Total de visualizações de página

sexta-feira, 9 de março de 2012

REFLEXÕES sobre a FORMAÇÃO da CIDADE de SÃO PAULO


REFLEXÕES SOBRE A FORMAÇÃO DA CIDADE DE SÃO PAULO[1]


Wladimir Jansen Ferreira[2]




1) As Desigualdades Espaciais e o papel do Estado na Formação da Cidade de São Paulo


Na conformação urbana da cidade de São Paulo ocorreram e ainda ocorrem muitas espoliações sociais, discriminações de classes e desigualdades espaciais, que são encobertas e justificadas pelo aparato coercitivo estatal. A cidade de São Paulo apresenta um desigual crescimento urbano, tendo fortes contradições no tocante à divisão das riquezas dos seus moradores e assim como a desigualdade no acesso aos espaços públicos.
Em seu famoso texto, “Lógica da Desordem”[3], Lúcio Kowarick queria entender o crescimento da cidade de São Paulo do ponto de vista social e econômico da população trabalhadora. Kowarick queria entender a expansão urbana (os serviços, infra-estrutura, relações sociais e níveis de consumo) ligada ao processo de acumulação do capital.
Utilizando-se de muitos dados estatísticos da cidade, tentava-se entender a desconexão de espaços vazios e ocupados, sub-entendendo que os problemas não estão na cidade de São Paulo inteira, mas principalmente nas suas periferias. Estes se concentram nas periferias, mas também são muitos presentes nos centros, visto que encontramos espoliações urbanas com um grande número cortiços e escolas/postos de saúde/hospitais sucateados.
Para se ter uma compreensão da desigualdade espacial de São Paulo deve-se compreender a história da formação desta cidade.
Em boa parte da história da cidade de São Paulo, esta se resumia em alguns pontos dispersos e localizados de urbanização, mas a partir da década de 1950 os espaços da cidade mudarão profundamente.
Segundo o geógrafo PETRONE (1955), tivemos quatro surtos urbanísticos na história da cidade até os anos 50, destacando-se os prefeitos João Teodoro (1875), Antônio Prado (início século XX), Raimundo Duprat (1911) e Prestes Maia (1938-45). Entretanto PETRONE (1955 e 1975) aponta e reconhece a importância do prefeito Prestes Maia que tinha sucedido, continuado e aprimorado as muitas obras e iniciativas do antecessor Fábio Prado (1934-1938).
Na década de 1930 tínhamos um começo da industrialização na cidade e os próprios donos das empresas quem se responsabilizavam pelas habitações dos trabalhadores nas chamadas vilas operárias (casas alugadas ou vendidas aos operários). Estas vilas eram viáveis economicamente ao patrão porque: os terrenos próximos às empresas eram muito baratos (geralmente localizavam-se em terrenos de várzea e próximos das ferrovias); havia uma pequena quantidade de operários na época possibilitando este empreendimento; e principalmente com a possibilidade do rebaixamento do salário dos operários[4].
Por advindo da intensificação da industrialização e da urbanização, teremos agora uma grande explosão demográfica (destaque pela migração de famílias vindas em sua grande parte do Nordeste[5], Minas Gerais e do interior do estado de São Paulo), um encarecimento dos terrenos fabris e residenciais, além de uma pressão por habitações populares.
Entre 1890 e 1929, mais de 1/3 (1.156.472) dos imigrantes que entraram no Brasil, eram italianos. Em São Paulo, 1/3 dos 694.489 imigrantes eram italianos.[6] A população paulistana em 1893 era de 130.775 habitantes, sendo 59.307 brasileiros e 71.468 estrangeiros (principalmente italianos) [7], fato que só inverteria entre os anos 20 e 30 do século XX. Houve muitas rusgas entre brasileiros e italianos, que diminuiria com o tempo e o convívio.
Em 1950, segundo PETRONE (1955), de uma população residente na cidade de cerca de 3 milhões de habitantes, somente 627.433 eram estrangeiros, ou seja, muito diferente do começo do século XX. Este número caírá por causa das grandes restrições à saída de italianos na Itália, às restrições na entrada destes pelo governo brasileiro, pelo fim da Segunda Guerra Mundial e pela vinda dos migrantes brasileiros de outras regiões.
Sempre houve uma segregação espacial na cidade, com os ricos e os pobres morando em lugares específicos. A partir de agora haveria uma radicalização desta segregação. Para os ricos estavam sendo disponibilizadas as regiões de colina no centro ou próximas deste (caso de Higienópolis, City Lapa, Cidade Jardim e dos Jardins Europa, Paulista, América[8]), na intenção de facilitar o deslocamento territorial destes para o local de serviço ou de lazer. O centro de consumo destas elites muda do antigo centro para regiões glamourizadas, como a Avenida Paulista.
Os burgueses que até então se responsabilizavam pelas “vilas operárias”, não necessitarão mais destas e transferem os gastos de moradia e de transporte para o próprio trabalhador, além do serviço urbano básico para o Estado. Estávamos tendo um significativo desenvolvimento do capitalismo na cidade de São Paulo. Podemos afirmar que neste momento surge (ou intensifica-se) nesta cidade o “Mercado Imobiliário” e a “Periferia”, que, segundo KOWARICK (1993, p. 35), são “aglomerados distantes dos centros, clandestinos ou não, carentes de infra-estrutura, onde passa a residir crescente quantidade de mão-de-obra necessária para fazer girar a máquina econômica”.
Já LEFEBVRE (2001, p. 17) diz o seguinte sobre as periferias:
(...) Os subúrbios, sem dúvida, foram criados sob a pressão das circunstâncias a fim de responder ao impulso cego (ainda que motivado e orientado) da industrialização, responder à chegada maciça dos camponeses levados para os centros urbanos pelo ‘êxodo rural’. Nem por isso o processo deixou de ser orientado por uma estratégia.

