas, por sua vez, resistem a servir ao homem,
tornando-se caprichosas e perdendo seu caráter de instrumento humano, como se
escondessem um fim impenetrável em si mesma.
A
habitação humana, por assim dizer, desfamiliariza-se, às vezes se engrandecendo
em dimensões gigantescas como no caso do edifício inacabável em “O edifício”, ou se reduzindo a mera
ruína embrutecida como em “A noiva da
casa azul”. Assim, o ambiente do homem se mostra alienado, tornando outro
espaço estranho, tomado pela coisificação.
Um
aspecto grotesco se expande nesse espaço narrativo, acentuado pelos seres que
aí habitam, caracterizados, em virtude da metamorfose, pela união entre os
reinos humano, animal e vegetal, pois o próprio homem pode tomar, ainda, a
feição monstruosa como em “A Bárbara”,
ao mesmo tempo que os monstros se domesticam como em “Os dragões”.
Assim,
os seres de Rubião vivem sob a pressão do inevitável, muito embora se pareçam
conosco (mesmo monstros), nos dão a impressão de que, em seu lugar, teríamos
maior liberdade de reação. Todos, na verdade, se encontram bloqueados de algum modo. Atuam como vitimas de um sacrifício
inexplicável, a que se subordinam, sem que sua revolta se alce contra essa
obrigação estranha que os condiciona. Na verdade, esses seres protestam contra
o mínimo, mas suportam o máximo.
O
tempo, no espaço narrativo de Rubião, também se rebela. Nem sempre progride,
aliás, quase nunca se coordena numa sucessão linear. Ao contrário, muitas vezes
também regride, se encurva, imitando o movimento circular do ciclo natural. A
sucessão da história parece estar ausente ou parece atravessar fora desses
ambientes enclausurados onde vivem as personagens, que, com frequência, parecem
exilados no seu próprio mundo, encerrados na solidão. Adentro, pode reinar a
paralisação. As pessoas podem envelhecer precocemente, reproduzir-se em tempo
mais curto ou ficar esperando por um tempo ilimitado o que não se concretizará;
a concorrência sem fim pode se impor como uma condenação.
Desse
modo, a representação literária dos homens, do espaço e do tempo, presente no neofantástico de Rubião, quebram a
verossimilhança do realismo tradicional, que auxilia o encadeamento causal do
tempo e da história, articulando harmoniosamente a ação e os pensamentos das
personagens. Retirada do homem a condição de sujeito da história (como já
vimos, através da consciência do narrador e do enclausuramento das
personagens), corrompido o espaço humano em ruínas, destruída a sucessão casual
do tempo e do enredo, o mundo neofantástico
de Rubião regressa também ao mito, ostentando nos fragmentos de sua aparência
arruinada e desarticulada, como um pesadelo, a imagem alegórica de uma
história, sobretudo sofrida.
Todavia,
o mito se caracteriza por ser um reino onde o desejo tudo pode, pois seus
personagens costumam ser criaturas superiores que realizam o que pretendem. No
mundo neofantástico de Rubião, ao
contrário, as personagens nada podem e vivem na agonia da irrealização
persistente, padecendo como vitimas impotentes e como fantasmas da própria
história. Então, poderia ser paradoxal que esse mundo de Rubião se aproximasse
da condição mítica, mas é provavelmente aqui que se torna claro o modo irônico
como são representadas as personagens de Rubião. O único espaço que lhes resta,
para que a força criadora do mito possa se manifestar, é o mundo dos sonhos – a
fantasia. No entanto, a ironia nos apresenta a fantasia na dependência
contraditória da rotina do sofrimento, que é sua negação. As imagens da
fantasia são, na verdade, fragmentos de uma plenitude impossível. Ao percorrer
as narrativas de Rubião, vemos que as fantasias são imagens recorrentes, porém
apenas frisam, paralelamente à repetição de ações inoperantes, criando-se,
assim, uma distancia invencível dos sonhos.
Desse
modo, se fecha sobre os seres de Rubião o circulo mítico, com seu horror pela
multiplicação infinita, onde estão todos condenados à vida e sujeitos a
suportar, sem espanto, essa cadeia sem fim de reproduções estéreis. É o que
acontece em “Aglaia”, personagem do
conto de mesmo nome, com seus partos repetidos e incontroláveis, que
representam esse processo em termo. No conjunto, essa narrativa sugere, pela
ironia, a formação às avessas de um mito paródico e destrutivo com relação aos
mitos de fertilidade, ou seja, a reprodução como fonte de vida se torna o
principio de uma esterilidade aniquiladora. A multiplicação descontrolado
impede e paralisa a existência, assemelhando-se à morte, que, infelizmente não
vem. Aqui, a rebelião dos meios contra os fins decorre de que o espírito não
pode imprimir uma finalidade à matéria, os fins não são mais do que outros
meios para outros fins e, assim, indefinidamente. O espírito torna-se matéria e
a matéria, perdendo a sua determinação, torna-se espírito. Assim, esse mundo
contraditório do neofantástico de
Rubião seria como diria Sartre[58] de
total escravidão.
Na
narrativa neofantástico de Rubião, o
princípio e o fim se anulam diante dos meios absurdamente multiplicados. A
multiplicação sem fim é uma idéia dissolvente, com seu horror do infinito.
Rubião parece amaldiçoar essa eternidade em vida, na experiência objetiva de
suas narrativas. Estas apontam para o rodopio incessante e parecem descartar
toda transcendência, diferentemente do caso de Kafka, onde ela está presente,
sem que possa atingi-la. A pluralidade de nomes e de seres instáveis carrega
consigo, todo o tempo, a dúvida quanto à identidade do ser, questão profunda de
angústia e perplexidade.
Como
linguagem de rebelião de busca, a
narrativa neofantástica de Rubião
passa a exercer a função de desconstrução da nossa representação empírica do
real e do mundo e, com isso, transforma-se em instrumento de dupla
problematização e indagação: desautomatiza a linguagem, desautomatizando a
percepção de mundo. Assim, consegue atingir o leitor por meio do efeito de
estranhamento, oferecendo-lhe abertura para outros mundos, descortinando-lhe
outra realidade para além dos limites de sua percepção sensível, numa inusitada
forma de invenção reveladora.
Portanto,
o neofantástico de Rubião condena-se
à busca da palavra. Por desprezar o domínio referencial, onde a função
significativa da linguagem limita-se à monótona e desnecessária exatidão, o
narrador de Rubião nos direciona necessariamente para um caminho dos símbolos.
Não pretende explicar o real senão pela sua experiência particular, pela qual
sua visão crítica dos desacertos do mundo e da insuficiência da linguagem do
homem expressam o seu desajuste num universo opressor e absurdo.
2.
Os recursos retóricos como procedimentos para o neofantástico muriliano
Nas
narrativas murilianas, percebemos que o neofantástico
só sobrevive por meio da linguagem, criando assim uma contradição em relação ao
mundo real que a constitui. No entanto, Rubião engrandece essa linguagem por
meio de alguns atributos inseridos ao material narrado para que o leitor se
confunda em relação ao mundo natural e sobrenatural. Dessa forma, teremos na
linguagem muriliana o predomínio de alguns recursos retóricos: o paradoxo, a
hipérbole, a elipse e a metáfora. Esses recursos são levados ao extremo, enriquecendo
o elemento insólito, para que possam instituir o neofantástico nas narrativas de Rubião.
Assim,
esses processos retóricos não pretendem apenas quebrar a monotonia da intriga
linear, mas subvertem concretamente a noção de intriga e a lógica dos
acontecimentos narrativos.
2.1.
Paradoxo
O
paradoxo se define como uma proposição absurda, contraditória, pelo menos na
aparência, e que se opõe ao bom-senso. Além disso, o paradoxo é o procedimento
mais evidente na construção do neofantástico
de Rubião, pois a incoerência entre as ações, as personagens que fogem ao senso
comum, a subversão dos objetos, a contradição de ideias, a discordância entre
catálises e núcleos são mecanismos paradoxais próprios das narrativas neofantásticas de Rubião.
