Revista Eletrônica de Ciências | ||
São Carlos,
quinta-feira, 31 de maio de 2012.
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Número 23, Janeiro de 2004 | Artigo |
São Paulo Hoje
http://cdcc.sc.usp.br/ciencia/artigos/art_23/sampahoje.html
Henrique Ferraz
Estudante de Arquitetura e Urbanismo da EESC-USP - Escola de Engenharia de São Carlos da Universidade de São Paulo
e-mail: henriqueferraz_arqurb@yahoo.com.br
Estudante de Arquitetura e Urbanismo da EESC-USP - Escola de Engenharia de São Carlos da Universidade de São Paulo
e-mail: henriqueferraz_arqurb@yahoo.com.br
Nosso ex-presidente, Fernando Henrique
Cardoso, em ocasião do
"Seminário Internacional Centro XXI", disse que “não
há mais como nos confortarmos com a cidade no sentido
clássico; temos megalópoles, cidades mundiais, o que
é um fenômeno bastante complicado. São Paulo
será, talvez, no Brasil, a principal candidata à
categoria de cidade mundial”.
Ao iniciar o artigo sobre a
metrópole paulistana devemos levar em conta as realidades
brasileiras no contexto global,
e desta maneira vem à tona inúmeras questões:
São Paulo
hoje é realmente uma cidade global? Para todos seus moradores?
Qual trecho de
São Paulo segue um padrão mundial – isto é,
quantas São Paulo existem (ou co-existem)? Afinal, o que
é uma cidade global: ou melhor, em que difere uma cidade global
das tradicionais cidades?
O
Conceito de Cidade Global
De acordo com a arquiteta e urbanista
Raquel Rolnik, a cidade,
em sua forma tradicional, é uma organização
eminentemente
política e social, onde cidadãos são vinculados
à esfera pública por meio de direitos e deveres. As
antigas fronteiras citadinas (bem definidas) delimitam seu
território físico, o qual é considerado como forte
pólo
de atração populacional, desde a revolução
industrial. Neste espaço urbano, um local é fundamental
como essência da cidade: o centro, palco dos conflitos e
atuações de todos os grupos representados na cidade.
Porém, enquanto
construção coletiva, a cidade se
modifica na mesma medida que a sociedade que a compõe. Durante o
último século, as atividades econômicas de maior
expressão mudaram e, com elas, mudou a cidade. De grandes
indústrias, as novas ações do capital se encontram
no setor terciário (comércio e serviços
prestados). Não existem mais os antigos conceitos de limite,
já que a cidade deixou de ser regida pela política para
ser de domínio econômico – também modificado, pois
o capital dos novos tempos não é mais tão fixo (ou
nacionalizado), mas flutua, na forma de capital especulativo,
atrás de terrenos mais atrativos (graças aos
avanços da informatização). Assim, suas fronteiras
“fagocitam” outras cidades limítrofes, num ritmo cada vez mais
acelerado – processo conhecido como conurbação, ou
formação de metrópoles. Também
resignificado, o indivíduo deixou seu papel coletivo e
político de cidadão, ao ser abstraído de seus
direitos, e diminuído, agora, com o principal dever de pagar
suas taxas – transforma-se então em contribuinte. O papel
político, na cidade de hoje, se concentra nas mãos de um
poder público, cada vez mais distante do coletivo e reduzido
através da lógica neoliberal de Estado mínimo: aos
poucos, este papel se transfere às iniciativas privadas por meio
de ingerências, parcerias onde o financiamento do projeto
público passa pelas mãos de altos executivos. Mais que
meras mudanças, a cidade contemporânea, tida como imagem
publicitária, uma cidade-mercadoria, em essência, a
cidade-consumo, em busca de investimentos através do marketing,
numa bolha de imagens e simulacro, reflete a
espacialização destas modificações, tempos
sobrepostos no espaço.
As cidades globais atuam como centros
decisórios,
conectando, através das novas tecnologias, alguns poucos trechos
do mundo pela alta densidade de fluxos de informações e
do capital financeiro (quer dizer, o capital flutuante que se
enraíza em pequenas “ilhas de sofisticação”), e,
através da mídia de massa, define a opinião
pública e interfere nas mais variadas áreas, de forma
bastante eficaz – ao menos, eficaz de acordo com o seu interesse.
Aliás, a mídia de massa, associada à
indústria cultural, atua na deformação de
realidades, construindo um simulacro por colagens fragmentárias
do real, sem referência temporal (causalidades,
conseqüências e processos históricos) ou espacial (a
anulação do entorno imediato por um ambiente
virtualizado). É nessa troca, do real pela ficção,
que se dita uma arte não democratizada, de consumo
rápido e puro modismo publicitário. A troca da cultura
(direito universal de cidadania) pela indústria cultural (de
caráter repetitivo, evento de consumo, consagração
de fórmulas já consagradas, e,
por fim, insensível à realidade) é
problemática, o que pode ser lido em quatro momentos essenciais:
- Ao selecionar a arte pelo valor de mercado, cria uma elite cultural, em contraponto à uma massa, inerte e sem identidade – construindo assim a divisão social na arte;
- A ilusão de uma cultura de acesso amplo, irrestrito e
universal é gerada pela mídia, que, ao contrário
do que promete, pré-seleciona os seus alvos através da
programação por horário e público;
- Reforça o senso comum medíocre, passado como novidade, mas que repete uma fórmula já consagrada, sem excitar qualquer raciocínio mais complexo dos espectadores;
- Finalmente, a cultura é
tratada como entretenimento,
lazer de consumo rápido e fácil fruição, o
que banaliza e vulgariza o exercício do raciocínio
intelectual.
A
atual forma econômica modifica os espaços urbanos,
desconcentrando as metrópoles, ancorando as grandes
corporações multinacionais, adulterando a si mesma e
incorporando o aumento da informatização. Como
conseqüência, amplia mais ainda a acumulação
capital, a exclusão social e o desemprego, já que as
novas tecnologias não são de fácil acesso ou
domínio popular, assim como, tanto o setor terciário
emprega menos pessoas que a indústria, quanto a atual
indústria também tem menos funcionários que sua
versão mais antiga. Desta forma, uma nova
configuração espacial vai transformando as cidades
contemporâneas, ampliando tanto a favelização das
periferias sem limites (regiões cada vez mais desequipadas de
investimentos públicos, distantes do centro e das áreas
de maior oferta de empregos), como também se ampliam os
condomínios e shoppings
centers, afastados da região
central (numa medida altamente defensiva da classe economicamente alta,
como que se esta se enclausurasse em bunkers
de altíssima
segurança e controle).
