Artigo que eu fiz e que foi publicado na Revista "Terra Livre" nº 41 da AGB.
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“Uma análise
do conceito de natureza
das sociedades e uma crítica ao reformismo
dos movimentos ambientalistas”
“An
analysis of the concept of nature of societies and a critique of reformism of
environmental movements”
“Un análisis de la concepción de la naturaleza
de las sociedades y una crítica del reformismo de los movimientos ambientales”
Wladimir
Jansen Ferreira
Graduado
em Licenciatura e Bacharelado pela PUC-SP, Pós-Graduação em “Ensino de
Geografia” pela PUC-SP. Professor nas redes estadual de São Paulo e municipal
de São Paulo – wladimir_tristao@yahoo.com.br
O artigo
analisa a relação das sociedades humanas
com a natureza (ou ambiente) e reflete sobre as contradições do discurso
ambientalista que está em voga na sociedade. Inicialmente, debaterá temas conceituais, como o significado
dos conceitos de natureza ,
de ser humano, de ecologia e de meio
ambiente, concluindo que as relações dos
modos de produção são decisivas para a conformação do
conceito de natureza
e de ser humano. Todas as sociedades humanas interferem na natureza, mas a
intensidade desta variará de acordo com os interesses produtivos específicos
das sociedades. A sociedade capitalista é a mais consumista e por esse motivo
interfere mais sobre a natureza do que outras sociedades. Através da análise de
relatórios e documentos ambientalistas, serão apontadas reflexões sobre as contradições dos discursos
dos movimentos ambientalistas, que foram apropriados pela sociedade
capitalista, tornando-se oportunista e despolitizado. Conclui-se que é
necessário que a construção de um novo conceito de natureza, ou seja, uma nova
relação da sociedade com a natureza que seja menos
predatória e consumista, mas esta não se dará no capitalismo, mas na sua
negação e na construção de uma nova sociedade.
Palavras-chaves: geografia, homem, movimento ambiental, natureza, epistemologia, sociedades e capitalismo.
Resume
The article analyzes the relationship of human
society with nature (or environment) and reflects on the contradictions of the
environmental discourse that is in vogue in society. Initially, discuss
conceptual topics such as the meaning of the nature of concepts, human, ecology
and the environment, concluding that the relations of production methods are
crucial for shaping the concept of nature and human being. All human societies
interfere in nature, but this intensity will vary according to the specific
interests of production companies. Capitalist society is more consumerist and
therefore interfere more about nature than other companies. Through the
analysis of reports and environmental documents, reflections will be pointed
out the contradictions of the discourse of environmental movements, which were
appropriated by the capitalist society, becoming opportunist and depoliticized.
We conclude that it is necessary for the construction of a new concept of
nature, ie, a new relationship between society and nature that is less
predatory and consumerist, but this will not happen under capitalism but in its
denial and building a new society.
Keywords: geography, human,
environmental movement, nature, epistemology, societies, capitalism.
Resumen
El artículo analiza la relación de la sociedad
humana con la naturaleza (o ambiente) y reflexiona sobre las contradicciones
del discurso ambiental que está de moda en la sociedad. Inicialmente, discutir
temas conceptuales tales como el significado de la naturaleza de los conceptos,
humana, la ecología y el medio ambiente, llegando a la conclusión de que las
relaciones de los métodos de producción son cruciales para dar forma al
concepto de la naturaleza y el ser humano. Todas las sociedades humanas
interfieren en la naturaleza, pero esta intensidad variarán de acuerdo con los
intereses específicos de las empresas de producción. La sociedad capitalista es
más consumista y por lo tanto interfiere más sobre la naturaleza de otras
empresas. A través del análisis de los informes y documentos ambientales,
reflexiones se señalaron las contradicciones del discurso de los movimientos
ecologistas, que fueron apropiados por la sociedad capitalista, convirtiéndose
oportunista y despolitizado. Llegamos a la conclusión de que es necesario para
la construcción de un nuevo concepto de la naturaleza, es decir, una nueva
relación entre la sociedad y la naturaleza que es menos depredador y
consumista, pero esto no va a pasar en el capitalismo sino en su negación y la
construcción una nueva sociedad.
Palabras clave : geografía, humano, movimiento
ecologista, la naturaleza, la epistemología, las sociedades, el capitalismo.