No
entanto, o paradoxo não se apoia apenas na ambiguidade, ou seja, sobre
objetividade e ilusão, sobre verdade e falsidade. Nesse nível, teríamos somente
uma simples justaposição de elementos contraditórios que se excluem
reciprocamente como, por exemplo, homem ou animal, vida ou morte e, assim o
paradoxo não se definiria no neofantástico
de Rubião.
Com o recurso do paradoxo, porém, temos uma
subversão total e radical da lógica do bom-senso: os elementos de ambiguidade
são, agora, associados pelo índice de igualdade, ou seja, dois ou vários
sentidos opostos são combinados em um só. Conforme observa Deleuze[59], o
paradoxo, ao afirmar dois ou mais sentidos contrários e exclusivos ao mesmo
tempo, rompe definitivamente com as características sistemáticas do bom-senso:
a ideia de que em todas as coisas há um sentido único, determinável; a ideia de
que o processo de determinação desse sentido obedece sempre a um movimento que
vai do notável para o ordinário, do particular para o geral; a ideia de que o
tempo flui inexoravelmente do passado para o futuro, o que torna sempre
possível a previsibilidade dos fatos; por fim, a ideia de que esses fatos se
distribuem num caráter fixo, sedentário.
Assim
sendo, o paradoxo não só destrói a coerência interna que o bom-senso convencionou
atribuir às coisas, mas também arruína a estabilidade orgânica comumente
esperada na economia do mundo. Sua potência consiste exatamente em mostrar que
o sentido toma sempre os dois sentidos ao mesmo tempo, as duas direções ao
mesmo tempo, de maneira que o paradoxo, como a paixão, descobre que não podemos
separar duas direções, que não podemos instaurar um senso comum.
No
conto “O Pirotécnico Zacarias”,
Murilo Rubião nos dá um exemplo desse recurso do paradoxo, quando deixa à
personagem a incumbência de narrar a própria morte: morto-vivo, o pirotécnico movimenta-se
em um plano em que estão destruídas as fronteiras entre a vida e a morte, o que
lhe permite não apenas de deslizar de um estado para outro, mas viver
simultaneamente esses dois estados. Por isso, rompe definitivamente com o
princípio lógico da não-contradição, ou seja, a ideia de que duas proposições
mutuamente contraditórias não podem ser verdadeiras e, portanto, nunca se pode
afirmar e negar simultaneamente a mesma coisa.
O
neofantástico de Rubião se delineia,
então, como a coincidência progressiva dos contrários, mesmo com sua
conciliação, sua identidade, o que permite ao pirotécnico Zacarias declarar:
“Em
verdade morri, o que vem de encontro à versão dos que crêem na minha morte. Por
outro lado, também não estou morto, pois faço tudo o que fazia e, devo dizer,
com mais agrado do que anteriormente”
(p. 26).
No
entanto, o fato insólito é aceito por algumas personagens, com muita facilidade
durante o incidente, ao mesmo tempo, que leva uma das personagens ao desmaio.
Explicitamos esse momento neste trecho:
“Jorginho empalideceu, soltou um grito surdo,
tombando desmaiado, enquanto os seus amigos, algo admirados por verem um
cadáver falar, se dispunham a ouvir-me” (p.
30).
Durante
o decorrer da narrativa, a situação absurda de Zacarias passa a assustar:
“A
única pessoa que poderia dar informações certas sobre o assunto sou eu. Porém,
estou impedido de fazê-lo porque os meus companheiros fogem de mim, tão logo me
avistam pela frente. Quando apanhados de surpresa, ficam estarrecidos e não
conseguem articular uma palavra”. (p. 25-26)
Assim,
esse conto é baseado no paradoxo inicial do personagem morto que mantém as
propriedades dos seres vivos e que se coloca como narrador. Essa narrativa, à
medida que instaura incoerências, destrói a possibilidade de qualquer
verossimilhança realista, estabelecendo a precariedade do próprio conto e
reforçando a lei da antiverossimilhança.
O
conto “A Cidade” também se constrói sobre um paradoxo em nível da frase.
Condenado por fazer perguntas, Cariba, a personagem principal, é alvo de
estranho reconhecimento:
“E
reconhece este homem como sendo o que a abraçou na rua?
-
Não me lembro do seu rosto, mas um e outro são a mesma pessoa. (...)
-
Sim, é ele.
Animados,
os outros também falaram, repetindo o que disseram antes: não reconheciam o
prisioneiro, mas deveria ser o mesmo individuo que lhes perguntara coisas tão
estranhas”. (p.61)
A
presença de duas afirmações contraditórias, quando deveriam estar em relação de
dependência, desencadeia o ambiente absurdo dessa narrativa. Assim, Cariba é
preso por acusações injustas e, em consequência de um reconhecimento
insuficiente e absurdo. Fecha-se, então, o circulo em torno do paradoxo que
gera o neofantástico de Rubião.
A
contradição entre catalises (informantes e índices) e os núcleos a que deveriam
ser correspondentes, gera paradoxos dentro das narrativas neofantásticas de
Rubião, quebrando qualquer expectativa e desviando a compreensão do texto para
direções cada vez mais arbitrárias. Enquanto o verossímil procura a coerência,
a concordância total entre as unidades do discurso, e todas as insignificâncias
do texto estão em função de um mesmo fim, procurando colaborar na criação de um
efeito harmonioso, como diz Barthes[60]: “o informante (...) serve para dar
autenticidade à realidade do referente, para enraizar a ficção no real: é um
operador realista”.
Ao
contrário disso, nas narrativas neofantásticas,
acumulam-se índices e informantes em contradição com os núcleos. Esse jogo com
informantes e núcleos está muito bem explícito por Murilo Rubião no conto “O Convidado”. José Alferes, a
personagem principal, recebe um convite com informações duvidosas, iniciando,
assim, um paradoxo que será identificado no decorrer do conto:
“Além
de não mencionar a data e o local da festa, omitia o nome das pessoas que a
promoviam”. (p.211)
Entretanto,
alferes se dirige à festa, sendo levado por um motorista de taxi. Após pequenas
contradições e omissões de dados sobre o suposto convite, instaura-se o
paradoxo fundamental da narrativa:
“-
Concordamos que o seu traje obedece às normas pré-estabelecidas e a
autenticidade do convite é incontestável. Aliás, foi o único expedito através
dos correios. Os demais convivas foram avisados pelo telefone. Apesar da
evidência, o instinto nos diz que o nosso homenageado ainda está por chegar.