Como acumulação e especulação andam juntas, a localização do proletariado e da população de baixa renda passou a seguir os fluxos dos interesses especulativos dos grupos imobiliários privados. O poder público sempre se ausentou da tarefa de dar um mínimo de ordem no uso do solo da cidade e colocará esta responsabilidade do desenho urbano para os grupos privados. O Estado-burguês é conservador e reformista, atendendo aos interesses particulares da classe burguesa, colocando-se à serviço da dinâmica de valorização-especulação do sistema imobiliário-construtor.
A passagem a seguir de HUNT & SHERMAN (1977, p. 68) demonstra claramente o papel do Estado como reprodutor da lógica capitalista no tocante à infra-estrutura da sociedade:
(...) a função de ‘erigir e manter as instituições e obras’ de interesse público foi interpretada, de um modo geral, como a função de criar e manter instituições que fomentassem a produção e as produções comerciais. Incluía-se aí a função de garantir a circulação de uma moeda estável e uniforme, a padronização de pesos e medidas e a criação dos meios físicos necessários à condução dos negócios como estradas, canais, portos, ferrovias, serviços postais e outros meios de comunicação. Embora a maior parte dessas empresas de serviço fosse propriedade privada, os governos capitalistas, geralmente arcavam com os trabalhos de construção ou manutenção, quer através de subsídios financeiros a empresários privados, quer assumindo diretamente a realização desses projetos.

A burocracia do Estado e a inoperância do poder público impedem que se tenha uma democratização dos espaços da cidade ou mesmo de uma melhoria de espaços degradados tanto culturalmente (aquilo que as pessoas que ali vivem desejam), quanto ecologicamente (áreas de parques e praças) e principalmente na infra-estrutura de lugares periféricos (no tocante à ruas não pavimentadas, pouca rede de esgotos e de água, áreas desprovidas de iluminação, etc).
Nos anos 50, 60 e 70 havia na cidade de São Paulo uma grande mudança produtiva que também se dava em sua dimensão espacial. Não ocorria uma simples substituição de padrões, mas a redefinição dos elementos tradicionais.
Nesse processo coexistiam permanências, demolições e construções, ampliando-se obras públicas e territórios sendo (re)definidos e (re)deformados. Tínhamos novas áreas comerciais e financeiras, além da reterritorialização da zona do meretrício e da boemia.
Esse período de efervescência do desenvolvimento urbano-industrial da cidade com uma síntese de sotaques, entonações peculiares das múltiplas migrações que povoaram a cidade de São Paulo. A população paulistana aumentava drasticamente, sendo que em 1920 tínhamos 579.073 habitantes e em 1960 eram 3.709.111 habitantes na cidade [9]. Segundo ROLNIK (2001) a cidade de São Paulo cresce mais de 5% ao ano durante as décadas de 50/60/70, atingindo 6 milhões de habitantes em 1970.
Nesta época se comemorava os 400 anos da cidade de São Paulo em 1954 e havia na sociedade um forte apelo “bairrista” ressaltando a idéia de uma “paulistaneidade”.
O quarto centenário contribuiu bastante para criar o estereótipo ufanista da cidade de São Paulo, na idéia do “paulistano trabalhador”, “a cidade que mais cresce no mundo” e de “São Paulo como motor e a locomotiva do Brasil”. Utilizavam-se imagens forjadas do passado como o “espírito bandeirante e pioneiro” de pessoas como José de Anchieta, para explicar a “predestinação do paulistano em ser grande”. Era uma recuperação do passado, buscando tornar legítima a realidade vivida e não haver questionamentos do futuro que se insinuava.
Buscava-se impor uma identidade de “paulistaneidade” na tentativa de se ter uma unidade da população paulistana e também para se encobrir as contradições sociais desta cidade, mas isto negava a heterogeneidade cultural ou a individualidade dos paulistanos. Neste sentido, concordo com NIGRI e MOURA (2002, p.105) que afirmam que “um aspecto da identidade paulistana é justamente a pouca nitidez de seu rosto. Mas não por falta, e sim por excessos de traços”.
Estas leituras “alienadas” da realidade que eram incentivadas pela prefeitura paulistana contribuíram para apaziguar as cruéis mudanças advindas pela modernidade. Para se ter uma idéia das intensas mudanças na cidade, as empreiteiras de construção civil entre 1948-1952 realizavam 8 construções por hora[10]. Foi muito contraditória a formação da cidade de São Paulo, onde podemos concordar ao dialogar com a passagem a seguir:
É a cidade dos muitos contrastes, com largas avenidas, de trafego intenso, no meio de blocos compactos de arranha-céus, como também das ruelas tranqüilas, emolduradas de prédio antigos, que fazem lembrar os tempos passados. É a cidade das ladeiras e dos viadutos, a ‘metrópole internacional’, a ‘cidade cosmopolita’, a ‘cidade de energia’, a ‘capital do progresso’, a ‘grande oficina’, a capital industrial do Brasil’, a ‘capital de capital’, a ‘cidade dinâmica’ e a ‘city of homes’, o grande centro cultural do país, a ‘cidade que mais cresce no mundo (...).[11]