São Paulo é uma Cidade Global?
Cenas comuns em São Paulo: edifícios altamente tecnológicos, exclusão social e poluição visual.
“A
variante paulistana da americanidade é essa capacidade de
ser duplo, triplo, quádruplo, cristão e pagão,
engenheiro de informática e filho de Xangô,
pragmático e sonhador, disponível para o transe e para as
vagabundagens mais loucas da imaginação e dominando
perfeitamente a realidade. A metrópole brasileira consegue
conciliar essas contradições sem
dissociação esquizofrênica.
Em
São Paulo, a gente se sente no Ocidente. Matéria
plástica, vidro, concreto, arranha-céus, shopping
centers, que destronam, há muito, os supermercados, mas
também as antigas livrarias onde se pode adquirir livros do
século XVIII (...). Nessa megalópole, que tem algo de
Manhattan dos trópicos e que exporta hoje seus produtos
industrializados para o Terceiro Mundo, os modelos culturais continuam
a vir de fora – da Europa e dos Estados Unidos – e logo se transformam
em modismos, são suplantados rapidamente por outros e assim
sucessivamente.
(...)
São Paulo tornou-se uma das cidades mais cosmopolitas
do mundo: italo-franco-lusitano-nipo-germânico-saxâ. Mas
não nos enganemos, não é a Europa ou a
América do Norte com alguns detalhes exóticos. Tomar
São Paulo por pedaço da Europa ou uma réplica de
Nova Iorque é nada compreender de Mário de Andrade ou
Tarsila do Amaral. Por toda parte, a civilização
mistura-se ao primitivismo indígena e aquilo que deixaram os
herdeiros dos escravos africanos, cujos atabaques ressoam desde as oito
horas da noite, em milhares de terreiros. (...)
(...)
A redução de São Paulo à sua
ocidentalidade é uma ilusão.”
François
Laplantine
AGLOMERADOS URBANOS (1) | PAÍSES | POPULAÇÃO (EM MILHÕES) |
Tóquio | Japão | 26,4 |
Cidade do México | México | 18,1 |
Bombaim | Índia | 18,1 |
São Paulo (2) | Brasil | 17,8 |
Nova Iorque | Estados Unidos | 16,6 |
Lagos | Nigéria | 13,4 |
Los Angeles | Estados Unidos | 13,1 |
Calcutá | Índia | 12,9 |
Xangai | China | 12,9 |
Buenos Aires | Argentina | 12,6 |
Fonte:
ONU / IBGE / Fundação Seade.
(1) Aglomerado Urbano
é o território contíguo habitado com densidade
residencial, desconsiderando-se os limites administrativos;
(2) Refere-se à Região Metropolitana de São Paulo. |
POPULAÇÃO RESIDENTE (EM MILHÕES DE HABITANTES) | ||||||
Área abrangida | 1960 |
1970 |
1980 |
1991 |
1996 |
2000 |
Brasil | 70,191 | 93,139 | 119,003 | 146,825 | 157,080 | 169,799 |
Estado de São Paulo | 12,824 | 17,772 | 25,041 | 31,589 | 34,121 | 37,032 |
Região Metropolitana de São Paulo | 4,791 | 8,140 | 12,589 | 15,445 | 16,583 | 17,879 |
Município de São Paulo | 3,783 | 5,825 | 8,493 | 9,646 | 9,839 | 10,434 |
Fonte: IBGE, Censos demográficos. |
Para o Brasil (e
São Paulo, conseqüentemente), a
globalização é mais uma fatalidade que uma
opção. Neste sentido, apenas alguns trechos de São
Paulo podem ser considerados inseridos numa trama dita global, pois,
além de reproduzirem a estrutura acima descrita, apresentam os
requisitos mínimos para esta conexão mundial, como:
- Uma imagem referencial (a avenida Paulista, como signo paulistano por excelência);
- Possuir recursos humanos qualificados;
- Um sistema de comunicação conectado globalmente;
- Uma excelente infra-estrutura urbana;
- Um sistema público ativo e idôneo;
- Conectar-se com o mundo e com sua região mais próxima (ou seja, além da grande São Paulo, também Campinas, Jundiaí, Ribeirão Preto, Santos, Sorocaba, São José dos Campos, etc.);
- Apresentar como identidade local a complexidade de uma cidade cosmopolita (devido ao grande número de comunidades estrangeiras);
- O principal: tentar articular fatores sócio-culturais de alta contradição - o novo e o arcaico, ou seja, a cidade como global, contemporânea, e as gritantes desigualdades sociais, de origem colonial.
- O mercado, financiando um poder público falido, vai criando sua forma de laissez-faire, na medida que os projetos de intervenção pública vão sendo atrelados somente à ingerência do que desperta interesse da iniciativa privada, em última análise, ao que retorne lucro;
- As telecomunicações, as multinacionais e o setor informal são as três maiores áreas de expansão na cidade;
- A arquitetura torna-se, muitas vezes, suporte da informação publicitária, quando não suporte do suporte (com um painel publicitário, em revestimento de alumínio, recobrindo todas suas fachadas, igualando todas as ruas comerciais), enquanto que, na gráfica urbana, a cidade é suporte de inúmeros signos – a excessiva exposição aos outdoors deixa as pessoas inertes e anestesiadas, sem estímulo;
- Uma forte polarização social estigmatiza pessoas por conceitos, como ocupação, etnia ou renda (polarização social esta que gera migrações – internas ao município e entre os municípios da região metropolitana – as quais acabam por reconfigurar espaços de ricos e pobres, fazendo da cidade uma colagem de grandes guetos urbanos);
- Por último, e como conseqüência final, ocorre a perda da referência local, da antiga São Paulo, ocultada sob uma nova história.
