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sexta-feira, 3 de julho de 2015

ALGUMAS REFLEXÕES SOCIOLÓGICAS sobre “URBANIZAÇÃO” e “FAVELIZAÇÃO”

ALGUMAS REFLEXÕES SOCIOLÓGICAS SOBRE
 “URBANIZAÇÃO” E “FAVELIZAÇÃO”

Ney Jansen Ferreira Neto



Resenha do livro Mike Davis, Planeta Favela (2006). Boitempo Editorial. São Paulo[1]



O que são favelas?
As primeiras definições de favela (em inglês, slums) vem do século XIX e eram sinônimas de estelionato ou de comércio criminoso. As “favelas clássicas” eram caracterizadas no século XIX como uma mistura de habitações dilapidadas, excesso de população, doença, pobreza e vício. Para a literatura liberal do século XIX, a dimensão moral era decisiva e a favela era vista acima de tudo como um lugar onde um “resíduo” social, incorrigível e feroz apodrecia em um esplendor “imoral” e quase sempre turbulento.
A ONU –no documento The Challenge of Slums- conservou a definição “técnica” da favela caracterizada por excesso de população, habitações pobres ou informais, acesso inadequado a água potável e condições sanitárias e insegurança da posse da moradia. Essa “definição operacional” segundo o pesquisador Mike Davis, é superficial, restrita às características físicas e legais do assentamento e evita as dimensões sociais.
O grande marco de interpretações que podemos chamar de “tecnicistas” nos estudos sobre o problema demográfico foram as teorias do reverendo Thomas Malthus (1766-1834). Malthus desenvolve sua “teoria da população” confrontado com as transformações advindas da revolução industrial. Segundo Malthus a pobreza não era explicada por condições de exploração mas pelo fato da população aumentar mais depressa do que a capacidade de subsistência. As interpretações neo-malthusianas que culpabilizam o crescimento demográfico excessivo como potencializador da pobreza estiveram presentes na teoria e prática governamentais ao longo do século XX e permanecem no século XXI.
De acordo com Mike Davis há no mundo uma grande explosão demográfica: “em 1950 havia 86 cidades do mundo com mais de 1 milhão de habitantes, em 2006 são 400, em 2015 serão 550”; “as cidades absorveram dois terços da explosão populacional desde 1950”; “a força de trabalho no mundo dobrou desde 1980 e a população urbana atual é de 3,2 bilhões de pessoas”, “nos próximos anos a população urbana mundial vai superar pela primeira vez a rural”. Porém, o mais importante não é a mera verificação empírica da explosão demográfica (como fez Malthus) e sim compreender o significado das principais transformações sociais que estão na base dessa explosão demográfica.
A estagnação do emprego, o aumento da precarização e do trabalho informal, a desindustrialização (fechamento de fábricas), a queda na produtividade agrícola, verificado em alguns países do chamado “terceiro mundo” são os principais fatores apontados pelo pesquisador. A “modernização do campo” tem sido outro fator de crise. Com a entrada das grandes multinacionais da agroindústria em vários países, que por sinal controlam boa parte da propriedade da terra (o velho latifúndio) os pequenos produtores e camponeses pobres não terem condição de competir no mercado. As conseqüências da “modernização do campo” são a desruralização, a descampenização. Os agricultores pobres ficam vulneráveis a seca, inflação, juros altos, especulação com o preço dos alimentos, ou à doenças, gerando o êxodo da mão de obra rural para as favelas urbanas.