Não podemos, todavia, impedir a entrada do senhor,mesmo sabendo de antemão os
transtornos que a sua presença acarretará, pois
muitos o confundirão com o verdadeiro convidado. À medida que isto
aconteça, nos apressaremos em esclarecer o equívoco”. (p,216)
Como
vemos, somente um convite foi expedido e o de José Alferes é autêntico, porém, ele
não é o verdadeiro convidado. Cria-se um jogo de contradições dentro dessa
narrativa, desdobrando-se em outros paradoxos correlacionados. Citamos como,
por exemplo, os participantes da reunião, conversando animadamente sobre a
criação e corrida de cavalos, rindo e bebendo, afirmam paradoxalmente que a
festa não iniciou:
“Tentava
desviar a conversa, falando do homem esperado, aquele que daria sentido à
recepção. Respondiam com evasivas: não o conheciam, ignoravam o seu aspecto
físico, os motivos da homenagem. Sabiam, entretanto, que sem ele a festa não
seria iniciada”. (p.218)
Nesse
trecho supracitado, observa-se ainda que o paradoxo é reforçado por elipses
narrativas: a ausência de informações no convite e a ausência / inexistência do
convidado. O paradoxo dessa narrativa é denunciado explicitamente:
“O
porteiro recebeu-o com a cordialidade cansativa dos que naquela noite tudo
fizeram para integrá-lo num mundo desprovido de sentido”. (p.221)
Um
recurso muito eficiente na criação de paradoxos e, consequentemente, do neofantástico de Rubião, é a ruptura
entre causa e efeito. Nesse caso, também, há uma contradição evidente entre
índices, informantes e núcleos. A arbitrariedade das narrativas neofantásticas ultrapassa os limites
desses três elementos da estrutura narrativa convencional, invadindo
completamente as normas de verossimilhança, na qual a causa determina os
efeitos lógicos, previsíveis e coerentes. É o que acontece no conto “Bárbara”, no qual há paradoxo em nível
conotativo: o narrador-personagem não mede esforços para satisfazer a esposa
com o propósito de distraí-la dos desejos extravagantes e despertar-lhe o amor,
porém nada consegue. Ele não desiste, entretanto, e continua infinitamente sua
tarefa de atender aos pedidos da mulher:
“Por
mais absurda que pareça, encontrava-me sempre disposto a lhe satisfazer os
caprichos. Em troca de tão constante dedicação, dela recebi frouxa ternura e
pedidos que renovam continuamente”. (p.33)
Assim,
o narrador-personagem reconhece a ingratidão de Bárbara, mas não deixa de
atender aos seus pedidos, com o intuito de conquistar seu carinho:
“Muito
tarde verifiquei a inutilidade dos meus esforços para modificar o comportamento
de Bárbara. Jamais compreenderia o meu amor e engordaria sempre.
Deixei
que agisse como bem entendesse e aguardei resignadamente novos pedidos. Seriam
os últimos. Já gastara uma fortuna com as excentricidades”. (p.37)
Outros
dois paradoxos, ainda, estão relacionados a essa narrativa neofantástica: o filho raquítico que nasce de uma barriga e o corpo
de Bárbara que teima em crescer apesar da falta de alimentos:
“Trazia
os olhos dirigidos para minha esposa, esperando que emagrecesse à falta de
alimentação.
Não
emagreceu. Pelo contrário, adquiriu mais algumas dezenas de quilos”. (p.38)
O
paradoxo gerado pela contradição entre causa e efeito também é encontrado no
conto “Aglaia”, associado à hipérbole
reiterativa. Aglaia utiliza inutilmente todos os tipos de anticoncepcionais:
pílulas, dispositivo intra-uterino, tabelas, preservativos, condons,
espermicidas e supositórios. Exemplificamos essa passagem nesse trecho:
“Não
obstante os filhos continuavam a vir.
Experimentavam
evitar os contatos sexuais. Nem com essa decisão Aglaia deixou de engravidar.
(...)
Na
desesperança deixaram-se esterilizar e o resultado os decepcionou. Em prazo
mais curto do que o normal nasceram trigêmeos”. (p.192)
Desencadeia-se,
dessa maneira, o neofantástico de
Rubião, utilizando um paradoxo inicial que se remete à esterilização,
provocando uma fertilidade descontrolada, por meio de uma hiperbólica
reiterativa. Essa ruptura entre a causa e o efeito é um dos procedimentos mais
eficazes na criação do mundo insólito nas narrativas neofantásticas de Murilo Rubião. A contradição entre catálises e
núcleos também gera o absurdo e o neofantástico
no conto “O Edifício”.
Nesse
conto, tudo nos leva acreditar que a catástrofe seria a suspensão da construção
do edifício previsto para o 800º pavimento. Ao contrário disso, o absurdo seria
a contaminação infinita do edifício. De modo que João Gaspar começa a
compreender a inutilidade de tão monstruoso edifício, reconhece sua própria
euforia sem sentido, o orgulho indevido e tenta, em vão, interromper a obra:
“Apesar
de ouvido sempre com atenção, não convencia ninguém. E teve que assumir uma
atitude de intransigência, demitindo todo o pessoal.
Os
operários se negaram a aceitar o ato de dispensa. Alegavam a irrevogabilidade
das determinações dos falecidos conselheiros. Por fim, disseram que iriam
trabalhar à noite e aos domingos, independentemente de qualquer pagamento
adicional. (...)
Além
de não apresentarem sinais de cansaço, para ajudá-los vieram das cidades
vizinhas centenas de trabalhadores que se dispunham a auxiliar gratuitamente os
colegas”. (p.166)
Apesar
dos pedidos e das súplicas de João Gaspar para que o edifício não se
concretizasse, os operários continuaram a trabalhar no edifício que se tornara
infinito. Esses acontecimentos finais demonstram grande incompatibilidade dos
esforços de João Gaspar com a lógica e o senso comum. Assim, surgem diversos
paradoxos correlacionados no que Sartre[61]
denomina de inversão dos meios pelos fins. O trabalho dos operários, que seria
meio para o termino da construção, torna-se fim em si mesmo, originando o neofantástico e a desconstrução da ordem
considerada normal no universo do leitor.
2.2.
Hipérbole
A
hipérbole se define como o exagero de que uma expressão se reveste quase sempre
no sentido de engrandecimento, embora o contrário também possa ocorrer, mas com
importância menos significativa. Assim, percebe-se de imediato uma nítida
tendência do processo hiperbólico para a instauração do neofantástico em diversos momentos nas narrativas de Murilo Rubião.
O exemplo preciso de processo hiperbólico é o que ocorre no conto “Bárbara”, no qual a sucessão de desejos
absurdos e incontroláveis configura um efeito reiterativo e acumulativo,
acentuando o crescimento corporal da personagem principal:
“Pediu
o oceano.
Não
fiz nenhuma objeção e embarquei no mesmo dia, iniciando longa viagem ao
litoral. Mas, frente ao mar, atemorizei-me com o seu tamanho. Tive receio de
que a minha esposa viesse a engordar em proporção ao pedido (...)”. (p.35)
A
hipérbole está também associada à repetição para intensificar seu efeito na
criação da personagem que vai se transformando através de inúmeras
metamorfoses, assim, provoca-se o efeito repetitivo que contamina toda a
narrativa neofantástica de Rubião.
Esse mecanismo está presente no conto “Teleco,
o coelhinho” em que o exagero da frequência da ação de metamorfosear-se
alcança o seu ponto máximo, ao mesmo tempo em que a ânsia de transformar-se em
ser humano encontra o bloqueio final na morte. A acumulação, a multiplicação e
a aceleração são matrizes hiperbólicas do conto “Aglaia”. Correlacionados a esses mecanismos encontra-se uma série
de contradições:
“Desencadeara
o processo e de súbito o nascimento dos filhos não obedecia ao período
convencional, a gestação encurtava-se velozmente. Nasciam com seis, três, dois
meses e ate vinte dias após a fecundação. Jamais vinham sozinhos, mas em
ninhadas de quatro e cinco. Do tamanho de uma cobaia, cresciam com rapidez,
logo atingindo o desenvolvimento dos meninos normais” (p. 193).
No
conto “O edifício”, o processo
hiperbólico do objeto/personagem gera o neofantástico
na narrativa de Rubião. O edificil inesgotável, a obra interminável, é o
suporte para o efeito hiperbólico que desencadeará em diversos níveis:
a)
Tempo hiperbólico:
“Mais
de cem anos foram necessários para se terminar as fundações do edifício que,
segundo o manifesto de incorporação, teria ilimitados números de andares”.
(p.159)
b)
Extensões gigantescas da obra:
“Inquietante
expectativa marcou a aproximação do 800º pavimento”. (p.161)
c)
Crescimento gigantesco de trabalhadores:
“Além
de não apresentarem sinais de cansaço, para ajudá-los vieram das cidades
vizinhas centenas de trabalhadores que se dispunham a auxiliar gratuitamente os
colegas”. (p.166)
No
conto “A fila”, encontramos o exemplo
de hipérbole, imbricada pela repetição em que a personagem principal, em suas
vãs tentativas de conseguir falar com o gerente do local, volta a ocupar um
lugar cada vez mais distante da fila, não conseguindo jamais atingir os fins
inicialmente propostos:
“(...)
as fichas que lhe eram fornecidas obedeciam a uma numeração cada vez mais alta
e a fila caminhava com exasperante lentidão”. (p.199)
“(...)