Concorda-se que dentre os grandes responsáveis por este “progréssio”, realizado de forma desigual, temos os prefeitos paulistanos Fábio Prado e, sobretudo, Prestes Maia (que seria prefeito de São Paulo por mais uma vez entre 1960 e 1964).
Ambos realizaram planos de intervenção urbana, que procuravam remodelar a cidade, tornando viáveis novas áreas em expansão, espalhando territorialmente uma cidade densa e explosiva, redefinindo a relação centro-periferia.
Havia um alto desemprego ocasionado pela cada vez maior necessidade de “trabalho especializado” nas indústrias e setor terciário, além do crescimento desordenado da população. Esta aumentava quantitativamente pelas levas migratórias de pessoas advindas principalmente de regiões do Nordeste do Brasil, do interior do Estado de São Paulo e do estado de Minas Gerais. O desemprego também impossibilitava que as pessoas tivessem uma renda que pudessem pagar os altos aluguéis ou impostos.
Contribuiu decisivamente para a valorização dos terrenos na região central da cidade, a criação de infra-estrutura após muitas desapropriações e redefinições urbanísticas. Muitas malocas e casas de taipa foram demolidas, dando lugar a empreendimentos como o Mercado Novo, o estádio Municipal do Pacaembu, o novo viaduto do Chá, a Biblioteca Municipal, o Parque do Ibirapuera, o Parque da Água Funda, o Monumento às Bandeiras, a Cidade Universitária, e principalmente o “Plano Avenidas”, idealizado por Prestes Maia nos anos 1930 e concretizado a partir de seu primeiro mandato de prefeito entre 1934 e 1938, sendo continuado por outros prefeitos.
Nos anos 30, o prefeito Fábio Prado principia as mudanças espaciais e produtivas na cidade com a construção do estádio Municipal do Pacaembu, da Biblioteca Municipal, das Avenidas Ipiranga, Vieira de Carvalho e Senador Queirós, além de ter iniciado a reconstrução do Viaduto do Chá.
Apesar de não ser aprovada no mandato de Fábio Prado, destaca-se também o “Código de Obras” de 1932, que reconhecia casas e loteamentos irregulares da periferia paulistana, somente depois do filtro da escolha e do arbítrio dos governantes. Ou seja, incentivava e legitimava a periferização da cidade, com os governantes praticando políticas clientelistas e populistas. Era uma incorporação “às avessas”, pois a legitimização desta expansão não provinha com recursos públicos de infra-estrutura ou com os direitos de cidadania para aquela população cada vez mais pobre e sem emprego.
Entretanto, Prestes Maia com o Plano de Avenidas foi quem revoluciona o espaço paulistano. Este plano modificava totalmente o desenho urbano da cidade, procurando ampliar o centro comercial, assim como incentivar o mercado imobiliário e sua verticalização. Este reordenamento territorial horizontalizava a abrangência escalar da rede produtiva paulistana, fazendo atingir nas regiões mais periféricas da cidade e articulando as muitas cidades da “Grande São Paulo”, que seria oficialmente criada somente em 1973 com 37 municípios (depois teríamos 39 municípios).
Para se “arejar o centro”, criaram-se as avenidas piramidais de irradiação, facilitando a comunicação Sul e Norte da cidade e alargaram-se as ruas, calçadas e praças centrais [12], canalizando vários rios, principalmente um grande trecho do Rio Tietê [13]. As indústrias que outrora se localizavam na região central da cidade ou nas regiões de vales (próximos a ferrovias e com terrenos baratos), irão se instalar principalmente na região do ABC paulista (onde passam a Via Dutra e Via Anchieta), levando para lá ou mesmo extinguindo os “bairros operários”.
Muitos rios de São Paulo foram retificados e transformados em córregos sem os seus meandros (tais como o Tamanduateí, o Ipiranga, o Pinheiros e o Tietê) ou canalizados e extintos, caso do Anhangabaú (dando lugar à Avenida Tiradentes), o Sapateiro (dando lugar à Avenida Ibirapuera), o Saracura (dando lugar à Avenida Nove de Julho) e o Itororó (atual Avenida 23 de Maio, sendo esta iniciada por Prestes Maia e finalizada por Faria Lima em 1969).
