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LÓGICA DA DESORDEM – Lúcio Kowarick
Este texto surgiu em 1976
quando a Pontifícia Comissão de Justiça e Paz da Arquidiocese de São Paulo
realizou um estudo sobre a urbanização da cidade de São Paulo. Os pesquisadores
Vinícius Caldeira Brant e Lúcio Kowarick foram os coordenadores deste estudo
chamado “São Paulo 1975 – crescimento e pobreza”, que continha um
Capítulo 2 intitulado de “Lógica da Desordem”.
O livro queria estudar o
crescimento da cidade de São Paulo do ponto de vista social e econômico da população
trabalhadora, constatando o processo desigual da urbanização paulistana. O
capítulo “Lógica da Desordem” questionava o crescimento
desordenado da cidade, as contradições no tocante à divisão das riquezas dos
seus moradores e assim como a desigualdade no acesso aos espaços públicos.
Anos depois, em 1993, Lúcio
Kowarick decide republicar este texto em um novo livro chamado “A
Espoliação Urbana”, cujo capítulo conteria o mesmo nome da primeira
publicação. O texto é muito parecido ao primeiro, possuindo somente algumas
modificações e atualizações, não perdendo seu potencial crítico e questionador
do processo desigual da urbanização paulistana.
Kowarick queria entender a
expansão urbana (os serviços, infra-estrutura, relações sociais e níveis de
consumo) ligada ao processo de acumulação do capital. Utilizando-se de muitos
dados estatísticos da cidade, tentava-se entender a desconexão de espaços
vazios e ocupados, sub-entendendo que os problemas não estão na cidade de São
Paulo inteira, mas principalmente nas suas periferias.
Num primeiro momento procura
entender a desigualdade espacial de São Paulo e dá um histórico de suas
moradias populares e de trabalhadores. Na década de 1930 tínhamos um começo da
industrialização na cidade e os próprios donos das empresas quem se
responsabilizavam pelas habitações dos trabalhadores nas chamadas vilas
operárias (casas alugadas ou vendidas aos operários). Estas vilas eram
viáveis economicamente ao patrão porque: os terrenos próximos às empresas eram
muito baratos (geralmente localizavam-se em terrenos de várzea e próximos das
ferrovias); havia uma pequena quantidade de operários na época possibilitando
este empreendimento; o rebaixamento do salário dos operários, pois por morarem
próximo ao serviço, suas despesas seriam menores.
A cidade até então se resumia
em alguns pontos dispersos e localizados de urbanização, mas a partir da década
de 1950 os espaços da cidade mudarão profundamente. Por advindo da
intensificação da industrialização e da urbanização, teremos agora uma grande
explosão demográfica (destaque pela migração de famílias vindas em sua grande
parte do Nordeste, Minas Gerais e do interior do estado de São Paulo), um
encarecimento dos terrenos fabris e residenciais, além de uma pressão por
habitações populares.
Os burgueses que até então se
responsabilizavam pelas “vilas operárias”, não necessitarão mais destas e
transferem os gastos de moradia e de transporte para o próprio trabalhador,
além do serviço urbano básico para o Estado. Estávamos tendo um significativo desenvolvimento
do capitalismo na cidade de São Paulo. Podemos afirmar que neste momento surge
o “Mercado Imobiliário” e a “Periferia” (“aglomerados distantes dos centros,
clandestinos ou não, carentes de infra-estrutura, onde passa a residir
crescente quantidade de mão-de-obra necessária para fazer girar a máquina
econômica”, pág. 35).
Como acumulação e especulação
andam juntas, a localização da classe trabalhadora passou a seguir os fluxos
dos interesses especulativos dos grupos imobiliários privados. O poder público
sempre se ausentou da tarefa de dar um mínimo de ordem no uso do solo da cidade
e colocará esta responsabilidade do desenho urbano para os grupos privados. O
Estado-burguês é reformista e atende aos interesses particulares, colocando-se
à serviço da dinâmica de valorização-especulação do sistema
imobiliário-construtor.
As conseqüências desta lógica
desordenada de urbanização são: a pouca quantidade de área verde na cidade,
ruas não pavimentadas, pouca rede de esgotos e de água, além de áreas desprovidas
de iluminação.
A especulação imobiliária será
um fator importantíssimo na cidade de São Paulo e o autor descreve um exemplo
prático de especulação imobiliária: pois quando temos uma “área vazia” entre
dois loteamentos, esta possivelmente se valorizará porque está sendo
constantemente cortada por um fluxo constante de trabalhadores e cidadãos
comuns.