A
morte da memória urbana escreve e reescreve sua
história, apagando constantemente seu passado, para marcar, a
cada dia, novas relações de poder, não mais num
movimento de explosão urbana, mas agora de implosão,
gerado pela saturação física de seus limites
urbanos, pela tentativa de valorização das áreas
citadinas, pela migração interna de
população e investimentos e pela mudança do
caráter econômico da cidade e suas
conseqüências, o que gera duas velocidades aos fluxos da
cidade: a dos incluídos (no sistema) e a dos excluídos
(da cidadania). Crescimento urbano acelerado, dinâmico e
autofágico: são movimentos causadores da existência
de tal configuração espacial. Os grandes vazios da malha
urbana atuam como estoques para investimentos especulativos, que
produzem novos espaços sem expandir as fronteiras e deixam um
rastro degradado na paisagem urbana – enfim, o território
tratado como mercadoria absoluta.
O
espaço urbano paulistano é moldado pelo capital
especulativo imobiliário, que sofre constantes movimentos
migratórios (da avenida Paulista para a avenida Brigadeiro Faria
Lima, depois para a avenida Luís Carlos Berrini – movimento a
ser melhor explicitado adiante). Este fluxo de capital, de sistemas
viários, de ocupação da cidade no fim das
análises, gera uma São Paulo em fragmentos, signo de
progresso, ampliando os guetos de repressão aos pobres (onde
são permitidos) em contrastes com a cidade oficial elitista
(onde não são bem quistos). Esta segregação
espacial (lê-se: “higienização” da cidade)
constrói uma cidade aparentemente homogênea, sem
conflitos, o que acarreta na sua morte lenta e gradual como
construção coletiva.
Acompanhe o crescimento da mancha urbana: em 1910, durante a República Velha; em 1930, com o fim da República do Café e após a 1ª Guerra Mundial; em 1952, após a 2ª; em 1972, no fim do período do milagre econômico; por fim, em 2001, as manchas azuis e verdes representam a densidade urbana.
Acompanhe o crescimento da mancha urbana: em 1910, durante a República Velha; em 1930, com o fim da República do Café e após a 1ª Guerra Mundial; em 1952, após a 2ª; em 1972, no fim do período do milagre econômico; por fim, em 2001, as manchas azuis e verdes representam a densidade urbana.
São Paulo não ficará fora do mercado mundial,
até porque o mercado não deixará de lado dezesseis
milhões de habitantes. E no encontro – do capital com a cidade
–, é a arquitetura que celebra este casamento, recompondo
ruínas e adaptando a metrópole para as novas necessidades
globais. Assim, a crítica à cidade paulistana
contemporânea deixa de ser exatamente uma
intervenção construtiva para tornar-se uma
adaptação reformista em favor dos mercados – com os
fluxos econômicos voláteis, o espaço não
deixa de existir,
mas precisa de um local com uma estrutura material para
abrigá-lo (a mais completa possível). A cidade, sem um
futuro
previsível, muito menos otimista: basicamente, quatro movimentos
explicam o que ocorre na metrópole paulistana, os quais
discutiremos a seguir.
1. A Periferia Desassistida
Em
primeiro lugar, uma periferia não-oficial (por ausência de
investimentos ou equipamentos públicos),
autoconstruída e precária, num crescimento tão
acelerado quanto o ritmo da exclusão social, transforma, assim,
a maioria da cidade (maioria em área e em
população) numa grande gleba de exclusão
sócio-urbana, que cai no esquecimento ou fica à espera de
um ataque especulativo. É na opção mais barata, em
uma cidade extremamente cara, que se abriga tal
população, geralmente contratada para os serviços
menos qualificados e, conseqüentemente, menos remunerados (o que
torna tal situação um ciclo vicioso, apagando a pobreza
como ator social no palco da cidade).
Dois mapas que explicam São Paulo hoje: à esquerda, as regiões mais vermelhas são áreas onde a juventude está mais exposta ao crime e à violência; à direita, as áreas mais claras representam os subdistritos com menor poder aquisitivo. A coincidência não é ao acaso.
São
visíveis tanto as novas favelas quanto o
inchaço das favelas existentes, como reflexo local da crise
econômica mundial, decorrente de um neoliberalismo que se
alimenta da exploração e da exclusão. Somam-se
ainda vários fatores, tais como:
- Menor acesso aos serviços e à infra-estrutura urbana;
- Menor oportunidades de emprego e profissionalização;
- Maior exposição à violência;
- Discriminação de todos os tipos;
- Difícil acesso à Justiça, ao lazer, ao transporte e, em resumo, à cidade oficial.
Tem-se na ilegalidade
da propriedade da terra o
principal agente de segregação ambiental, que passa pela
legislação, pelo mercado fundiário e pelo
preconceito, o que leva a população pobre a se instalar
nas regiões desvalorizadas, como beiras de córregos e
represas, encostas de morros (sujeitos à enchentes e
desmoronamentos), regiões poluídas, e, o mais grave, em
muitos dos casos como áreas de proteção ambiental
– no caso, ao sul, as margens das represas Billings e Guarapiranga, do
rio
Tietê e, ao norte, as encostas da serra da Cantareira. Nesta
configuração, surgem a produção de
diversos significados, que formam o aspecto visível: para o
planejamento urbano, apenas sub-normalidade; para a
força
policial, marginalidade; para a
população, má
vizinhança.
Definindo
como precárias as
relações de trabalho, as resoluções de
conflitos ou ainda a ação violenta e preconceituosa da
força policial, esta situação acarreta numa
explosão de violência urbana jamais vista: altos
números de homicídios entre a população
pobre e a segregação espacial, que criam uma
intrínseca relação habitat / violência – a
segregação apresenta-se como reflexo e também
motor indutor da desigualdade. A cargo de ilustração,
estatísticas apresentam que a cada cem mil habitantes, dez
são mortos como vítimas da violência urbana no Alto
dos Pinheiros (bairro nobre da região sudoeste da cidade) para
cada duzentos e vinte dois mortos no Jardim Ângela (zona sul da
cidade, próxima ao Capão Redondo, e considerada a
terceira região mais violenta do mundo). Tais
estatísticas vão contra a idelogia construída pela
mídia em geral, que aponta a elite como a maior vítima da
violência urbana (e, conseqüentemente, os pobres como
agressores).