Escapava-se de uma fila e caía noutra”. (p.203)
“Peperico
examinou-a. a numeração era alta, a maior que já haviam dado”. (p.205)
Nesse
exemplo, a fila (o meio) transforma-se, assim, no próprio fim, pois a repetição
desse processo lhe implica inusitada dimensão semântica: uma verdadeira forma
do vazio.
No
conto “O bloqueio”, o recurso
hiperbólico parte de uma situação existencial materializada, ou seja, o
isolamento da personagem Gérion:
“Ninguém
sabia do seu endereço. Inscrevera-se na Companhia Telefônica e alugara o apartamento
com nome suposto”. (p.247)
Esse
enclausuramento, espontaneamente procurado pela personagem ao abandonar sua
família, é identificado de maneira brutal pela destruição do prédio por uma
máquina desconhecida, que tudo indica, destruiria também a personagem, levando
ao máximo o anonimato e à própria anulação de Gérion.
O
índice mais evidente deste isolamento iminente, sugerindo também uma junção
entre o existencial e o material, é a destruição do veículo concreto de
comunicação:
“Não
chegou a usá-los: uma corrente luminosa destruiu o fio telefônico. No ar pairou
durante segundos uma poeira colorida. Fechava-se o bloqueio”. (p.249)
A
necessidade de isolamento da personagem implicaria o seu proprio
desaparecimento:
“No
ir e vir da destruidora, as suas constantes fugas redobravam a curiosidade de
Gérion, que não suportava a espera, a temer que ela tardasse em aniquilá-lo ou
jamais o destruísse”. (p.251)
Além
do desaparecimento da personagem, temos a progressiva desmontagem do prédio em
que o movimento redutivo é bidirecional: de cima para baixo e vice-versa:
“Pela
tarde, a calma retomou ao edifício, encorajando Gérion a ir ao terraço para
averiguar a extensão dos estragos. Encontrou-se a céu aberto. Quatro pavimentos
haviam desaparecido, como se cortados meticulosamente, limadas as pontas dos
vergalhões, serradas as vigas, trituradas as lajes. Tudo reduzido a fino pó
amontoado nos cantos”. (p. 246).
E
mais tarde:
“Oito
andares abaixo, a escada terminou abruptamente. Um pé solto no espaço, retrocedeu
transido de medo, caindo para atrás” (p. 249).
No
conto “A armadilha”, temos a
hipérbole de situações que instaura o exagero presente em nível da frase que
vai se estendendo até o final da narrativa, criando-se, assim, uma narrativa
estranha:
“-
Então, como fez para adivinhar a data da minha chegada?
-
Nada adivinhei. Apenas esperava a sua vinda. Há dois anos, desta cadeira, na
mesma posição em que me encontro, aguardava-o de que você viria”. (p.155)
Nesse
exemplo, não há nenhuma explicação de como a personagem solucionou os problemas
de tão longa espera. Aqui, os índices e informantes são arremessados para
presumir ausência de vida humana no ambiente e, quando surge a personagem, o
impacto é muito grande, desencadeando o sentimento do insólito:
“Todas
as salas encontravam-se fechadas e delas não espaçava ruído que indicasse
presença humana.
(...)
Ia colocar a mala no chão, mas um terror súbito imobilizou-o: sentado diante de
uma mesa empoeirada, um homem de cabelos grisalhos, semblante sereno, apontava-lhe
um revólver”. (p.153-154)
No
final desse conto, constrói-se uma frase hiperbólica, reafirmando todo processo
na construção do absurdo narrativo:
“-
Aqui ficaremos: um ano, dez, cem ou mil anos” (p. 157).
O
recurso hiperbólico é o procedimento do neofantástico
no conto “O homem do boné cinzento”, pois
representa o mecanismo inverso do conto “Bárbara”.
Aqui, ao contrário da narrativa citada, o exagero do emagrecimento implica o
desaparecimento da personagem. Além disso, a influencia do fato sobre a
vizinhança também é exagerada até a contaminação e ao desaparecimento da
própria personagem:
“(...)
Artur ficou completamente transtornado:
-
Esse homem trouxe os quadrinhos, mas não tardará a desaparecer. (...)
O
tempo restante conservava-se invisível.
Arthur
passa o dia espreitando-o, animado por uma tola esperança de vê-lo surgir antes
da hora predeterminada”. (p.127)
Como
o efeito hiperbólico está intimamente associado ao processo repetitivo, podemos
mostrar a aceleração desse processo, quando atinge o seu ponto máximo,
implicando o total desaparecimento da personagem:
“-
Olha, Roderico, ele está mais magro do que ontem! (...)
-
Continua emagrecendo. (...)
-
Ele está ficando transparente. (...)
-
Olha! De tão magro, só tem perfil. Amanhã desaparecerá. (...)
Restou
a cabeça, coberta pelo boné. O cachimbo se apagava no chão”. (p.73-75)
Assim,
ao investigar a hipérbole narrativa, é quase impossível deixar de lado o
processo de reiteração. Como a narrativa pressupõe uma sequencia, o exagero é
distribuído na intriga de forma gradual, impondo que existia uma repetição de
situações equivalentes ou similares para que essa gradatividade seja possível e
evidente. A repetição em si representa uma ampliação, um reforço, um exagero de
consideração ao fato, pois ela nunca é inocente ou absolutamente idêntica à
aparição anterior do fato, ou seja, traz consigo o modo de ser de uma
repetição, o que a torna diferente.
O
comportamento das personagens também aponta para o processo hiperbólico na
narrativa de Rubião. É o que acontece no conto “Petúnia” em que as repetições se apresentam em diversos momentos:
o retrato desmancha-se continuamente, Éolo conserta o retrato todas às vezes, o
pai desenterra as filhas todas as noites, a flor arrancada do ventre da mulher
volta sempre a surgir:
“Não
dorme. Sabe que os seus dias serão consumidos em desenterrar as filhas, retocar
o quadro, arrancar as flores. Traz o rosto constantemente alagado pelo suor, o
corpo dolorido, os olhos vermelhos, queimando. O sono é quase invencível, mas
prossegue” (p. 186).
Portanto,
a hipérbole se confunde com os mecanismos de reiteração, repetição, retorno,
constituindo um recurso retórico fundamental na construção das narrativas neofantásticas em Murilo Rubião. Assim,
a hipérbole se revela em diversos níveis: personagens, características físicas
e psicológicas, tempo, espaço, objetos, ação, situações.
2.3.
Elipse
A
elipse se define como a omissão de termos ou expressões, que ficam
subentendidos, sem que, em princípio, a clareza fique prejudicada. Sendo assim,
a elipse é uma das formas de supressão de elementos que pode dominar as
narrativas neofantásticas de Rubião,
como, por exemplo, a ausência de informações suficientes, a ausência súbita de
personagens e mesmo o desaparecimento.
Desse
modo, exemplificamos o recurso da elipse, caracterizado pela ausência de
elementos no conto “Os três nomes de Godofredo”, em que a personagem principal
se vê numa situação repetitiva sem que encontre explicações, justificativas e
argumentos em sua recordação:
“Confesso
que tive curiosidade de saber se a nossa casa seria diferente da minha. Não me
recordava exatamente do seu aspecto e fiquei em dúvida se poderia localizá-la”.
(p.90)
Por
meio de um diálogo interior, pelo qual a personagem procura sua própria
identidade, percebe-se a total ausência de reconhecimento do passado:
“Preocupava-me
unicamente em descobrir como conseguiria adivinhar-lhe o nome, pois estava
certo de tê-lo pronunciado pela primeira vez naquele exato instante. (...)