Na medida em que os interesses produtivos reorganizavam-se, havia uma brutal transformação na geografia da cidade, no cotidiano e na consciência das pessoas. Idealmente os calçadões no centro (principalmente a partir dos anos 50 e 60) foram criados para se flanar e olhar as vitrines das lojas, mas não o permitem pela ampla presença de vendedores ambulantes e a grande presença de terminais de ônibus e do metrô, que acarretam uma contínua circulação de pedestres. Teremos agora uma combinação de muitas lojas vendendo artigos raros e populares, voltados para as pessoas dos mais variados segmentos de renda.
Muitos moradores da cidade realizam este movimento de periferização, instalando-se nas regiões com baixo preço imobiliário e ocupando-se terrenos abandonados ou sem uso.
Devemos levar em consideração que este deslumbre com o “progresso” que estava sendo imposto, não chegou a todos os moradores da cidade, principalmente para a população pobre. Estes estavam cada vez mais perdendo suas raízes locais, obrigados a morar em moradias muito distantes do centro, trabalhando com uma parca remuneração e com vínculos de trabalho precários (sem carteira de trabalho assinada e os direitos trabalhistas).
Visto dialeticamente, o caos é produto e produtor, pressuposto e necessidade da sociedade moldada por relações produtivas e sociais capitalistas. O processo de expansão das metrópoles favorece o crescimento de atitudes conservadoras e individualistas, criando uma “cegueira branca” como foi brilhantemente romanceado por José Saramago no livro “O Ensaio Sobre a Cegueira” (2000).
Apesar do “Plano de Avenidas” possibilitar a expulsão da população pobre do centro da cidade, dar condições para a construção dos novos “lugares da aristocracia”, possibilitar a construção de novas vias de escoamento, incentivar a especulação imobiliária e o lucro das empreiteiras de construção, ressalta-se que este Plano não foi tão planejado assim. Pelo menos para os pobres.
 Este crescimento deu-se muito desigualmente, como por exemplo, na discrepância na expansão da rede elétrica (que se deu principalmente a partir de 1922), na disponibilidade de saneamento básico (água e esgoto), na parca pavimentação e no insuficiente transporte público (onde até anos 30 predominava-se o bonde a vapor ou puxado a tração animal). Até hoje temos discrepâncias e desigualdades no “direito à cidade”.
Fora estas discrepâncias havia uma grande desarmonia no crescimento urbanístico, com amplos trechos vazios (especialmente no centro a espera de valorização pelos “abutres” da “indústria da especulação imobiliária”), os terrenos caros da burguesia em que moram poucas pessoas, loteamentos irregulares na periferia em que moram muitas pessoas em um pequeno espaço e os arranha-céus sem infra-estrutura (sendo mais “depósitos de gente”).
Segundo a reportagem de Edney Cielici Dias na Folha de S. Paulo (28/11/2003), a cidade de São Paulo no ano de 2000 tinha uma necessidade de 380 mil moradias, que era inferior ao número de imóveis vazios (420 mil).
Apesar desta tensão, os anos 50 são caracterizados por uma certa euforia vivenciada em São Paulo. Além da imposição da ideologia da “paulistaneidade”, durante o governo Juscelino Kubitschek (1955-60), a cidade conviveu com a aceleração da industrialização, a entrada do capital estrangeiro, a modernização da produção e a ampliação da oferta de certos bens de consumo. Dentre os bens de consumo podemos destacar a implementação dos automóveis (tornando a sociedade mais veloz) e também da TV (tornando a sociedade mais visual), além da expansão do rádio, de cinemas e de teatros.