Associado a este problema está uma indústria
política – resquícios de um país arcaico –, que
muitas vezes se apresenta como paternalista ou clientelista, com a
troca votos por favores políticos, próximo às
eleições (os quais substituem os direitos de cidadania),
e, por outro lado, o desenvolvimento de normas e condutas extralegais,
impostos à comunidade local, ora com o uso da violência,
ora aceitos normalmente, como substituição a um poder
público inexistente. Estas condições (de limite
tênue de uma guerra civil e da segregação espacial
inerente) acabam por serem ocultadas através de diversos meios:
- Investimentos maciços do capital privado e da maior parte do setor público;
- Construção ideológica da mídia, que propaga uma visão de simulacros;
- O próprio IBGE, que deixa suas medições incompletas pela dificuldade do levantamento de dados nas favelas;
- E também um sistema jurídico, que se organiza sobre regras não universais.
Assim,
numa ardilosa construção ideológica,
oficializa-se a cidade virtual, escondendo assim a cidade real. Na
cidade visível, a lei se aplica: há cidadania. Na
periferia, as leis criadas são não-oficiais, mas tal
ocupação irregular é consentida nestes guetos, o
que não é visto com bons olhos no centro – temos assim a
exclusão do direito à cidade. A exceção
como regra e a regra como exceção: é
necessário romper tal ideologia para dar maior visibilidade
à cidade da maioria gritante da população,
ignorada pela sociedade.
Exemplo do que acontece quando uma favela interessa ao mercado: primeiro os empresários se interessam...
... depois o poder público (gestão de Paulo Maluf) limpa a área...
... e os favelados continuam favelados, da favela do Jardim Edith para as margens da represa Guarapiranga.
Exemplo do que acontece quando uma favela interessa ao mercado: primeiro os empresários se interessam...
... depois o poder público (gestão de Paulo Maluf) limpa a área...
... e os favelados continuam favelados, da favela do Jardim Edith para as margens da represa Guarapiranga.
2. Os Programas de
Habitação Social
A
segunda caracterização da condição
paulistana atual são os programas públicos de
habitação popular, insignificantes pela pequena
abrangência, devido à grande demanda da
população. Na última década, esta
condição se divide em três momentos, coincidentes
com os partidos assumidos pelas gestões públicas
municipais.
- A gestão da prefeita Luíza Erundina (de 1989 a 1992) trabalhou com conjuntos populares e reurbanizações de favelas. Nestes conjuntos, havia uma rica diversidade de moradias, como meio democrático de acesso a uma habitação digna. Na reurbanização de favelas, o modelo apropriado é muito próximo do programa carioca “Favela-Bairro”, que visa integrar a região irregular (considerada assim de acordo com o planejamento urbano) à cidade oficial por meio de melhorias do espaço público, tais como asfaltamento, iluminação, sistema de esgoto e escoamento das águas pluviais, limpeza urbana, além de nomear ruas e sinalizá-las. Também trabalha com as reformas necessárias nas habitações que se encontram em condições perigosas, assim como a regularização fundiária (já que setenta por cento das habitações são clandestinas ou irregulares). Tanto os projetos de conjuntos habitacionais quanto a reurbanização das favelas defendem a manutenção das populações em seus locais originais, em paralelo com a qualificação do espaço coletivo (praças e jardins). No entanto, principalmente a reurbanização de favelas tende a oficializar a condição precária de sub-moradias, já que a simples reforma sob aspectos estruturais não altera a habitação ou o entorno;
- A gestão seguinte, de Paulo Maluf (de 1993 a 1996) e também a de seu sucessor, Celso Pitta (de 1997 a 2000), tinham a proposta mais voltada à “higienização” da cidade, ocultando as favelas (e a pobreza visível) atrás dos conjuntos “Cingapura”, que atuam como “paredão” entre as favelas que restaram e as vias expressa (de modo que quem passe de carro não veja mais a favela – ainda existente por detrás dos conjuntos –, mas sim o marketing de sua gestão). Nestes conjuntos, de variação pobre e limitada, o espaço coletivo é subdividido com cercas e grades, o que, além de dividir a população, funciona como citações de mecanismos burgueses de defesa “contra a pobreza violenta”, isto é, uma linguagem baseada na ideologia de mercado, pseudo-ascensão social pelo uso de modelos elitistas. Deve-se acrescentar que, devido a processos não idôneos, muitos moradores de favelas, que foram removidos com a promessa de serem inseridos no programa “Cingapura”, esperam até hoje, dez anos depois, por uma resolução de sua situação, cada vez mais irregular;
- Hoje em
dia, na gestão de Marta Suplicy (de 2001 até
o final de 2004), há uma retomada dos programas de
reurbanização de favelas, com o mesmo formato da
gestão de Luíza Erundina. Também há um
projeto para habitação na área central, usando da
infra-estrutura já existente e associando os edifícios
desocupados ou considerados desqualificados (mais de quarenta mil
unidades), como, por exemplo, a requalificação do
edifício São Vito (junto ao parque Dom Pedro), a serem
reformulados para o uso de habitação. A
proposta se baseia na idéia de que o centro, além da
infra-estrutura já existente (água, luz, esgoto,
telefonia, policiamento, postos de saúde, etc), é a
região da cidade
com maior relação entre oferta de emprego e a proximidade
com a moradia (o que reduz o fluxo de transporte individual e incentiva
o uso de transporte coletivo e do comércio central). Mas o
projeto, infeliz e inevitavelmente, é atrelado ao capital
especulativo imobiliário e aos programas sociais
bancários, como o PAR – Programa de Arrendamento Residencial, da
Caixa Econômica Federal, só abrangendo, na maioria dos
casos, as
famílias com renda até cinco
salários-mínimos, o que torna o projeto voltado à
classe média (cada vez menor, ampliando os bolsões de
pobreza) e excludente de boa parte da população que
realmente necessita. As reformulações dos
edifícios para novos usos, visando habitação,
também aguardam o financiamento do BID - Banco Interamericano de
Desenvolvimento (conseqüentemente, seguindo a cartilha do FMI -
Fundo Monetário Internacional), moldando-se em suas
recomendações e excluindo moradores de rua, camelôs
e ambulantes, num processo acentuado de gentrificação.