Geralda,
em silencio, acompanhava sem estranheza as minhas sucessivas descobertas. (...)
Ao
levantar de novo a cabeça, ocorreu-me formular algumas perguntas, possivelmente
as mesmas que fizera à minha segunda mulher, naquela noite, no restaurante.
Desisti, preocupado em redescobrir uma cidade que se perdera na minha memória”.
(p.90-95)
Assim,
esse conto é construído em primeira pessoa fazendo com que a ignorância da
personagem principal quanto aos fatos anteriores seja também a ignorância do
leitor. A ausência de informações contribui, juntamente com a repetição de
situações, com a substituição de nomes para preparar o insólito na narrativa neofantástica de Rubião.
No
conto “O Ex-Mágico da Taberna Minhota”,
há uma elipse substancial, caracterizada pela personagem, a qual não tem
infância e que aparece repentinamente no mundo:
“Na
verdade, eu não estava preparado para o sofrimento. Todo homem, ao atingir
certa idade, pode perfeitamente enfrentar a avalanche do tédio e da amargura,
pois desde a meninice acostumou-se às vicissitudes, através de um processo lento
e gradativo de dissabores.
Tal
não aconteceu comigo. Fui atirado à vida sem país, infância ou juventude” (p.7)
Nesse
exemplo, não existe apenas uma elipse de informações, pois a omissão é
caracterizada na personagem principal que não possui uma parte da vida. Outro
processo elíptico encontra-se na narrativa “A
Armadilha”, na qual os dados omitidos são procedimentos básicos para apresentação
das personagens, que aparecem repentinamente com uma série de perguntas sem
respostas. Nessa narrativa, omitia-se o lugar de onde vinha Alexandre Saldanha
(personagem principal) e os motivos que o levaram a procurar aquele estranho
escritório. Assim, essa narrativa está constantemente sugerindo que esses dados
omitidos são importantes para desvendar o mistério do comportamento da
personagem principal.
No
exemplo abaixo, encontram-se outros dados elípticos nas atitudes de Alexandre
no ambiente estranho:
“Desprezou
o elevador e seguiu pela escada, apesar da volumosa mala que carregava e do
números a serem vencidos. (...)
Já
no décimo pavimento, meteu-se por um longo corredor, onde a poeira e detritos
emprestavam desagradável aspectos aos ladrilhos. Todas as salas encontravam-se
fechadas e delas não escapava qualquer ruído que indicasse presença humana.
Parou
diante do ultimo escritório e perdeu algum tempo lendo uma frase, escrita a
lápis, na parede”. (p.153)
Dentro
do circulo elíptico que envolve a personagem, temos a presença estranha do
velho, do qual não conhecemos a verdadeira identidade:
“Estava
muito seguro de si para dar importância ao barulho que antecedera a sua entrada
numa saleta escura, recendendo a mofo. (...)
Ia
colocar a mala no chão, mas um terror súbito imobilizou-o: sentado diante de
uma mesa empoeirada, um homem de cabelos grisalhos, semblante sereno,
apontava-lhe um revolver. Conservando a arma na direção do intruso, ordenou-lhe
que não se afastasse.
Também
a Alexandre não interessava fugir, porque jamais perderia a oportunidade
daquele encontro”. (153-154)
Nesse
exemplo, as omissões deixam divagar uma inquietação, provocando no leitor uma
sensação de estranhamento com as seguintes indagações: Quem é o homem de cabelos grisalhos que o espera sentado diante de uma mesa empoeirada?
Por que a presença do velho naquela sala provoca em Alexandre um terror súbito que o imobiliza? Que recordações o ligaria a esse velho homem misterioso,
solitário ocupante da sala empoeirada?
Nessas
interrogações, temos a insinuação de um possível relacionamento passado entre
os dois personagens, tendo como objetivo despertar no leitor uma curiosidade, a
qual não será desvendada. Algo misterioso parece unir ou separar esses dois
homens, o dado é apresentado com deliberada ambivalência, gerando uma duvida
que jamais será esclarecida. É evidente que não se trata de um dado omitido
casualmente, ou seja, existe premeditação nesse ocultamento com o objetivo de
fazer desabrochar no leitor emoções que, de certa forma, transmitem vida ao
relato.
A
única pista que promete ao leitor desvendar esse mistério, seria as alusões à
personagem Ema, que aparece na narrativa sob forma de pergunta a qual se
sucedem informações indefinidas:
“-
(...) quero saber o que aconteceu com Ema.
-
Nada – respondeu, procurando dar à voz um tom despreocupado”. (p.155)
As
informações podem parecer, sob a forma de referências cifradas com que se tecem
uma teia de suposições decifráveis, apenas, ao que parece, pelos dois
personagens:
“-
Abandonou-me – deixou escapar, constrangido pela vergonha. E numa tentativa
inútil de demonstrar um resto de altivez, acrescentou:
-
Disso você não sabia!
Um
leve clarão passou pelo olhar do homem idoso:
-
Calculava, porém desejava ter certeza”. (p.155)
Assim,
essa narrativa nos foi preparando para um acontecimento insólito, do qual
finalmente nos priva da situação que levou os dois homens a ficarem sozinhos no
prédio abandonado como prisioneiros do próprio ódio e, ainda, omitem-se os
laços estranhos que ligariam Ema a Alexandre e ao Velho.
Podemos
também considerar elíptico o desaparecimento da personagem do conto “Epidólia”. Aqui, além da ausência de
informações que atinge tanto o personagem quanto o leitor, encontramos a ausência
inesperada da própria personagem:
“Como
poderia ter escapado, se há poucos instantes a estreitava de encontro ao ombro?
Manfredo
se distraía por alguns segundos, observando um menino parado em frente às
jaulas das onças, quando percebeu que o braço, estendido sobre o encosto do
banco, perdera o contato com o corpo de Epidólia. Ainda conservava o calor dele
na mão encurvada, a prender o vazio”. (p.169)
No
conto “O Bloqueio”, a elipse é levada
às ultimas consequências, pois o próprio ambiente, no caso o prédio, vai sendo
destruído paulatinamente ate deixar de existir. Assim, a supressão de elementos
nessa narrativa é concreta, evidente e mesmo audaciosa.
Com
esses exemplos, podemos observar que a elipse é um dos recursos retóricos que
pode instituir o neofantástico em
Rubião. A ausência de informações suficientes quanto ás ações, personagens,
cenários ou mesmo ausência destes elementos ou de parte deles fazem com que a
linearidade da narrativa seja destruída a favor do estranhamento e do
desconforto. Assim, o leitor não consegue reconstruir com firmeza o
significado, porém, procura inutilmente completar as informações, pois tem
aversão à descontinuidade.
2.4.
Metáfora
Segundo
José Geraldo[62], a
metáfora é o emprego de uma palavra ou expressão em circunstancias que
impliquem sua transferência para um âmbito de significação que não lhe é
próprio, ou seja, é o deslocamento de um termo ou de uma expressão de sua área
de significado normal para outra, processo de que resulta a produção de um
efeito estético em que se faz presente o conceito de duas expressões
(denotação/conotação) que se interligam. Pode dizer que a metáfora estabelece
uma comparação implícita de dois elementos, entre os quais vigora uma relação
de analogia, circunstancia, aliás indispensável para que o desvio fique
plenamente caracterizado. José Geraldo[63]
afirma que a metáfora é “o tropo ou
desvio semântico por excelência, do qual os demais podem aproximar-se, ou
confundir-se com ele, o que suscita o critério de que – de maneira genérica e
não especifica – deve ser encarado este que é o mais expressivo elemento em que
se apoia a linguagem figurada”.
Outro
ponto que importa para Jose Geraldo[64] é
que, na literatura, há duas maneiras fundamentais de comparar: uma objetiva,
que é o símile, a comparação se faz claramente no nível da frase, enquanto que,
na metáfora, fica apenas sugerida, cabendo ao leitor o encargo de fazer o
registro, ou seja, captar a transposição de significado.