Introdução
O conceito de natureza surge a
partir do momento em que o ser humano desenvolve suas capacidades
cognitivas de produzir cultura, ou seja, à refletir sobre o fato de sua
existência (podendo ter ocorrido desde o início do Homo Sapiens Sapiens no planeta Terra à cerca de 200 mil anos) e por começar a se perceber e a se diferenciar
do restante da natureza. Isto não significando que fará do ser humano superior,
mas diferente.
Toda sociedade humana construirá
um conceito de natureza, que estará articulada com o modo de produção da
sociedade específica. É impossível o ser humano não interferir no ambiente,
pois não existe sociedade sem natureza. As sociedades interferem mais ou menos
de acordo com os seus interesses produtivos.
Já que a relação com a natureza
variará de acordo com os interesses produtivos de cada sociedade, no
capitalismo percebemos uma relação mais predatória e consumista, pois a
natureza é vista como matéria-prima e custo de produção. Já em sociedades “indígenas
tradicionais” (tais como as comunidades indígenas brasileiras), a relação é
mais harmoniosa, pois somente se retirará da natureza o necessário para a sua
sobrevivência.
Para se ter uma nova relação da
sociedade com a natureza, menos predatória e consumista, compreende-se que esta
não se dará no capitalismo, como muitos ambientalistas pensam. Somente na sua negação
e na construção de uma nova sociedade poderá, realmente, se chegar à um novo
conceito de natureza realmente “sustentável”.
De acordo
com Moreira (2006), o planeta Terra é um conjunto de partes autônomas e integradas, reunidas pela lei da gravidade (lei
da unidade do planeta ,
extensiva à unidade
do universo ). O geógrafo
Friedrich Ratzel (1844-1904), em seu livro Antropogeografia, reflete que os elementos
do planeta Terra
estão conectados:
Todos os elementos do planeta
Terra estão articulados e conectados, evidenciando quando dividimos o planeta em quatro esferas (litosfera, hidrosfera ,
atmosfera e biosfera). Estas quatro
esferas são autônomas, mas interdependentes e podemos dizer que , na articulação
destes quatro elementos ,
está fundamentado o que compreendemos como
natureza . A noosfera e a tecnosfera não
serão considerados aqui, pois são uma natureza modificada socialmente, uma
“segunda natureza”.
A fauna
e a flora (entre outros seres vivos) fazem
parte da biosfera ,
portanto , o homem
é elemento integrante
da biosfera , pois
é um “animal
racional ”, mas é uma biosfera
diferenciada. Tudo o que o homem
produz materialmente também pode ser
compreendido como natureza .
Engels (1978, p. 26) afirmou que “o homem é a natureza que toma consciência
de si mesma ”.[2]
O homem
é parte integrante
da natureza , mas
é diferente . Carvalho
assim abordou esta questão :
A natureza tem também a sua própria história ,
mas é uma história
que nós
contamos! (Carvalho , 2003: 12).
Ratzel (1914 apud Carvalho ,
1999), citado a seguir , refletiu sobre a relação
homem-natureza e as determinações naturais na vida
material do ser
humano : “A maior
parte das influências
que a natureza
exerce sobre a vida
espiritual do homem
manifesta-se por meio
das condições econômicas e sociais , as quais
são , por
sua vez ,
com elas
profundamente coligadas”. Carvalho aprofundou ainda
mais esta visão :
Portanto, o ser humano interfere
na natureza através do esforço de seu trabalho e interesses sociais, além do
que, há interferências naturais na sociedade desde o homem pré-capitalista.
Esta relação dialética de influências está mais presente e é cada vez maior na
sociedade capitalista, pois, pela natureza ser mais consumida socialmente, as
determinações naturais estão mais presentes para serem resolvidas ou adaptadas
pela sociedade capitalista.
O conceito
de “meio ambiente” envolve todas as coisas
vivas (orgânicas) e não
vivas (inorgânicas) do planeta Terra , ou seja, as “quatro
esferas ” (e a natureza )
do planeta Terra
estão nele incluídas. Este conceito foi popularizado[4]
em 1972, na Conferência
das Nações Unidas sobre
o Meio Ambiente ,
celebrada em Estocolmo: “O meio ambiente é
o conjunto de componentes
físicos , químicos ,
biológicos e sociais capazes de causar efeitos diretos
ou indiretos ,
em um
prazo curto
ou longo ,
sobre os seres
vivos e as atividades
humanas”.[5] Esta
concepção pode passar a impressão que o “meio ambiente” é algo que dá suporte à
vida humana e não que esta participa ou se relaciona com ela, pois a natureza
não é submissa ao ser humano, mas influencia nas dinâmicas sociais.