O projeto de
reformulação do edifício
São Vito (um edifício de kitnets, que tornou-se um
verdadeiro cortiço vertical), que visa atender famílias
com renda até três salários-mínimos,
é um exemplo de requalificação que encontra
problemas de aceitação, no entanto será
incorporado à uma mudança de maior porte, que são
as reformas do Mercado Municipal e do Museu da Cidade (melhor descrito
mais adiante). De acordo com a visão da prefeita Marta Suplicy,
a melhor solução para o “entrave” do São Vito
seria demoli-lo, mas como não foi bem recebida, ela voltou
atrás. Para evitar futuros problemas (como a
circulação, manutenção de elevadores,
saídas de incêndio, etc) o projeto prevê a
redução de trinta por cento de seus atuais moradores, os
quais não concordaram com a proposta (e que, por isto, se
encontra travada). Quando se tem uma população muito
grande residindo em somente um prédio, como o caso do São
Vito, existem relações de comércio informal
internas, as quais muitas vezes são a única fonte de
renda da família. Também não é fácil
para quem mora no centro abandonar a região e todas as
facilidades inerentes, tais como transporte, fácil acesso a
outros bairros, intenso comércio bem próximo, entre
outras. Deve-se ainda ressaltar a dificuldade da
manutenção da
população pobre nos locais onde há projetos de
requalificação, seja por não conseguirem pagar o
aumento das taxas (provocado pelas melhorias urbanas), seja por
acabarem vendendo suas casas (valorizadas) e comprando outras, em
região precária, mais distante e de baixo preço.
Em resumo, são situações muito delicadas para um
raciocínio simplista resolver.
3. O Crescimento do
Vetor Sudoeste de Expansão da Cidade
Após
analisar os movimentos da cidade que envolvem a
população economicamente mais pobre, cabe agora observar,
num terceiro momento, os investimentos capitais maciços,
começando pelo setor sudoeste da cidade, definido por alguns
pensadores como as “novas centralidades paulistanas”. Tal conceito
é duvidoso, senão perverso, perigoso e ideologicamente
trabalhado, o qual iremos debater ao longo do capítulo.
O primeiro passo para
este novo rumo do capital se deu na
década de 1960, durante o período do “milagre
econômico brasileiro”. Neste momento, houve uma invasão
(permitida e incentivada pelo poder público) do capital
estrangeiro no país, e, em especial, em São Paulo. O alvo
foi a avenida Paulista e suas imediações. A avenida,
aberta em 1891 como o novo boulevard
da elite cafeeira, ainda
conservava, no início dos anos 1960, os antigos casarões
dos barões do café, com grandes jardins e plantas raras e
exemplares. Em pouco tempo, inúmeras demolições
deram lugar a grandes edifícios, representantes das
corporações multinacionais que aqui se instalaram,
fazendo da Paulista a avenida dos grandes bancos, o
coração financeiro da cidade. A lógica que se
segue tem a mesma raiz.
Logo
em seguida, nos anos de 1980 e 1990, o eixo sudoeste expandiu
os limites físicos da cidade, por meio de um movimento de
valorização progressiva em novas frentes especulativas –
financiadas por maciços investimentos, públicos e
privados –, deixando um rastro urbano de deterioração. Os
novos alvos do capital se encontram na marginal do rio Pinheiros, nas
avenidas Brigadeiro Faria Lima (como ligação da Paulista
com a Pinheiros), Luís Carlos Berrini, e por último a
avenida das Águas Espraiadas. Nelas, podemos encontrar
inúmeros edifícios altamente tecnológicos (“de
costas” para a cidade), supervalorizando o espaço privado em
detrimento do público, que só se viabilizaram por meio
das aberturas de avenidas e da infra-estrutura necessária,
cedida por um poder público interessado apenas em organizar os
interesses da elite econômica.
A avenida Paulista: da sua inauguração, em 1891, aos dias de hoje
(a expressão do dinheiro como modelo para as outras partes da cidade).
O ato de projetar
cidades à maneira pós-modernas modificou-se em pouco
tempo: outrora defendeu propostas
frente à racionalização da cidade moderna e o
crescimento
desordenado destas, concertar sem destruir, refazer sem
desalojar, restaurar, criando a partir do que está
dado,
reatando vínculos tradicionais,
requalificando o entorno e valorizando as peculiaridades locais acima
das tendências globais, como defesa da cidade contra a ideologia
vigente. Mas o discurso
pregado hoje por estes arquitetos defende apenas
atuações pontuais, restritas e modestas. Contra-prova da
falência do sistema global, acaba desintegrando a cidade da
periferia
para o centro, administrando contradições, escamoteando
conflitos e escondendo a miséria. Ao mesmo tempo,
afirma
os processos mundiais como adaptações locais
formalizadas, num crescimento industrial hipertardio, com
conseqüente substituição e descarte de
trabalhadores, acumulados nas periferias ao longo de cento e
cinqüenta anos. Nesta lógica, os bairros de elite se
adensam, trazendo consigo comércio e serviços de luxo.
Quando a Arquitetura maquia atividades extra-urbanas (do campo da
política e do marketing,
muitas vezes), perde o controle da
cidade, a qual se torna de domínio econômico dos
administradores: o território urbano se torna
meio de produção e acumulação
capitalista.
Os
edifícios criam um surto internacional, impessoal, não
mais a
vertente da Arquitetura moderna paulista (dita
“brutalista”, com a essência do concreto aparente), mas uma
adaptação narcísica da proposta
moderna às novas necessidades do mercado, vazia de
crítica construtiva: o pós-moderno e suas
fachadas coloridas de vidro,
alta tecnologia eletrônica e estrutura metálica exposta.
Demonstra dependência cultural, ancorada numa imagem afirmativa e
elitista - funde a Paris do passado à Miami do presente. A
economia globalizada e
suas multinacionais com filiais em São Paulo muitas vezes
solicitam a atuação de arquitetos
estrangeiros. Os edifícios
apresentam em seu interior praças climatizadas e totalmente
vigiadas, numa espécie de resumo selecionado da cidade pelo
capital. São grandes torres como marco do poder
econômico, afastando-se da realidade local, por meio de uma
extrema
segurança e de um ambiente limpo e estéril. Um
exemplo deste modelo é o conjunto Citycorp Center, do arquiteto
Giancarlo
Gasperini, que se encontra no cruzamento das avenidas Luís
Carlos Berrini com a Águas Espraiadas (exposto em maquete –
simbolicamente sobre um piso elevado de mármore negro – na
Bienal Internacional de Arquitetura e Design de São Paulo, em
sua última versão: a extrema segurança frente ao
caos urbano).