Muitas
vezes, nas narrativas de Murilo Rubião, encontram-se personagens que se
transformam e animais que dialogam ou possuem propriedades humanas, porém, tudo
isso se distancia das histórias de vampiros, lobisomens ou monstros presentes
na literatura fantástica do século XIX. Observa-se, em primeiro lugar, que não
existe medo, susto ou repulsa causados por esses seres, apenas um leve espanto.
Por outro lado, esses seres possuem características humanas e, principalmente,
circundam num mundo humano, diferentemente do universo das fabulas ou das
supertições populares. Considera-se, então que nas narrativas neofantásticas de Rubião, a metáfora é
uma intersecção de dois sistemas, um denotativo e outro conotativo. No
denotativo, faz-se uma leitura literal, sem questionamentos mais profundos,
aceitando a fábula como ela se apresenta, o que é empobrecedor e, até mesmo
ingênuo. No sistema conotativo, utiliza-se a fabula, o enredo, como
significante de um significado que está fora de ser um texto ideológico,
simbólico e, de certa forma, plural.
Assim,
a metáfora será o recurso da intersecção entre o significado denotativo,
explícito na narrativa, e o significado conotativo atribuído pelo leitor à
imagem estabelecida. Podemos dizer que esta função metafórica existe de maneira
generalizada em diversos textos literários, porém, na narrativa neofantástica ela é intensificada ao
extremo.
Ao
adquirir uma imagem narrativa, no caso uma metamorfose ou animal
antropomorfizado, a metáfora deve ser vista como uma entidade decomponível em
elementos menores que permitem a sua atualização parcial, conforme a exigência
do contexto narrativo ou extra-narrativo. Assim, o comportamento do leitor da
narrativa neofantástica se assemelha
ao do leitor de uma frase metafórica: ele procura reduzi-la, validá-la,
elaborando fragmentos de representação e equivalências de significados. A
redução metafórica se conclui quando o leitor descobre o terceiro termo,
virtual, e que constitui o eixo entre os dois termos (denotativo/conotativo)
inseridos no texto. A subjetividade intrínseca ao mecanismo não aniquila a
validade do processo como lembra Dubois[65] na
obra Retórica Geral (1974): “Cada leitor
pode ter sua representação pessoal: o essencial é que se estabeleça o
itinerário mais curto pelo qual dois objetos possam reunir-se: a diligência é
empreendida até o aniquilamento de todas as diferenças”.
Tomando
como exemplos desses mecanismos da metáfora apenas as narrativas neofantásticas, onde a metamorfose, a
mudança e a imagem estão bem evidentes, pode-se entender que esse processo
também ocorre em diversas narrativas murilianas, porém, de uma forma sutil ou
generalizada. Observa-se no conto “Os
dragões”, que logo de inicio a relação da personagem humana com a
personagem animal não se caracteriza pelo medo:
“Os
primeiros dragões que apareceram na cidade sofreram com o atraso dos nossos
costumes. Receberam precários ensinamentos e a sua formação moral ficou
irremediavelmente comprometida pelas absurdas discussões surgidas com a chegada
deles ao lugar.
Poucos
souberam compreende-los e a ignorância fez com que, antes de iniciada a sua
educação, nos perdêssemos em contraditórias suposições sobre o país e raça a
que poderiam pertencer”. (p.137)
Dessa
forma, os dragões são personagens antropomorfizados, por meio dos procedimentos
exclusivamente humanos: educação, formação moral, embriaguez, furtos, paixões e
namoros. Ao mesmo tempo em que esses seres apresentam as características
humanas, também possuem atitudes irracionais, como, por exemplo, lançam fogo
pela boca. Cria-se então, a impossibilidade lógica de aceitação imediata. No
entanto, essa narrativa não se coloca nem no maravilhoso, nem no espaço apenas
estranho. A incerteza definida por Todorov não existe, dando lugar a uma
exclusão simultânea de qualquer uma das duas interpretações.
Nessa
narrativa, a leitura metafórica caracterizada pela intersecção entre os dragões
e os seres humanos poderia resultar o aparecimento do terceiro elemento, o qual
seria a marginalidade e minoria dos dragões:
“Quando
subtraídos ao abandono em que se encontravam, me foram entregues para serem
educados (...). Na maioria, tinham contraído moléstias desconhecidas e, em
consequência, diversos vieram a falecer. Dois sobreviveram, infelizmente os
mais corrompidos. Melhor dotados em astucia que os irmãos, fugiam, à noite, do
casarão e iam se embriagar no botequim. O dono do bar se divertia vendo-os
bêbados, nada cobrava pela bebida que lhes oferecia (...). valia-me da amizade
com o delegado para retirá-los da cadeia, onde eram recolhidos por motivos
sempre repetidos: roubo, embriaguez, desordem”. (p.138-139)
Assim,
esse anunciado acentua a ideia de marginalidade e minoria dos dragões por meio
da redução metafórica, podendo dirigir a interpretação do leitor que, diante
das características exclusivamente humanas (educação, nomes próprios, furtar,
embriagar, entre outros), pode associar a ideia de minoria à de humanos,
resultando uma pluralidade de conotações dadas a esta imagem metafórica como,
por exemplo, a união dos dragões aos índios, outros aos negros, enfim, a todas
as minorias contemporâneas.
O
próprio fato de soltar fogo pela boca
pode adquirir conotações humanas e eróticas:
“O
fato, longe de torná-lo temido, fez crescer a simpatia que gozava entre as
moças e rapazes do lugar. Só que, agora, demorava-se pouco em casa. Vivia
rodeado por grupos alegres, a reclamarem que lançasse fogo. A admiração de uns,
os presentes e convites de outros, acendiam-lhe a vaidade”. (p.140-141)
No
conto “Alfredo”, encontra-se uma
situação semelhante. Neste caso, há uma ironia evidente contra a crença em
lobisomem. A zoomorfização desperta nas outras personagens reação muito
peculiar, diferente das narrativas sobrenaturais ou de terror:
“Pela
tarde, depois de estafante caminhada, encontrei o animal.
Nenhum
receio me veio ao defrontá-lo. Ao contrário, fiquei comovido, sentindo a
ternura que emanava dos seus olhos infantis. (...)
O
riso brincou frouxo dentro de mim e não aflorou aos lábios, que se retorceram
de pena”. (p.66)
Nessa
narrativa, também ocorre o mesmo processo de intersecção entre animais e
humanos, dando oportunidade a uma leitura metafórica:
“Parou
de gemer e fitou-me com indisfarçável curiosidade. Em seguida, sem tirar o
chapéu, murmurou:
-
Bebo água.
A
frase, pronunciada com dificuldade, numa voz cansada, cheia de tédio,
desvendou-me o sentido da mensagem. (...)
Depois
de beijar a sua face crespa, de ter abraçado o seu pescoço magro, enlacei-o com
uma corda. (...)
Deu-me
um empurrão e disse não consentir em hospedar em nossa casa semelhante animal.
-
Animal é a vó. Este é meu irmão Alfredo. Não admito que o insulte assim”.
(p.67)
Nesse
exemplo, Alfredo é uma personagem zoomorfizada com procedimentos exclusivamente
humanos: conversa, humilhação, nome próprio, curiosidade, raciocínio, cansaço e
tédio.
Assim,
o elemento que conduz a legitimização da metáfora está presente nessa narrativa,
constituindo o fator comum entre o sentido literal e a possibilidade
conotativa:
“Também
ele caminhara muito e inutilmente. Porém, na sua fuga, fora demasiado longe,
tentando isolar-se, escapar aos homens, ao passo que eu apenas buscara no vale
uma serenidade impossível de ser encontrada. (...)
E
transformou-se em dromedário, esperando, esperando que beber água o resto da
vida seria um oficio menos extenuante.