Segundo Moreira (2004-a, p. 30), a ideia de meio ambiente também foi uma reivindicação
dos Estados nacionais
viventes sob
o modo de produção
da sociedade capitalista :
“Arrastados pelos respectivos
Estados nacionais ,
os cientistas reorientam sua ótica de natureza , passando a vê-la como
meio ambiente ,
assim surgindo os estudos
que vinculam natureza
e território ”.
Rodrigues (2005) criticou esta
ideia, pois ela
separaria o meio externo
do homem , retirando a sociedade
de suas análises .
A noção de ambiente
teria que ser
repensada sem o “meio ”
antes de “ambiente ”.
O meio ambiente ,
assim , vira
bem comum e
esconde as relações sociais .
Santos também
fez sobre isso
uma crítica :
O conceito
de meio ambiente
foi inspirado no conceito de ecologia , que
surgiu com o zoólogo
Ernest Haeckel (1834-1919), e tentou integrar
e superar a dicotomia
homem-natureza. Segundo Moreira (2006),
Haeckel, com sua
concepção ecológica
que propunha realizar
uma explicação holista [6]
de universo , referenciou o processo de síntese
da vida por
meio da integração
entre o orgânico
e o inorgânico .
Tricart (1977, p. 17) alertou que os debates ecológicos ressurgiram em
1934, com Tansley, que
teria sistematizado o conceito de ecossistema (surgido no século
XVIII com o raciocínio
da “termodinâmica ”) como
“um conjunto
de seres vivos
mutuamente dependentes uns dos outros e do meio
ambiente no qual
vivem”.
É importante
ressaltar que
o conceito de ecologia
de Haeckel é diferente do conceito de ecologia de
Ratzel. Segundo Carvalho
(1999[7]),
a ecologia de Ratzel “se distingue, no entanto , e desde
o início , da perspectiva
biologista, ao direcionar os esforços
de suas preocupações
no sentido da compreensão
das dinâmicas humanas”, em que estas
“apresentam as particularidades de desfrutar um certo grau de liberdade e também
de ascendência sobre
as demais ”.[8]
Portanto , a ecologia
ratzeliana “se recusa a desvincular a dinâmica que
preside as particularidades da geografia dos homens
dos outros universos
de conexões que
envolvem todas as formas de vida presentes
no planeta ”.
A natureza
enquanto natureza ,
quer dizer ,
na medida que
ainda se distingue do seu sentido secreto , nela oculto ,
a natureza separada e distinta destas abstrações ,
é nada , um
nada que
se comprova como nada ,
encontra-se desprovida de sentido ou tem apenas o sentido
de uma exterioridade , que foi ab-rogado.[9]
Portanto, podemos afirmar que “sem natureza não há sociedade e sem sociedade não há natureza ”[11]. Sem sociedade , não há natureza ,
porque foi o ser
humano que
deu nome aos objetos
do mundo (seja um
cachorro , árvore ,
montanha ou
rio ). A natureza
é um elemento
concreto do mundo ,
sendo também o palco
dos acontecimentos . Natureza
também é um
conceito , uma construção
humana e social .
Portanto , natureza
é um conceito
social e sem sociedade
não pode haver
a idéia de natureza.
É equivocada e absurda a afirmação
de que o ser humano “não pode interferir na natureza”. Ele
sempre irá interferir, só que com menor ou maior intensidade , de acordo
com o modo
de produção das sociedades .
Sem natureza não há sociedade ,
porque toda
sociedade necessita da natureza
para sobreviver , pois o homem bebe
água (hidrosfera), se alimenta de biosfera, respira (afetando a atmosfera),
utiliza roupas (cuja matéria-prima foi extraída da biosfera ou da litosfera),
constrói sua vivência sobre a litosfera, etc.
Tricart (1997) refletiu que a utilização de natureza pelas sociedades
é tão antiga
quanto a “existência
do gênero humano
sobre a Terra ”,
mas o ser humano tem se apropriado
mais da natureza na sociedade capitalista (pós-Revolução Industrial ).