A segregação espacial e social
Segundo Mike Davis a segregação espacial e social no chamado “primeiro mundo” possui dois modelos. No modelo das cidades nos Estados Unidos, a população mais pobre mora em “forma de anel”, com os pobres concentrados no centro. Na Europa, o modelo são as “cidades-pires” com a população de imigrantes e desempregados em prédios na orla externa da cidade. “Os pobres nos EUA moram em mercúrio, os europeus em netuno ou plutão. Mas os do ‘terceiro mundo’ ocupam várias órbitas urbanas”, diz Davis. A segregação espacial e social em diversos países e cidades, nos cinco continentes, leva à busca por “segurança” e “isolamento social” por parte da elite e da classe média, sendo “obsessiva e universal” (DAVIES, p. 121). Além disso, a pobreza e a ocupação urbana derivada dela ampliam os riscos geológicos e climáticos locais.
Na América Latina com a política “desenvolvimentista” por volta dos anos 1940, provocou-se a migração rural-urbana, agravada pela concentração fundiária. Em outras regiões do mundo o estímulo a migração rural-urbana deveu-se à diversos fatores: à demanda por mão de obra barata nas cidades, às guerras civis na África, a demanda por trabalho nos campos de petróleo no caso do Oriente Médio, a “modernização da agricultura” e o crescimento da indústria. Mas o Estado na maioria dos países do “terceiro mundo” não se dispôs a construir moradias.
O abandono da ideia de um Estado que combata os interesses do capital privado levou muitos governos a “abdicarem de qualquer iniciativa séria para combater as favelas e remediar a marginalidade urbana”. (DAVIES, p. 70). A segregação social e especial dita por Mike Davis também pode ser verificada em reportagem publicada na Folha de S. Paulo em 07/10/09. Ao citar o relatório “Planejando Cidades Sustentáveis” da ONU verificou-se neste relatório que 200 mil pessoas deixam o campo e vão para a cidade a cada dia no mundo. A referida reportagem ouviu Raquel Rolnik, professora da FAU (Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP) e a época membro da ONU que disse:

“O planejamento urbano não leva em conta a população mais pobre. Todas as áreas planejadas são voltadas para o mercado imobiliário e para a classe média". A professora Rolnik destacou ainda à Folha sobre o recente programa brasileiro “Minha Casa, Minha Vida” que tinha como meta construir 1milhão de casas, com um investimento de R$ 34 bilhões: "Esse programa tem o grande risco de criar guetos nas áreas mais pobres das cidades. Vão criar casas de pobres na ‘não cidade’, onde não há infraestrutura. Existem ferramentas para evitar isso, mas o governo resiste a usá-las", diz Rolnik”.   

Servindo de mais um elemento de reflexão, o censo 2010 do IBGE revelou existir no Brasil 6,07 milhões de domicílios vagos, constatando que para se assentar a população carente de moradia o governo precisaria dispor de 5,8 milhões de moradias. Ou seja, a quantidade de imóveis vazios no Brasil supera em cerca de 200 mil a quantidade de imóveis que o governo precisaria construir. Em São Paulo, o número de moradias corresponde a 1,112 milhão, sendo que o número de sem tetos beira a 1,127 milhão. Tais dados evidenciam as contradições das atuais políticas de desenvolvimento urbano e o abandono de alguns instrumentos jurídicos que existem, tais como previsto em nossa Constituição, como a função social da propriedade, para se começar a resolver o problema.
Até que ponto esse “proletariado informal” essa população marginalizada, pode empreender uma “ação histórica” e se levantar contra as condições de pobreza e desigualdade? Sem ser pessimista ou otimista Mike Davis destaca as várias reações a essa situação de pobreza e marginalização em várias cidades do mundo (p. 201):

(...) até dentro de uma só cidade, uma população favelada pode apresentar uma variedade enlouquecedora de reações à privação e à negligência estruturais, que vão das Igrejas Carismáticas e cultos proféticos, às milícias étnicas, a gangues de rua, ONG’s neoliberais e movimentos sociais revolucionários. Com efeito, o futuro da solidariedade urbana depende da recusa combativa dos novos pobres urbanos a aceitar sua marginalidade terminal dentro do capitalismo global.

[1] O estadunidense Mike Davis, professor do departamento de História Social da Universidade da Califórnia, é uma das principais vozes no estudo na área do urbanismo. Mike Davis é autor de conhecidos livros como Ecologia do medo (2000), Holocaustos coloniais (2001), Cidade de quartzo: escavando o futuro em Los Angeles (1990, 2006), Planeta Favela (2006), Entre Cidades Mortas (2003), Em Louvor dos Bárbaros: ensaios contra o império (2007) entre outros. O autor parte do estudo sobre a generalização das favelas, tema do The Challenge of Slums –O Desafio das Favelas- publicado em 2003 pelo programa de assentamentos urbanos da ONU –UN-Habitat-. The Challenge of Slums baseou-se em estudo sobre condições de vida nas favelas e da política habitacional de 34 metrópoles coordenado pelo UN-Habitat e pela University College London. Depois baseou-se num estudo comparativo de 237 cidades do mundo criado pelo programa de indicadores urbanos do UN-Habitat para a Cúpula das Cidades “Istambul +5” de 2001.

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