2) A Especulação Imobiliária, a Relação Centro-Periferia e os Fluxos de Trabalhadores na Cidade de São Paulo Contribuindo para a Reprodução do Capital


A especulação imobiliária será um fator importantíssimo na formação e na lógica de constante transformação da cidade de São Paulo. Posso citar diversos exemplos de como a especulação imobiliária materializa-se nas grandes metrópoles.
Entre esses exemplos cito quando temos uma “área vazia” entre dois loteamentos ou entre dois focos de urbanização. A partir do momento que aconteça um investimento público ou privado, esta área será valorizada, ou seja, terá seu valor imobiliário aumentado. Uma área vazia também pode receber especulação imobiliária só pelo fato dela ser cortada por um fluxo constante de trabalhadores e cidadãos comuns.
LEFEBVRE (2001, p. 16) já dizia que: “(...) Os vazios tem um sentido: proclamam alto e forte a glória e poder do Estado que os arranja”. Mas estes vazios serão regulamentados e redefinidos principalmente pelo Mercado Imobiliário.
A especulação imobiliária não somente valoriza terrenos nas grandes cidades, mas pode desvalorizar estes (muitas vezes momentaneamente). Isso é claramente percebido em áreas degradadas na região central da cidade de São Paulo, ou no entorno de alguns locais da Avenida Santo Amaro (quando se construiu o “corredor de ônibus”), ou em alguns locais aonde foram feitos empreendimentos públicos ou privados (como construções de cadeias, “piscinões”, albergues, etc).
Esse processo de desvalorização imobiliário é citado por LEFEBVRE (2001, p. 10-11), quando fala da degradação e “guetização” dos centros urbanos nos Estados Unidos. Ele intitula este processo por “Implosão-Explosão das cidades”.
Com a especulação imobiliária teremos agora uma intensificação da expansão horizontal de urbanização paulistana, não tendo mais como característica fundamental a concentração de áreas distintas e desarticuladas na cidade, mas se articulando áreas periféricas na cidade de São Paulo e também nas cidades da Grande São Paulo.
Ficará cada vez mais em evidência a questão dos transportes na cidade de São Paulo, principalmente para a grande massa de moradores e de trabalhadores de baixa renda que morarão nas periferias, muito distantes dos seus locais de trabalho.
As distâncias na cidade de São Paulo serão cada vez maiores, assim como a quantidade diária de deslocamentos e de carros, aumentando as horas em que as pessoas ficam no trânsito. Projetos milaborantes de engenharia e muitas vias de circulação serão criadas em São Paulo, mas não se tentará um incentivo ao transporte público para combater o crescente número de carros individuais (ocasionados pelo furor individualista e consumista que a indústria automobilística impõe às pessoas, em combinação da necessidade da rapidez em se deslocar na cidade).
Este furor consumista e materialista de nossa sociedade é metaforizado em Leônia[14], a fictícia cidade de Ítalo Calvino, cujos habitantes amam o novo, repelem o velho e sentem prazer com o ritual da troca e desprendimento. Quanto mais a cidade expele, mais se acumula escama de seu passado numa couraça intransponível e dura. Interessante é que o lixo é depositado longe da cidade (nas periferias), que estão sempre à vista e prestes a “desabar” (caos social ou uma revolução) sobre o centro da cidade.
Não parece ser uma prioridade dos governantes de São Paulo criar “bolsões de emprego nas periferias”, fato que poderia diminuir significativamente a quantidade de deslocamentos e do trânsito na cidade. É uma necessidade do capitalismo a existência de deslocamentos diários pelas cidades, cabendo ao trabalhador periférico se sujeitar a um tempo de fadiga, um evidente fator de seu esgotamento físico e mental. Se a produtividade do trabalhador cair, ele será sumariamente substituído por outro trabalhador do “exército industrial de reserva”. Para ilustrar esta discussão, Kowarick transcreve um depoimento de um prefeito (não identificado) de Diadema: “Quem trabalha em Diadema, mora fora. Quem mora em Diadema, trabalha fora”.
Os serviços públicos e a infra-estrutura urbana existem à disposição de quem possa pagar por eles, pois a instalação destes pelo Estado dependerá da rentabilidade ou da viabilidade do investimento. Estes bens e serviços se repartem desigualmente na cidade de São Paulo, seguindo a distribuição de renda e o valor de troca dos moradores, tornando-se um importante mecanismo de valorização imobiliária. Podemos dizer que os terrenos caros são aqueles com mais serviços e bens, no qual somente as pessoas mais ricas poderão morar, pois podem pagar por um alto IPTU e aluguel (sendo que muitas vezes não pagam, tais como as empresas que possuem isenção de impostos).
Temos uma evidente segregação espacial e social na cidade de São Paulo. Nas periferias com as habitações populares, conjuntos habitacionais, favelas e os cortiços do centro (que são viáveis pela proximidade do emprego). Já as habitações dos ricos que estão distribuídas em locais centrais e em pontos dispersos na cidade (sempre muito bem protegido pelo aparato repressor estatal, assim como por guardas particulares, cercas elétricas e grandes muros).
Os investimentos públicos atuarão muitas vezes como “malas de especulação”, fato que ocorre freqüentemente na construção de infra-estrutura e serviços em zonas decadentes ou estagnadas (como no centro-velho de São Paulo), assim como na construção do metrô, numa canalização de um córrego e na construção de uma rodovia (ex: Rodoanel). Além do mais, esses investimentos continuarão empregando milhões de trabalhadores na construção civil, no qual, muitos Deraldos[15] virão para São Paulo em busca de novas oportunidades.
Os investimentos em infra-estrutura e em rede de serviço nas periferias devem ocorrer e ser realizados pelo Estado[16], mas não deveriam servir para à lógica da Especulação Imobiliária. No entanto entende-se que esta Especulação Imobiliária somente poderá ser cerceada com a derrocada do Modo de Produção Capitalista. Capitalismo e Especulação caminham juntos, devendo os dois ser combatidos.
O Estado burguês investe muito pouco em habitações populares, somente contribuindo na reprodução do capital. Além do mais temos uma política desigual, insuficiente e ineficiente do BNH (Banco Nacional de Habitação).
Enquanto vivermos sob a égide do Capitalismo, continuaremos verificar estas Espoliações e Desigualdades Urbanas principalmente nas grandes metrópoles.