A passagem abaixo
diz que os temas ambientalistas e de “qualidade de vida” inevitavelmente estão
mais presentes na sociedade capitalista, pois
esta interfere mais no “meio ambiente”:
Os recursos ecológicos são
os elementos do meio
ambiente necessários
à vida animal
do homem , ou
seja, ao metabolismo de seu organismo : alimentos , fornecidos pelas plantas
e pelos animais ,
água , ar .
Podem chamar-se recursos básicos , por
serem estritamente indispensáveis .
Um homem
pode viver sem
aço ou
sem petróleo ,
mas não
sem água ,
sem ar ,
sem alimento .
Isto é evidente .
Mas , infelizmente ,
é frequente a instalação de fábricas que
destroem o meio ambiente
e tornam a vida humana
quase impossível ,
para antender a uma finalidade
apenas econômica .
Como resultado ,
a opinião pública
se tornou inquieta, reagindo e levantando problemas
de “qualidade de vida ”,
de poluição e defesa
do meio ambiente
(Tricart,
1977: 15).
Portanto, o ser humano sempre interferirá na
natureza, variando o grau desta de acordo com interesses sociais.
A sociedade capitalista reconhece a natureza
como sendo algo
“além do homem ”,
como plantas ,
outros animais ,
rochas , relevos ,
atmosfera , ambientes
etc. Segundo Carvalho ,
(...) o senso comum nos diz que natural é aquilo que não é artificial ,
ou , em
várias outras palavras , natural é o que
a natureza fez, e só
ela , e artificial
é o que o homem
fez, mesmo que
com ajuda
ou com
os recursos da própria
natureza (Carvalho ,
2003: 9).
A cultura
determina a forma com
que as pessoas
se relacionam com a natureza .
Estudar o conceito de natureza é estudar a
sociedade e este é determinante nas relações sociais .
Toda a sociedade
tem um modo
de produção (a forma com que a sociedade se organiza produtivamente ).
Toda sociedade
cria a sua
cultura , os seus
conceitos e ideias em
relação ao mundo .
Isto significa que
a cultura é um
reflexo do modo
de produção das sociedades ,
o espaço-temporalidade em que se constituiu esta sociedade .
O modo de produção
de determinada sociedade
(junto com
a sua cultura )
determinará a forma com
que as pessoas
se relacionam com a natureza .
(...) a definição ou a conceituação
do que seja natureza
depende da percepção que temos dela, de nós
próprios , e, portanto ,
da finalidade que
daremos para ela ,
isto é, depende das formas
e objetivos de nossa
convivência social . (...) [Os
conceitos de natureza] foram múltiplos
nas várias sociedades que ao longo da
história os homens
constituíram.
(...) a história da natureza
é também a história
dos próprios homens ,
já que
estes não
se relacionam com a natureza
ou a conhecem de uma maneira abstrata
e genérica , mas
segundo as necessidades
impostas pelo relacionamento que
mantêm entre si
(Carvalho , 2003: 22).
Ratzel (1914, apud Carvalho , 1999)
fez uma importante reflexão
sobre a relação
sociedade e natureza :
O conceito
de natureza é um
reflexo das sociedades ,
variando de acordo com
o modo de produção
destas. Numa sociedade de base
rural (como
a indígena ou
a grega clássica ),
o conceito de natureza
será diferente daquele da sociedade
capitalista . No modo
de produção primitivo
(indígena tradicional), temos uma integração
homem e natureza ,
com uma visão
não predatória
do homem em
relação à natureza ,
ou seja, não
há uma distinção entre
o mundo natural
e o mundo social .
Carvalho (2003, p. 13) afirmou que , nas sociedades
primitivas, “a natureza nem sequer era reconhecida enquanto
algo distinto
do agrupamento humano ,
uma vez que
se confundia com o próprio
espaço de vida
desse agrupamento ”.
Essa harmonia
socioespacial assim estabelecida era , desse modo ,
respeitosa frente
à natureza herdada, no processo
de criação de uma nova
natureza . Produzindo-a, a sociedade
territorial produzia, também , uma série
de normas territoriais ,
cuja preocupação
era preservar
o meio de vida ,
para salvaguardar a
continuidade do processo . Exemplos
disso são , entre
outros , o pousio ,
a rotação de terras ,
a agricultura itinerante ,
que são ,
ao mesmo tempo ,
regras sociais
e regras territoriais ,
tendentes a conciliar
o uso e a “conservação ”
da natureza : para
ser , outra vez , utilizada. Esses
sistemas técnicos
sem objetos
técnicos , não
eram, pois , agressivos ,
pelo fato de
serem indissociáveis em relação à natureza que , em sua operação , ajudavam a se reconstituir .
