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RESENHA COM TÓPICOS DE “CIDADES INVISÍVEIS” DE ÍTALO CALVINO
O livro foi inspirado “As Viagens de Marco Polo”,
livro de memórias escrito por Marco Pólo no século XIII. Os primeiros a viajar foram os irmãos Polo
(Nicolau -pai de Marco e Mateus), entre 1261 e 1269, sendo os primeiros
europeus a desbravar terras do extremo Oriente do globo, até então
desconhecidas ou ignoradas pela civilização européia. Entre 1271 a 1295 Nicolau
Polo leva seu filho Marco Polo para a continuidade da viagem, obtendo sucesso e
os transformando em diplomatas do Império Tártaro e contato comercial de
Veneza. No Oriente tínhamos civilizações muito desenvolvidas e diferentes entre
si, cuja maior parte fazia parte do Império Tártaro (ver mapa em anexo) que
eram comandadas pelo imperador Kublai Khan.
Marco Pólo escreveu o relato das memórias de sua
viagem aos domínios do Império Tártaro, domínios estes que de tão extensos não
eram totalmente conhecidos pelo seu imperador. Kublai Khan confia
principalmente a Marco Polo a responsabilidade de descrever estes lugares, tão
desconhecidos e com costumes exóticos de seu povo. Kublai Khan chega a se
afeiçoar tanto a Marco Polo, que chega a lhe confiar a administração de um
importante território (a província de Mangi). Por muitos anos o livro de Marco
Polo, com suas minuciosas descrições geográficas, administrativas, econômicas,
políticas e culturais dos povos do Oriente, serviram de base para os
comerciantes e os navegadores europeus.
Ítalo Calvino no ano de 1972 se
apropria magistralmente desta história e cria uma narrativa de memórias e
conversas informais entre Marco Polo e Kublai Khan, cabendo a Polo a missão de
descrever para Khan as cidades do Império Tártaro que estavam sendo por ele
visitadas, na qual Khan não podia ver com seus olhos. Marco Polo se transforma
numa “versão transfigurada de Sherazade” (do livro “As Mil e Uma Noites”)
e descreve as coisas que mais lhe chamavam a atenção nas, aproximadamente, 55
cidades desbravadas.
O livro “Cidades Invisíveis” nos permite refletir
sobre vários assuntos filosóficos, tais como o real e o mito, o real e sua
descrição, o incompreendido e o imaginado, as referências e a memória, os
símbolos e a individualidade do ser, etc. Estas discussões também nos permitem
entender como funciona o ser humano em sociedade e como ocorrem as dilapidações
das relações sociais no cotidiano crítico das aglomerações urbanas.
Temos em cada capítulo várias
discussões e passagens interessantes, entre estas posso citar:
- “Mas a cidade não conta o seu
passado, ela o contém como as linhas da mão, escrito nos ângulos das ruas, nas
grades das janelas, nos corrimãos das escadas, nas antenas dos pára-raios, nos
mastros das bandeiras, cada segmento riscado por arranhões, serradelas,
entalhes, esfoladuras” .
(pág 16 de As Cidades e as Memórias 3);
- Verificamos que os desejos e as
individualidades das pessoas são cada vez mais controlados e reprimidos para a
conservação da totalidade e coesão social;
- Os símbolos contêm e escondem fatos
e desejos das pessoas;
- Os sentidos que são construídos
socialmente e individualmente;
- A cidade é feita também de sonhos e
desejos não somente da mente, acaso e da racionalidade;
- Deve se ter conhecimento das antigas
e das atuais aflições do povo antigo ou recém-conquistado do seu reino ou cidade.
Sem conhecer suas lamentações, não se poderá controlar e dominar um povo por
completo.
- “Você sabe melhor que ninguém
sábio Kublai, que jamais se deve confundir uma cidade com o discurso que a
descreve. Contudo, existe uma relação entre eles” (pág. 61 de As Cidades
Delgadas 4).
- a “cidade do lazer” e a “cidade do
trabalho” que necessitam uma da outra, se influenciando profundamente;
- os bairros transitórios de Eutrópia,
que são verdadeiras táticas de especulação imobiliária e de controle social.
Temos uma falta de rotina e um grande fluxo social, por termos as pessoas
mudando radicalmente de atividade (modo de vida), mas essas trocas em nada
afetarão a funcionalidade (modo de produção) da cidade (sociedade). (As
Cidades e as Trocas 3)
- o discurso sobre o real poderá
impossibilitar um desenvolvimento discursivo e identitário sobre a cidade.
- Uma cidade que contenha “todas as
cidades possíveis” seria uma feita “só de exceções, impedimentos, contradições,
incongruências, contra-sensos”. (Diálogo do fim da Parte 4)
- A cidade de Melânia, onde temos uma
cadeia de diálogos que se renovam e que se reestruturam constantemente, sendo
imprevisíveis as funções das pessoas na rede de relações da cidade. ("As
Cidades e os Mortos 1")
- a cidade de Esmeraldina onde temos
um emaranhado de ruas e vias, que faz com que nada se repita. ("As
Cidades e as Trocas 5")
- cidade de Clarice onde as pessoas reutilizam os
espaços da antiga cidade, perdendo-se a memória da primeira.
- Em Leônia temos uma cidade
consumista e materialista, cujos habitantes amam o novo, repelindo o velho e
gostam do ritual da troca e desprendimento. Quanto mais a cidade expele, mais
se acumula escama de seu passado numa couraça intransponível e duro. O lixo é
depositado longe da cidade (nas periferias?), que está sempre à vista e prestes
a “desabar” (caos social?) sobre a cidade. ("As Cidades Contínuas 1")
- as pessoas que não conhecem o
projeto da cidade de Tecla, apenas constroem alienadamente. ("As
Cidades e o Céu 3")
- “(...) uma nova cidade que abre
espaço em meio à primeira cidade e impele-a para fora”. ("As
Cidades Ocultas 1")
- “(...) enquanto cada forma não
encontra a sua cidade, novas cidades continuarão a surgir. Nos lugares em que
as formas exaurem as suas variedades e se desfazem, começa o fim das cidades”.
(Diálogo do Começo da Parte 9)
- “O inferno dos vivos não é algo que será; se
existe, é aquele que já está aqui, o inferno no qual vivemos todos os dias, que
formamos estando juntos. Existem duas maneiras de não sofrer. A primeira é
fácil para a maioria das pessoas: aceitar o inferno e tornar-se parte deste até
o ponto de deixa-lo de percebê-lo. A segunda é arriscada e exige atenção e
aprendizagem contínuas: tentar saber reconhecer quem e o que, no meio do
inferno, não é inferno, e preserva-lo, e abrir espaço”. (Diálogo do Fim da
Parte 9)
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