3) Conclusões
Se analisarmos as péssimas condições sociais vivenciadas pelos moradores de baixa renda, verificar-se-á uma dilapidação da força de trabalho. Constataremos um agravamento da situação das famílias trabalhadoras em São Paulo, ao constatar os dados da vulnerabilidade do trabalho (com o trabalho repetitivo, acidente no trabalho, aumento das jornadas de trabalho, o ritmo acelerado, a subnutrição e a fadiga no deslocamento), o aumento da mortalidade infantil, a queda da expectativa de vida, a desnutrição e subnutrição alta, a diminuição da quantidade de pessoas com a Previdência Social e da pouca quantidade de redes de esgoto e água.
De fato, ao indagar-se sobre planejamento urbano, vem à mente uma questão primordial; uma possibilidade de renovação, uma condição de possível mudança. No filme “O Homem que virou suco”, um sentimento de renovação é muito presente, vista pelo protagonista do filme, o migrante paraibano Deraldo, que busca entender sua condição pessoal e coletiva na cidade de São Paulo, reconhecendo suas relações com o lugar e assim possibilitando uma identidade territorial.
No livro “Cidades Invisíveis” esta questão é vista pelo autor como uma condição de “abrir espaço”, quer dizer a condição de possível mudança é feita através do reconhecimento daquele lugar onde se vive, por uma compreensão das cidades a partir dos sentidos construídos, relação de trocas uns com os outros. Esta citação de CALVINO (2003, p. 158) é bem significativa:
O inferno dos vivos não é algo que será; se existe, é aquele que já está aqui, o inferno no qual vivemos todos os dias, que formamos estando juntos. Existem duas maneiras de não sofrer. A primeira é fácil para a maioria das pessoas: aceitar o inferno e tornar-se parte deste até o ponto de deixá-lo de percebê-lo. A segunda é arriscada e exige atenção e aprendizagem contínuas: tentar saber reconhecer quem e o que, no meio do inferno, não é inferno, e preservá-lo, e abrir espaço.

Segundo CALVINO (2003, p. 69) Não deve ser buscada uma cidade perfeita que contenha “todas as cidades possíveis”, pois esta seria uma feita “só de exceções, impedimentos, contradições, incongruências, contra-sensos”. A Pós-Modernidade nas cidades não é algo positivo. Deve-se lutar por “cidadania de fato” e uma democratização dos espaços na cidade de São Paulo.
Por vivermos em sociedade existe um contrato social traduzido em cidadania, compreendendo que os cidadãos possuem direitos e deveres. Dentre nossos deveres temos a obrigação do pagamento de impostos, votar nas eleições, obediência às leis, sob o risco de ser julgado e condenado pelo não cumprimento. Porém, nem toda a população é atendida de modo igual. A existência de direitos na nossa sociedade está ligada ao poder financeiro, ou seja, quem pode comprar é cidadão de fato, transformando numa vulgar e rentável mercadoria.
A realidade seria diferente se os direitos entrassem para a prática social de todos os moradores das cidades, tais como: direito ao trabalho, à instrução, à educação, à saúde, à habitação, aos lazeres, à vida, o direito à cidade. A maioria da população não tem acesso à “cidadania de fato”, demonstrando a realidade como contraditória e conflitante. Lutamos por uma cidade que tenha aspectos de uma “Esmeraldina[17], por uma cidade que respeite a individualidade das pessoas, não privilegiando a desigualdade e que não haja padronização dos espaços públicos ou das pessoas.
Pouco se mudou das últimas décadas para cá, ainda temos uma dilapidação da força de trabalho e as péssimas condições sociais vivenciadas pelas famílias de baixa renda. Numa cidade como São Paulo, o que importa é o lucro dos poderosos e não uma resolução das contradições sociais. O capital deteriora a vida metropolitana, sendo a cidade e a classe trabalhadora somente uma fonte de lucro. No entanto, para os trabalhadores, a cidade é o mundo onde devem procurar desenvolver suas potencialidades coletivas e sua existência.
Desde já, esta é uma grande contradição que deve ser combatida em sua raiz, ou seja, somente com a derrocada do Modo de Produção Capitalista é que um horizonte próspero poderá surgir.