Exemplos de edifícios às margens do rio Pinheiros: alta tecnologia e auto-suficiência para não precisar andar pela cidade.
Exemplos de edifícios às margens do rio Pinheiros: alta tecnologia e auto-suficiência para não precisar andar pela cidade.
Os
novos tempos trazem à cidade um novo papel, inserindo-a na
ciranda internacional do capitalismo avançado.
Desmaterialização, desterritorialização e a
busca de legislações trabalhistas e ambientais mais
maleáveis levantam uma questão: se o capital é
definido como flutuante e volátil, por que ele se enraíza
aqui e não em outro lugar? Porque, na verdade, ele não
é tão virtual assim, como dizem: os altos executivos
necessitam de uma rica infra-estrutura, que vai da via expressa (de
trânsito de veículos, mas também de
informações) à escola particular onde ele
irá matricular seu filho, passando por hotéis de luxo,
casas de espetáculos (que ofereça arte extremamente
requintada), conexões com aeroportos, heliportos, shopping
centers, etc. Também é lógico, dentro do
raciocínio do capitalismo contemporâneo, que o caos urbano
e as contradições entre o ultra-moderno e o arcaico
não atrapalhem a produção, mas é a
produção que se adapta, da melhor forma possível,
a estas realidades, para aumentar a exploração sobre os
trabalhadores e os exorbitantes lucros conseqüentes –
possíveis aqui, na periferia do capitalismo.
O
que questionamos no início do capítulo é a
definição destas áreas de investimentos privados
como novas centralidades. O conceito de centro, neste caso, refere-se
ao poder econômico, mais especificadamente, à
afirmação deste. Porém, o sentido do centro
é outro: local de conflitos, espaço de convergência
e representação de todas as classes sociais, enfim, a
cidade como pública. Das praças generosas do centro
histórico, passamos às largas calçadas da avenida
Paulista, em seguida para os passeios públicos medianos da
avenida Brigadeiro Faria Lima, terminando no calçamento de
oitenta centímetros da avenida Luís Carlos Berrini e da
marginal do rio Pinheiros. Se houver a inversão de valores,
nesta ardilosa ideologia capitalista, a violência
continuará a crescer indefinidamente, enquanto os executivos
buscam novos sistemas de segurança ao
invés da cidade ser pensada como um espaço mais justo.
4. O Centro Requalificado
O quarto momento de discussão, o centro histórico de
São Paulo, é considerado aqui em sua área
expandida, ou seja, da região da Luz até a praça
da República, o que compreende uma área de,
aproximadamente, trinta e dois quilômetros quadrados. O centro
ainda conserva as atividades da Justiça e a Bolsa de Valores de
São Paulo, além de um intenso comércio de
caráter popular, especializado e diversificado, mas foi
desfigurado por diversos fatores, como anúncios sem controle ou
limitações, a extrema intensidade do comércio
sobrepujando os espaços públicos, um grande fluxo de
veículos individuais em ruas que não o comportam, o
enorme esvaziamento de seus edifícios (cerca de quarenta mil
unidades, como já citado no capítulo anterior, geradas
pela fuga das grandes corporações e das sedes do setor
bancário rumo ao vetor sudoeste) e um grande número de
habitações precárias e cortiços.
O centro da cidade: fluxo de automóveis, edifícios históricos e camelôs.
Assim,
a atual forma de atuação nesta área
segue em duas frentes. De um lado, a habitação no centro
(já discutida no capítulo sobre habitação
popular), que se reforça com o retorno de inúmeras
secretarias públicas (municipais e estaduais) ao centro, como o
caso da Prefeitura (que saiu do Palácio das
Indústrias para se alojar ao lado do viaduto do Chá, no
“Banespinha”) ou do edifício Martinelli, também ao
lado do vale do Anhangabaú, e que hoje abriga treze secretarias
municipais, como por exemplo, a SEMPLA (Secretaria Municipal de
Planejamento), a SAS (Secretaria de Assistência Social) e a
EMURB
(Empresa Municipal de Urbanização). Esta medida objetiva
levar de volta
ao centro todos os funcionários das secretarias (uma soma de
milhares de profissionais), os quais se adequam ao perfil exigido pelo
programa de habitação na área central (classe
média). Com a implementação do tal programa e o
retorno dos funcionários públicos na área,
espera-se que diminua o fluxo de veículos individuais, valorize
o transporte coletivo, incentive o comércio central, aumente a
arrecadação de impostos na região (diminuindo a
inadimplência de I.P.T.U.’s), aproveitando uma infra-estrutura
já implementada (e a mais completa da cidade), além de
dar ao centro um uso misto que o ocupe racionalmente, tanto durante o
dia como à noite.
Como uma segunda frente de atuação na área
central, visando o incentivo ao turismo, há um incremento de
inúmeros centros culturais, valorizando todo e qualquer
edifício como patrimônio, num gesto extremo de
culturalismo, em parcerias
públicas-privadas (processo antigamente conhecido como
patrimonialismo: hoje, pela óptica dos gestores públicos,
funciona como marketing de
sua gestão; e do lado dos
investidores privados, é abatido de impostos por contrapartidas
compensatórias, além de lhes garantir um controle e
favorecer a iniciativa de mudança do perfil cultural do centro –
das classes populares, para uma arte mais erudita, elitizada ).
Visa utilizar-se de edifícios, tombados pelo CONDEPHAAT
(Conselho Municipal de Defesa do Patrimônio Histórico,
Artístico e Turístico) ou ainda usa-se das
glebas liberadas pela modernização das redes
ferroviárias (em seus antigos armazéns de carga e
áreas de manutenção da frota férrea).
São
exemplos, por iniciativa do governo do Estado, a
Pinacoteca do Estado, o Complexo Júlio Prestes e, em andamento,
a Estação da Luz. A Pinacoteca do Estado é projeto
do arquiteto Paulo Mendes da Rocha, que recuperou a forma e o
caráter original do antigo Liceu de Artes e Ofícios
(arquitetura neoclássica do escritório do
engenheiro-arquiteto Francisco de Paula Ramos de Azevedo, foi tombada
como patrimônio pelo CONDEPHAAT em 1982), ao mesmo tempo em que a
adaptou às novas necessidades das exposições. O
Complexo Júlio Prestes, reformulado pelo arquiteto Nelson Dupré, abriga a Sala São Paulo e a sede
da Orquestra Sinfônica do Estado. A Estação da Luz
(também tombada pelo CONDEPHAAT em 1982) se tornará
Centro de Referência da Língua Portuguesa no Brasil,
integrada a estação de conexão entre o trem
metropolitano e as linhas 1 e 4 do metrô
(reformulação também a encargo do arquiteto Paulo
Mendes da Rocha).