Perdera
mais uma jornada ao procurar nas montanhas refúgio contra as náuseas do
passado”. (p.68-69)
Essa
fuga, essa tentativa de isolamento em busca de paz, constitui o elemento que
faz com que Alfredo procure se diferenciar dos outros: a diferença é o
enclausuramento, ao mesmo tempo acentua o fato de que Alfredo está se
transformando em um dromedário.
No
conto “Teleco, o coelhinho”, o processo metafórico pode ser identificado,
considerando-se a imagem do animal que sofre metamorfoses consecutivas em busca
da identidade humana, como denotação de um sentido conotativo muito amplo.
Assim, pode-se encontrar a intersecção entre Teleco e as possibilidades de ocorrência
com o ser humano na mocidade: insolência, delicadeza, diálogo, ação de fumar,
olhos tristes, nome próprio, desejo de agradar, travessuras, malícia,
docilidade, hábitos e medo.
Essa ligação entre a personagem em
metamorfoses e o ser humano é constituído a partir da ânsia que Teleco
demonstra em definir-se como homem:
“- De hoje em diante serei apenas homem.
(...)
- Teleco?! Meu nome é Barbosa, Antônio
Barbosa, não é Tereza? (...)
Se afirmava ser tolice de Teleco querer nos
impor sua falsa condição humana, ela me respondia com uma convicção
desconcertante:
- Ele se chama Barbosa e é um homem. (...)
- Voltar a ser coelho? Nunca fui bicho. Nem
sei de quem você fala.
- É ou não é animal?
- Não, sou homem! – E soluçava, esperneando,
transido de medo pela fúria que via nos meus olhos”. (p.147-150)
A busca de identidade é característica mais
marcante da juventude humana. O indivíduo procura descobrir qual é realmente
sua personalidade (identidade autentica), por meio de um processo de transição
e transformação. E toda a angustia dessa auto-definição encontra-se de forma
figurada na personagem Teleco que evidência sua própria impotência em decidir
seu destino:
“Pelos cantos, a tremer, Teleco se lamuriava,
transformando-se seguidamente em animais os mais variados. (...)
Ao acordar, percebi que uma coisa se
transformara nos meus braços. No meu colo estava uma criança encardida, sem
dentes. Morta”. (p.151-152)
Quanto às atitudes das personagens diante da
metamorfose e a antropomorfização de Teleco, pode-se observar uma reação sem
medo e sem repugnância:
“Exasperou-se a insolência de quem assim me
tratava e virei-me, disposto a escorraçá-lo com um pontapé. Fui desarmado,
entretanto. Diante de mim estava um coelhinho cinzento, a me interpelar
delicadamente: (...)
O seu jeito polido de dizer as coisas
comoveu-me. Dei-lhe o cigarro e afastei-me para o lado, a fim de que melhor ele
visse o oceano”. (p.143-144)
Partindo dos exemplos analisados, podemos
concluir que o processo metafórico institui o neofantástico nas narrativas de
Rubião, as quais utilizam imagens de metamorfoses e seres antropomorfizados,
como também da transformação do espaço, do tempo e de imagens inverossímeis.
Portanto, o mecanismo da formação da metáfora na narrativa de Rubião, obedece
ao mesmo sistema da frase: existe a modificação do sentido primeiro por
alteração de alguns semas, sendo que esse sentido inicial permanece
parcialmente. Essa transformação ocorre conforme condições contextuais,
extrínsecas ou sugeridas pela consciência retórica do leitor que entra no jogo.
CONCLUSÃO
Nesta
monografia, verificamos que o neofantástico
de Murilo Rubião, em concepção contemporânea, apresenta uma estrutura peculiar
que o diferencia das outras narrativas dos escritores fantásticos
contemporâneos.
O
neofantástico de Rubião implica no
desprendimento de uma realidade imediata como uma fantasia que incorpora o estranho
não só no universo ficcional, mas também no universo do leitor que se torna o objeto fantástico. Então, o leitor é
participante desse mundo neofantástico,
mas precisamente, tem a impressão de estar dentro desse mundo criado e, ao
mesmo tempo, se vê de fora dele numa situação de quem sonha acordado. No
entanto, o leitor não se espanta, pois esse mundo neofantástico o direciona para a familiaridade com o estranho,
fazendo do mundo de fora uma extensão do de dentro e sugerindo uma ligação
efetiva entre o natural e o sobrenatural.
Nas
narrativas neofantásticas de Rubião,
percebemos que o narrador-personagem se identifica com as normas de seu
universo, como um ser que se refere às leis de organização a que pertence, sem
ter participado de sua elaboração e sem acesso aos fins a que se destina,
assim, o narrador-personagem se apresenta como um homem direito, o qual é conduzido para um mundo às avessas. Aqui, parece que a nossa realidade é que se
manifesta contraditória e absurda com esse mundo
às avessas, onde tudo é fim e meio ao mesmo tempo, onde se desfazem as
fronteiras entre matéria e espírito, onde as condutas mais absurdas se
configuram como normais.
Para
explicitar essa situação no plano da linguagem, o neofantástico de Rubião destrói a lógica da normalidade para
tornar-se uma rebelião dos meios contra os fins. Então poderíamos dizer que
essa rebelião dos meios contra os fins, ocorre quando o espírito não pode
cumprir uma finalidade à matéria, na verdade, os fins não são mais do que outros
meios para outros fins e, assim, indefinidamente. O espírito se torna matéria,
e a matéria, perdendo a sua determinação, torna-se espírito.
O
princípio e o fim se anulam diante dos meios absurdamente multiplicados. A
multiplicação sem fim é uma idéia dissolvente com seu horror do infinito.
Murilo Rubião amaldiçoa essa multiplicação infinita na experiência objetiva de
suas narrativas neofantásticas. Essas
indicam para o rodopio interminável e parecem descartar toda transcendência,
diferentemente do exemplo de Kafka, onde ela está presente, sem que possa
alcançá-la. Nas narrativas neofantásticas
de Rubião, a pluralidade de nomes e de seres instáveis carrega consigo, todo o
tempo, a incerteza quanto à identidade do ser, questão profunda de angústia e
perplexidade.
Por
assim dizer, o neofantástico de
Rubião se materializa na linguagem de rebelião e de busca, desempenhando a
função de desconstrução do real e do mundo e, com isso, transforma-se em
instrumento de dupla problematização e indagação: desautomatiza a linguagem,
desautomatizando a percepção de mundo. Assim, Rubião atinge o leitor através do
efeito de estranhamento, oferecendo-lhe abertura para outros mundos,
revelando-lhe outra realidade que ultrapassa os limites de sua percepção
visível, numa inusitada forma de invenção reveladora.
Como
obra contemporânea, o neofantástico
de Rubião não possui um desfecho, pois ele sempre esteve aberto para possíveis
transformações. Por isso, Murilo Rubião foi considerado inventor de mundo à
parte, pois ele tinha o habito de reescrever incessantemente seus textos, mesmo
depois de publicados, sendo que mudava parágrafos e nome de personagens,
alterava títulos e até mesmo o desfecho dos seus contos, sempre buscando a
perfeição inovadora na sua linguagem.
Neste
sentido, as várias interpretações possíveis da obra neofantástica de Rubião só em parte esgotam suas virtualidades,
suas potencialidades. De fato, sua obra permanece inesgotada e aberta, enquanto
ambígua, pois a um mundo ordenado segundo leis universalmente reconhecidas
substitui-se um mundo sobre a ambiguidade, quer no sentido negativo de uma
carência de centros de orientação, quer no sentido positivo de uma contínua
revisibilidade dos valores e das certezas.
Assim,
cadaleitor, com a sua história, com a sua linguagem, com a sua liberdade, pode
arriscar um lance, oferecendo uma solução definitiva à obra neofantástica de Murilo Rubião. Mas,
como cada leitor é irrepetível, as propostas são as mais variadas, os lances
são infinitos, a resposta do mundo ao escritor nunca para de renovar-se.