BIBLIOGRAFIA
CARLOS, Ana Fani A.. O Consumo do Espaço. In CARLOS, Ana Fani A. (organizadora). Novos Caminhos da Geografia, São Paulo: Editora Contexto, 2002.
____________________. São Paulo: dinâmica urbana e metropolização. In Revista Território, Ano VII, N° 11/12/13, Rio de Janeiro: AGB-RJ, Setembro/Outubro 2003.
CEBRAP, São Paulo 1975: crescimento e pobreza, São Paulo: Loyola, 1976.
FERREIRA, Wladimir Jansen. Uma Leitura Geográfica da Formação da Cidade de São Paulo na Obra de Adoniran Barbosa. Trabalho de Conclusão de Curso de Geografia na PUC-SP. São Paulo: PUC-SP, 2005.
_________________________. Uma Análise Crítica do Conceito de Natureza no Currículo de Geografia do Estado de São Paulo. Trabalho de Conclusão do Curso de Especialização em Ensino de Geografia na PUC-SP. São Paulo: PUC-SP, 2011.
FONSECA, Cristina, Juó Bananére – o abuso em blague, São Paulo: Editora 34, 2001.
JOANIDES, Hiroito de Moraes. Boca do Lixo, São Paulo: Labortexto Editorial, 1978.
LEFEBVRE, H.. Lógica Formal, Lógica Dialética, Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1979.
____________. O Direito à Cidade, São Paulo: Centauro Editora, 2001.
LUCENA, Célia Toledo. Bairro do Bexiga – A sobrevivência cultural, São Paulo: Brasiliense, 1984.
MAIA, F. Prestes. Os Melhoramentos de São Paulo, São Paulo: Prefeitura Municipal de São Paulo, 1944.
MATOS, Maria Izilda Santos de. A Cidade Que Mais Cresce No Mundo - São Paulo território de Adoniran Barbosa, in Edição Virtual de São Paulo em Perspectiva, São Paulo: Fundação SEADE, vol 5, n° 3, Julho-Setembro de 2001.
MELHORAMENTOS. Isto É São Paulo! – 99 flagrantes da capital bandeirante, São Paulo: Álbum Edições Melhoramentos, s/d.
MONBEIG, Pierre. Aspectos Geográficos do Crescimento da Cidade de São Paulo. In Boletim Paulista de Estudantes de Geografia da AGB-SP n°81, São Paulo: Xamã Editora, 2004.
MOREIRA, Ruy. O que é geografia?, São Paulo: Brasiliense, 1981.
_____________. O movimento operário e a questão cidade-campo no Brasil. Petrópolis/RJ: Vozes, 1985.
_____________. Da região à rede e ao lugar: a nova realidade e o novo olhar geográfico sobre o mundo. In: Ciência Geográfica, N° 6, Bauru: AGB-Bauru, 1997.
MOURA, Flávio e NIGRI, André, Adoniran – se o senhor não está lembrado. São Paulo: Boitempo, 2002.
PETRONE, Pasquale. As Indústrias Paulistanas e os Fatores de sua Expansão. In Boletim Paulista de Geografia da AGB-SP n° 14, São Paulo: AGB-SP, 1953.
__________________. A Cidade de São Paulo no Século XX, in SILVA, Raul de A., MATOS, Odilon N. e Petrone, Pasquale. A Evolução Urbana de São Paulo, São Paulo: Coleção da Revista de História, 1955.
_________________. O Aparecimento da Megalópolis in FERNANDES, F. A Comunidade e Sociedade no Brasil, São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1975. Extraído originalmente de PETRONE, Pasquale. A Cidade de São Paulo no Segundo Quartel do Século XX, in AZEVEDO, Aroldo (org.), A Cidade de São Paulo, Vol. II, pp 141-160, São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1958.
PRADO JR, Caio. A Cidade de São Paulo – geografia e história, São Paulo: Brasiliense, 1983.
RAGO, Antonio. A Longa Caminhada de um Violão, São Paulo: Editora Iracema, 1986.
ROCHA, Francisco. Adoniran Barbosa – O Poeta da Cidade. São Paulo: Ateliê Editorial, 2002.
ROLNIK, Raquel. A Violência Disseminada - Exclusão territorial e violência, In Edição Virtual de São Paulo em Perspectiva, São Paulo: Fundação SEADE, vol.13 n°4, Outubro/Dezembro 1999.
______________. Folha Explica: São Paulo, São Paulo: Publifolha, 2001.
SANTOS, Milton. Espaço e Dominação, São Paulo: Seleção de Textos da AGB-SP, Junho de 1978.
SMITH, Neil. Desenvolvimento Desigual – natureza, capital e a produção de espaço. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil,1988.
TOLEDO, R. Pompeu de. A Capital da Solidão – uma história de São Paulo das origens a 1900. Rio de Janeiro: Editora Objetiva, 2003.