A Pinacoteca do Estado...
... a Estação Júlio Prestes...
... e a Estação da Luz são exemplos de intervenções do Governo do Estado:
o patrimônio histórico nem sempre é pensado do ponto de vista do usuário.
A cargo da
Prefeitura, tivemos a reforma do Teatro Municipal (sob
encargo da Método Engenharia, concluída em 1991, ainda na
gestão da ex-prefeita Luíza Erundina) e, atualmente em
andamento, o restauro do Mercado Municipal, do Museu da Cidade, da
Biblioteca Municipal Mário de Andrade e a
recuperação urbana e ambiental do Parque Dom Pedro,
além de requalificar as praças do centro, tais como a
praça Roosevelt, a praça da República, do
Patriarca e a da Sé. O Mercado Municipal está sendo
projeto do escritório do arquiteto Pedro Paulo de Melo Saraiva,
que incrementará o edifício com um mezanino contendo seis
restaurantes, representantes das diversas culinárias
internacionais (embora a Prefeitura negue os conflitos com os atuais
usos do mercado, vários açougues e peixarias já
fecharam suas portas). A mudança do Palácio das
Indústrias para Museu da Cidade – um centro de
exposições e artes de uso misto – é
reformulação dos arquitetos Marcelo Ferraz, André
Vainer e Marcelo Suzuki, que visa usar da parte inferior do
Palácio para o museu (o que, de acordo com Marcelo Suzuki,
é pertinente, pois em meio à uma
arquitetura eclética, surge um figurativismo simbólico:
ao invés dos leões de Veneza, temos nas entradas
carros-de-bois), enquanto que a parte acima ficará sob uso da
autarquia Anhembi-Morumbi, destinando a área para eventos
particulares (tais como casamentos, formaturas e afins). A
recuperação urbana e ambiental do Parque Dom Pedro
é projeto do arquiteto Fernando Charcel e se integra numa
região ainda maior (englobando o Museu da Cidade e até o
edifício São Vito).
O projeto do Mercado Municipal: seis restaurantes...
... associados aos atuais usos...
... em confronto com o edifício São Vito
Entretanto,
os projetos sempre acabam se atrelando ao financiamento
privado, já que o poder público não tem
possibilidades de dispor sozinho tal montante. Mais uma vez,
através de um crédito do BID à Prefeitura, de cem
milhões de dólares, as iniciativas saem do papel, no
caso, para a recuperação do Parque Dom Pedro, do Mercado
Municipal e do Museu da Cidade. Deve-se ater para o fato dos projetos
aprovados sempre excluírem, em seus novos espaços,
camelôs, ambulantes e moradores de rua, ocupantes
indesejáveis para o novo perfil que se quer dar ao centro. O
interesse do mercado em investir na cultura, como parceiro do poder
público, construindo “ilhas sofisticadas” de entretenimento
(banhadas de sistemas de alta segurança como defesa da
situação, que beira uma guerra civil), em nenhum momento
pensa em espaços coletivos ou democráticos. A
segurança dos executivos que freqüentam a Sala São
Paulo é garantida por reforço policial, pois em frente se
situa uma região problemática, conhecida como a
“Cracolândia”, a qual não se insere em nenhum processo de
melhorias conseqüêntes do entorno. Em outra
situação, como já discutido, o edifício
São Vito, que se encontra entre o Mercado Municipal e o
Palácio das Indústrias, torna-se foco de
atenção não por preocupações em prol
de seus moradores, mas por estes se tornarem um enclave no projeto
definido para a região. Quando uma área se valoriza por
intervenções como as que vemos, os moradores são
obrigados a pagar maiores taxas ou a procurar outros locais para viver.
A questão colocada permeia as problemáticas de considerar uma região homogênea e sem conflitos como centralidade. Assim como o vetor sudoeste, sob as circunstâncias apresentadas, a região do centro sofre com a tentativa de um projeto de alteração do perfil de seus usuários e dos usos, de maneira a tornar o espaço estéril por meio de gentrificação, isto é, excluir camelôs e moradores de rua, sem se preocupar para onde irão ou mesmo com a inserção destes em programas de assistência social. Ao propor uma revitalização do centro, acabam moldando como um museu, sem vida, uma realidade montada com demagogia e violência simbólica – a globalização excludente tida como algo positivo. Não se deve iludir: ou considera-se o centro uma área de usos mistos, sem excluir os atuais ocupantes, ou se destrói a atual situação e, no lugar, constrói-se um simulacro, uma espécie de “teatro a céu aberto”, onde uns são bem vindos e outros não – neste caso, melhor mudar o nome “centro”.
A Pinacoteca do Estado...
... a Estação Júlio Prestes...
... e a Estação da Luz são exemplos de intervenções do Governo do Estado:
o patrimônio histórico nem sempre é pensado do ponto de vista do usuário.
O projeto do Mercado Municipal: seis restaurantes...
... associados aos atuais usos...
... em confronto com o edifício São Vito
A questão colocada permeia as problemáticas de considerar uma região homogênea e sem conflitos como centralidade. Assim como o vetor sudoeste, sob as circunstâncias apresentadas, a região do centro sofre com a tentativa de um projeto de alteração do perfil de seus usuários e dos usos, de maneira a tornar o espaço estéril por meio de gentrificação, isto é, excluir camelôs e moradores de rua, sem se preocupar para onde irão ou mesmo com a inserção destes em programas de assistência social. Ao propor uma revitalização do centro, acabam moldando como um museu, sem vida, uma realidade montada com demagogia e violência simbólica – a globalização excludente tida como algo positivo. Não se deve iludir: ou considera-se o centro uma área de usos mistos, sem excluir os atuais ocupantes, ou se destrói a atual situação e, no lugar, constrói-se um simulacro, uma espécie de “teatro a céu aberto”, onde uns são bem vindos e outros não – neste caso, melhor mudar o nome “centro”.