Com a especulação imobiliária
teremos agora uma intensificação da expansão horizontal de urbanização
paulistana, não tendo mais como característica fundamental a concentração de
áreas distintas e desarticuladas na cidade, mas se articulando áreas
periféricas na cidade de São Paulo e também nas cidades da Grande São Paulo.
Ficará cada vez mais em
evidência a questão dos transportes na cidade de São Paulo, principalmente para
a grande massa de moradores e de trabalhadores de baixa renda que morarão nas
periferias, muito distantes dos seus locais de trabalho.
As distâncias na cidade de São
Paulo serão cada vez maiores, assim como a quantidade diária de deslocamentos e
de carros, aumentando as horas em que as pessoas ficam no trânsito. Projetos
milaborantes de engenharia e muitas vias de circulação serão criadas em São
Paulo, mas não se tentará um incentivo ao transporte público para combater o
crescente número de carros individuais (ocasionados pelo furor individualista e
consumista das pessoas, em combinação da necessidade da rapidez em se deslocar
na cidade).
Não parece ser uma prioridade
dos governantes de São Paulo criar “bolsões de emprego nas periferias”, fato
que poderia diminuir significativamente a quantidade de deslocamentos e do
trânsito na cidade. É uma necessidade do capitalismo a existência de
deslocamentos diários pelas cidades, cabendo ao trabalhador periférico se
sujeitar a um tempo de fadiga, um evidente fator de seu esgotamento físico e
mental. Se a produtividade do trabalhador cair, ele será sumariamente
substituído por outro trabalhador do “exército industrial de reserva”. Para
ilustrar esta discussão, Kowarick transcreve um depoimento de um prefeito (não
identificado) de Diadema: “Quem trabalha em Diadema, mora fora. Quem mora em
Diadema, trabalha fora”.
Os serviços públicos e a
infra-estrutura urbana existem à disposição de quem possa pagar por eles, pois
a instalação destes pelo Estado dependerá da rentabilidade ou da viabilidade do
investimento. Estes bens e serviços se repartem desigualmente na cidade de São
Paulo, seguindo a distribuição de renda e o valor de troca dos moradores,
tornando-se um importante mecanismo de valorização imobiliária. Podemos dizer
que os terrenos caros são aqueles com mais serviços e bens, no qual somente as
pessoas ricas poderão morar, pois podem pagar por um alto IPTU e aluguel.
Teremos uma evidente segregação
espacial e social na cidade de São Paulo, nas periferias com as habitações
populares, conjuntos habitacionais, favelas e os cortiços do centro (que são
viáveis pela proximidade do emprego); e as habitações dos ricos que estão
distribuídas em locais centrais, mas dispersos na cidade (sempre muito bem protegido
pelo aparato repressor estatal).
Os investimentos públicos
atuarão muitas vezes como “malas de especulação”, fato que ocorre
freqüentemente na construção de infra-estrutura e serviços em zonas decadentes
ou estagnadas (como no centro-velho), assim como na construção do metrô, numa
canalização de um córrego e na construção de uma rodovia (ex: Rodoanel).
Lúcio Kowarick apontará vários
dados estatísticos para demonstrar a dilapidação da força de trabalho e as
péssimas condições sociais vivenciadas pelos moradores de baixa renda.
Constataremos um agravamento da situação das famílias trabalhadoras em São
Paulo, ao verificar os dados da vulnerabilidade do trabalho (com o trabalho
repetitivo, acidente no trabalho, aumento das jornadas de trabalho, o ritmo acelerado,
a subnutrição e a fadiga no deslocamento), o aumento da mortalidade infantil, a
queda da expectativa de vida, a desnutrição e subnutrição alta, a diminuição da
quantidade de pessoas com a Previdência Social e da pouca quantidade de redes
de esgoto e água.
O autor criticará também
ausência de organização sindical que questione a exploração da força de
trabalho, assim como da política desigual e ineficiente do BNH (Banco Nacional
de Habitação). Fará também uma relação da poluição do ar com as zonas fabris e
com a quantidade de crianças com meningite.
Numa cidade capitalista como
São Paulo, o que importa é o lucro dos poderosos e não uma resolução da
dilapidação das condições sociais. O capital deteriora a vida metropolitana,
sendo a cidade e a classe trabalhadora somente uma fonte de lucro. No entanto,
para os trabalhadores, a cidade é o mundo onde devem procurar desenvolver suas
potencialidades coletivas e sua existência.
Está é uma grande contradição
que deve ser combatida desde já.
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