[1] Este artigo tem algumas idéias do Trabalho de Conclusão do Curso de graduação em geografia na PUC-SP, defendido no ano de 2005.
[2] Professor de geografia nas redes estadual e municipal de São Paulo. Formado em bacharelado e licenciatura de geografia na PUC-SP (2001-2005). Especialista em ensino de geografia pela PUC-SP (2010-2011).
[3] KOWARICK em “Lógica da Desordem”, in “A Espoliação Urbana”.
[4] Subentende-se que o patrão fazia os trabalhadores morarem próximo ao serviço, para seu salário ser rebaixado, diminuindo os custos de produção e o lucro da burguesia.
[5] Verificado no filme “O Homem que virou suco".
[6] Estatísticas de MOREIRA, Sílvia. São Paulo na Primeira República, 1988, pág. 11.
[7] Estatísticas de TOLEDO, Roberto Pompeu de. A Capital da Solidão – uma história de São Paulo das origens a 1900, 2003, pág. 475.
[8] Os Jardins paulistanos foram inspirados no projeto do urbanista inglês Barry Parker que foi o idealizador dos bairros-jardim de Londres na Inglaterra. A Companhia City (fundada em 1911) o contrataria e a partir do começo do século XX se construiria os elitizados bairros, que tinham como princípios ter bairros tranqüilos, “higiênicos”, com alamedas arborizadas e com casas que abrigavam pórticos, terraços e varandas. Não deixava de ser dignidade para a população, mas esta não era para toda a população paulistana.
[9] Dados da Associação dos Geógrafos Brasileiros, 1958, vol. II e censos da Fundação IBGE, que é demonstrado por PINTAUDI, Silvana M.. A Cidade e as Formas de Comércio, In CARLOS, Ana Fani A. (org.). Novos Caminhos da Geografia, 2002.
[10] Dado extraído de ROCHA (2002).
[11] PETRONE, Pasquale. O Aparecimento da Megalópolis in FERNANDES, F. A Comunidade e Sociedade no Brasil, São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1975, p. 238 e 239.
[12] Segundo Prestes MAIA (1944) em Os Melhoramentos de São Paulo, dentre o previsto no “Plano de Avenidas”, seu mandato iniciou ou construiu a Via Anchieta e Anhanguera; As Avenidas Cidade Jardim, Nove de Julho, Santo Amaro, Anhangabaú Inferior (Tiradentes), Duque de Caxias, Leste (Radial), Itororó (23 de Maio), Rio Branco, Sumaré e Jaguaré; As Praças do Estádio do Pacaembu, do Carmo, da Consolação e João Mendes; Prolongamento das Avenidas Paulista, Rebouças, Nove de Julho, Pacaembu e das Ruas Andradas, Major Sertório, Marconi, Augusta e Álvaro de Carvalho; Alargamento das Ruas da Liberdade, Conceição, Benjamim Constant e Wenceslau Brás; A Construção das Marginais Tietê e Pinheiros; os Viadutos Jacareí, Dona Paulina e Nove de Julho; As Pontes Mercúrio, Indústria e Pequena; A Canalização do Rio Anhangabaú e a Retificação do Rio Tietê; A Remodelação do Parque Anhangabaú e Largo do Piques; Além da pavimentação e iluminação padronizadas e as diversas praças e jardins de bairros. Com contribuição municipal, a Light construía sob o Canal de Pinheiros as pontes Cidade Jardim, Rebouças e Jaguaré.
[13] Segundo Pasquale Petrone (1975), encurtou-se em 20 km de seu curso meândrico, propiciando a recuperação de 17 km2 de terras varzeanas. Realmente disponibilizou-se muita terra para a especulação imobiliária.
[14] CALVINO, Ítalo, “Cidades Invisíveis”, 2003, p. 109.
[15] Personagem principal do filme “O Homem que virou suco".
[16] Muitos destes investimentos sociais e urbanos na periferia foram conquistas através de muita luta e reivindicação popular.
[17] CALVINO, Ítalo, “Cidades Invisíveis”, 2003, p. 86.

Nenhum comentário:

Postar um comentário