Um Ponto Fora da Reta – Os C.E.U.'s
Os Centros Educacionais Unificados são unidades de
funções plurais que se complementam. Ele alia o
aprendizado escolar à formação completa do
indivíduo, sendo um espaço físico que concentra
diversas atividades, como o preparo profissional, o incentivo ao
esporte, à cultura e às artes em geral. As regiões
mais periféricas e segregadas de São Paulo são
deficientes de uma infra-estrutura urbana mínima e dos
equipamentos que permeiam os bairros centrais. Infelizmente, os
órgãos públicos não têm como sanar de
imediato todas as carências destas regiões, que formam a
maior parcela da cidade de São Paulo, em área e em
população. Elas serão incluídas,
gradualmente, nos projetos de reformulação, mas ainda
levará tempo para que o transporte
público consiga incluí-las completamente em sua
abrangência.
Desta necessidade, nasceu a idéia dos C.E.U.’s, que buscam
levar, mais que o exercício e o direito à cidadania
até esses locais, o reconhecimento da cidade real,
através da educação, equipamentos públicos
e de um espaço coletivo, do qual as comunidades possam se
apropriar. A lógica de localização dos C.E.U.’s
baseia-se num levantamento das áreas periféricas e na
identificação dos pontos mais necessitados, que possam se
estabelecer como pólos regionais, a fim de atender o maior
número de pessoas possível. Isso implica dois movimentos:
primeiramente, o de atrair para o interior da unidade as
experiências e os movimentos que estão presentes no
contexto mais próximo; em seguida, oferecer experiências
significativas à comunidade, considerando como ponto de partida
o reconhecimento da cultura local. Como pólo de desenvolvimento
da comunidade, o C.E.U. deverá oferecer à
população acesso aos programas sociais, promovendo a
divulgação e a integração aos mesmos.
Existem diversas críticas a esse programa, no sentido que
criam espaços artificiais, que dão as costas à
vivência da cidade consolidada e de suas facilidades, reafirmando
um caráter de exclusão dessas populações,
ao mesmo tempo em que camufla a necessidade urgente de melhorias
urbanas. Outras críticas dizem que não se devem inserir
todos os equipamentos concentrados, mas seria melhor dissipá-los
nos bairros. Alguns ainda levantam uma questão financeira, onde
gastos com a educação (de onde foi disponibilizada a
verba, dentro do orçamento municipal) devem ser focados em
salários e contratações de professores, e
não em infra-estrutura (que abrange inclusive assuntos das
áreas de cultura e esportes).
Deve-se levar em consideração a boa
aceitação das comunidades beneficiadas e ser realista ao
reconhecer que as transformações urbanas não
irão ocorrer repentinamente, dada situação
caótica e emergencial em que a periferia se encontra. Ainda
assim, nos C.E.U.’s já inaugurados, há o estabelecimento
de um forte convívio social, dado a ausência e
distância de lugares públicos qualificados (o C.E.U.
Jambeiro tem hoje aproximadamente cinco mil usuários somente aos
finais de semana). Tal convívio seria infinitamente menor se as
intervenções não fossem concentradas, configurando
outras espacialidades que não o grande complexo, enfatizado com
as duas torres de caixas d’água de trinta metros cada, uma ao
lado da outra, as quais configuram uma espécie de pórtico
de acesso, marcando o caráter da intervenção de
valorizar a comunidade e sua auto-estima.
Sobre gastos, isto parte de uma política educacional que
valoriza o aluno ao invés do professor.
Os Centros Educacionais Unificados levam equipamentos públicos para as periferias, tais como creches, teatros e piscinas
Cada
unidade do C.E.U. conta com:
- Centro de Educação Infantil (CEI) para trezentas crianças;
- Escola Municipal de Educação Infantil (EMEI) com novecentas vagas;
- Escola de Ensino Fundamental (EMEF) para mil duzentos e sessenta estudantes;
- Piscinas (com pronto-socorro para os exames médicos);
- Teatro/telecine para quatrocentos e cinqüenta lugares;
- Biblioteca;
- Campos e quadras esportivas;
- Pista de skate;
- Uma grande área gramada, onde há um forte
convívio social.
Dentro
dos C.E.U.’s, comércio não é permitido.
Fontes
de Pesquisa:
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- ROLNIK, Raquel. “A Cidade e a Lei”, São Paulo: Studio Nobel/FAPESP. 1999.
- ARANTES, Otília, VAINER, Carlos e MARICATO, Ermínia. “A Cidade do Pensamento Único”, Vozes. 2000.
- ARANTES, Otília. “O Lugar da Arquitetura Depois dos Modernos”, São Paulo: EDUSP. 2000.
- BRUAND, Yves. “Arquitetura Contemporânea no Brasil”. Perspectiva. 1999.
- MARX, Murillo. “Cidade no Brasil: Em que Termos?”, São Paulo: Studio Nobel. 1999.
- ROLNIK, Raquel. “Folha Explica: São Paulo”, São Paulo: Publifolha. 2001.
- ARANTES, Antonio A.. “Paisagens Paulistanas: Transformações do Espaço Público”, Campinas: Unicamp. 2000.
- SEGAWA, Hugo. “Prelúdio da Metrópole: Arquitetura e Urbanismo em São Paulo na Passagem do Século XIX ao XX”, Ateliê Editorial. 2000.
- PERRONE, Carlos. “ São Paulo por Dentro: Um Guia Panorâmico de Arquitetura”, São Paulo: Senac. 2000.
- ROLNIK, Raquel. “O que é Cidade”, Brasiliense. 1988.
- FRUGOLI JÚNIOR, Heitor. “Centralidade em São Paulo: Trajetórias, conflitos e negociações na Metrópole”, São Paulo: EDUSP/FAPESP/Cortez. 1999.
- BONDUKI, Gabinete do Vereador Nabil. “São Paulo: Plano Diretor Estratégico – Cartilha de Formação”,segunda edição, São Paulo: Caixa Econômica Federal. 2003.
- Correio eletrônico enviado pela professora e mestra em Arquitetura e Urbanismo Ruth Verde Zein em dezembro de 2006.
©
Revista
Eletrônica de Ciências - Número 23 - Janeiro de
2004.
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