Afirmando, negando, completando, substituindo, os vários sentidos vão passando
pela obra contemporânea que, apesar de ser uma linguagem inovadora, a obra de
Rubião permanece contudo aberta em eterna pergunta.
Portanto,
no neofantástico de Rubião, não
devemos esquecer a questão da linguagem, na qual o autor realiza um trabalho
muito importante. Utiliza-se de alguns recursos retóricos como: metáforas,
paradoxos, hipérboles e elipses que funcionam como figuras-chave, as quais
servirão como procedimentos estéticos que instituirão o neofantástico nas narrativas de Rubião. Dessa forma, Murilo Rubião
enriqueceu sua linguagem neofantástica,
por meio desses procedimentos estéticos inseridos no material a ser narrado,
para que nós leitores, acreditássemos nos fatos narrados.
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[1] MAGALHÃES JR, R.. “A arte do conto”, p.82.
[2] SARTRE, Jean-Paul. “Aminadab, ou Fantástico Considerado como
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[3] VAX, Louis. A arte e a literatura fantásticas. Trad.
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[4] Ibid, p. 146-149.
[5] CAILLOIS, Roger. Del cuento de hadas a la ciência-ficción.
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Edhasa, 1970.
[6] TODOROV, Tzvetan. Introdução
à literatura fantástica. São Paulo: Perspectiva, 1975.
[7] Ibid, p. 31.
[8] SCHWARTZ, Jorge. Murilo
Rubião: A poética de Uroburo, p. 54.
[9]
TODOROV, Tzvetan, Op. Cit., p. 31.
[10] SCHWARTZ, Op. Cit., p. 54.
[11] H. P. Lovecraft, citado por Tzvetan Todorov, op. Cit, p.40.
[12] Tzvetan Todorov, Op. Cit., p.31.
[13] RAMOS, Maria Luiza. Do
Fantasma ao Fantástico. In: Suplemento Literário de Minas, nº 926,, 30/06/84,
p. 2-3.
[14] Ibid, p.3.
[15] Todorov usará neste ponto os
conceitos de três autores do século XIX: Vladimir Soloviov, Montague Rhodes
James e Olga Reimann, p.31-32.
[16] As definições usadas por
Todorov em comparação com a sua são essas: 1) Castex: “O fantástico se
caracteriza... por uma intromissão brutal do mistério no quadro da vida real”;
2) Louis Vax: “A narrativa fantástica... gosta de nos apresentar, habitando o
mundo real em que nos achamos, homens como nós, colocados subitamente em
presença do inexplicável”; 3) Roger Caillois: “Todo o fantástico é ruptura da
ordem estabelecida, irrupção do inadmissível no seio da inalterável legalidade
cotidiana”. Ibid, p.32.
[17] Ibid, p. 36.
[18] Ibid, p. 38.
[19] Ibid, p.39.
[20] Todorov (1975) diz que o
fantástico “antes parece se localizar no
limite de dois gêneros... do que ser um gênero autônomo e apesar desse efeito
ter uma duração limitada, pode-se considerá-lo como um gênero sempre
evanescente, como a definição clássica de presente, que tem como ‘um puro
limite entre o passado e o futuro’”. Ibid, p.49.
[21] ALAZRAKI, Jaime. En Busca del Unicornio: Los cuentos de
Julio Cortázar. Madrid: Editorial Gredos, 1983.
[22] Os autores citados por Jaime
Alazraki são: Louis Vax (Arte y literatura fasntasticas); Roger Caillois
(imágenes, Imágenes...); Peter Penzoldt (The Supernatural in Fiction); H. P.
Lovecraft (Supernatural Horror in Literature); Tzvtan todorov (Introduction à
la littérature fantastique). Ibid, p. 17-26.
[23] Ibid, p.21.
[24] Alazraki prpoe a definição de neofantástico devido a insatisfação de Julio Cortázar sobre a
denominação de seus contos – “llamado
fantastico por falta de mejor nombre” e por ver que a nova literatura
supera a definição tradicional. Ibid, p.27.
[25] Ibib, p.28.
[26] Ibid, p.29.
[27] Alazraki denomina o neofantástico à condição de obra aberta, quando Eco explica que
essa obra “busca uma arte que dê ao
espectador a persuasão de um universo, no qual ele não seja súcubo (que se põe
por baixo), mas, sim responsável, porque nenhuma ordem adquirida pode garantir
a solução definitiva. Ele deve proceder com soluções hipotéticas e que possam
ser revistas, com uma continua negação ao que foi adquirido e em uma
instituição de novas proposições”. Ibid, p.30.
[28]
Ibid, p.33.
[29]
Ibid, p.33.
[30]
Ibid, p.35.
[31]
Ibid, p.35.
[32] Ibid, p.38.
[33] Aristóteles, citado por
Jaime Alazraki, cf. op. Cit., p. 42.
[35]
Ibid, p.42.
[36]
Ibid, p.44.
[37]
Ibid, p.44.
[38]
Jean-Paul Sartre, op. Cit., p.129.
[39]
Jaime Alazraki, op. Cit, p.38.
[41] Moraes, Marcos Antonio. Mário e o Pirotécnico Aprendiz. Cartas
de Mário de Andrade e Murilo Rubião, p.55.
[42]
ARRIGUCCI JR, Davi. Minas, Assombros e
Anedotas, p. 141.
[43]
Os críticos como Álvaro Lins, Fábio Lucas, Jorge Schwartz e Davi Arrigucci
Júnior já tinham percebido essa proximidade de Murilo com Kafka pela primeira
vez em 1947, mas Rubião diria que só conheceu a obra do escritor tcheco em
1943, quando já havia escrito seus três primeiros livros, dentre eles, o
primeiro a ser publicado, Ex-Mágico. Artigo: “A trajetória fantástica de Murilo Rubião” de Vera Lúcia Andrade,
in Suplemento Literário do Minas, Belo horizonte, Dezembro/1996, p.6.
[44]
Andrade, Vera Lúcia. “A trajetória
fantástica de Murilo Rubião”, in Suplemento Literário do Minas, Belo
horizonte, Dezembro/1996, p.6-7.
[45] Ibid, p.6.
[46] Jorge Schwartz, op. cit., p.88.
[47] Schwartz diz que “à medida que os traços distintivos do herói
da narrativa epigráfica se identificam com os das personagens dos contos,
podemos caracterizar, do ponto de vista estrutural, uma arquipersonagem
englobadora de todas as ações e atributos dos protagonistas”. Cf. Jorge
Schwartz, op. cit., p.25.
[48] Moraes, Marcos Antonio (Org).
Op. Cit., p.39, carta de Murilo Rubião a Mário de Andrade datada de 23 de Julho
de 1943, quatro anos antes da publicação do seu primeiro livro O
Ex-mágico.
[49]
Ibid, p. 76.
[52] Ibid, p.146.
[53] Jaime Alazraki, op. Cit. P.38.
[55] Rubião, Murilo. Contos Reunidos, p.114.
[56] Jean-Paul Sartre,
op. Cit., p. 129.
[57] Davi Arrigucci Júnior, op. Cit., p.150.
[59] Deleuze, Gilles. Lógica do Sentido. São Paulo: Editora
Perspectiva, 1974, p.79.
[60] Barthes Roland. Introdução à Análise Estrutural da Narrativa.
In: Barthes e outros. Análise Estrutural da Narrativa, 3ª edição. Petrópolis,
Vozes, 1971, p.34-35.
[61] Jean-Paul Sartre, op. Cit.,
p.129.
[62] Mello, José Geraldo Pires. Figuras de estilo. São Paulo: Rideel,
Brasília: UniCEUB, 2001, p. 90.
[63] Ibid, p.90.
[64] Ibid, p.91.
[65] Dubois, J. e outro. Retórica Geral. Trad. Carlos Felipe
Moisés e outros. São Paulo, Cultrix/EDUSP, 1974, p.152.
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