(...)
Na fase atual , momento em que a economia
se tornou mundializada, adotando um único modelo técnico , a natureza
se viu unificada. Suas diversas frações são postas ao alcance dos mais diversos capitais , que
as individualizam, hierarquizando-as segundo
lógicas com
escalas diversas. A uma escala mundial corresponde uma lógica
mundial que , nesse nível ,
guia os investimentos ,
a circulação de riquezas ,
a distribuição de mercadorias .
Porém , cada
lugar é o ponto
de encontro de lógicas
que trabalham em
diferentes escalas ,
reveladoras de níveis diversos , às vezes ,
contrastantes na busca de eficácia e de lucro no uso das tecnologias ,
do capital e do trabalho .
Trata-se de uma natureza unificada pela história a
serviço dos atores
hegemônicos , onde
a técnica passou a ser
mediação fundamental do homem com seu entorno.
Ao falarmos em meio ambiente , portanto ,
temos que entender ,
antes de mais
nada , a formação
desse meio técnico
que , hoje ,
é passível de ser apreendido na relação
do lugar com
o mundo , posto
que a técnica
é a base de realização
da mundialidade como totalidade
empírica [13] e esta só é alcançada através
dos lugares , na medida
em que
os lugares exprimem a funcionalização do
mundo .
(...)
A busca
de mais-valia ao nível global faz com que a sede primeira do impulso produtivo (que
é também destrutivo ,
para usar uma expressão de J. Brunhes) seja apátrida ,
extraterritorial , indiferente
às realidades locais
ou , vamos dizer
assim , às realidades
ambientais.
[...]
cada época histórica cria sua própria concepção de natureza ,
uma vez que
toda época é
orientada pela concepção
de natureza que
melhor se vincula às necessidades culturais do melhor
relacionamento dos homens com o seu mundo . A concepção
de natureza atual
é a que nasce relacionada ao projeto histórico
da construção da base
material , técnica ,
do capitalismo . Evoluindo, sem mudar sua substância (Moreira, 2004-a: 31).
[...] numa palavra , o animal apenas
utiliza a natureza exterior
e provoca nela modificações apenas pela sua presença ; por seu lado , o homem transforma-a para que ela siga
aos seus fins ;
domina-a, e é nisto que consiste a última diferença
entre o homem
e os animais ; tal
diferença , deve-a o homem ,
mais uma vez ,
ao trabalho (Engels, 1978: 182).
Gonçalves (2000, p. 25)
afirmou que , em
nossa sociedade ,
natureza se opõe a cultura ,
pois “a cultura
é tomada como
algo superior
e que conseguiu controlar
e dominar a natureza ”.
Já que o ser humano
surgiu como negação
da natureza, concordamos que
[...] a história do homem
sobre a Terra
é a história de uma ruptura
progressiva entre
o homem e o entorno. Esse processo se acelera quando , praticamente ao mesmo
tempo , o homem
se descobre como indivíduo
e inicia a mecanização do planeta ,
armando-se de novos instrumentos
para tentar dominá-lo. A natureza artificializada marca
uma grande mudança
na história humana
da natureza . Agora ,
com uma tecnociência, alcançamos o estágio supremo
dessa evolução (Santos ,
2005: 141-142).[14]
Harvey (2004) citou Marx e
Engels, em O capital (1967, p. 177-178),
para diferenciar o homem da natureza ,
dando valor à consciência
nos seus
atos e no trabalho :
O homem ,
ao se diferenciar da natureza
pelo trabalho , começou a interferir nela, e, segundo
Altvater (2006, p. 333), pelo trabalho ,
ele a transformará em
uma nova natureza
– uma natureza “humanizada”:
[...] ao aplicar
as leis da natureza
ao processo de trabalho ,
o homem transforma a natureza em uma
natureza feita
pelo homem ,
“humanizada”, que ao principio de cada processo produtivo é utilizado e, terminado o consumo do produto ,
recebe os restos produzidos (Altvater,
2006: 333).
Moreira ressaltou que o homem se
diferencia da natureza pela sua capacidade de construir cultura , de ser
sujeito-objeto de sua história e de “conjurar ser com existir ”:
[...] a evolução biológica da humanidade
difere da evolução biológica dos demais animais precisamente porque
os homens são
os sujeitos e objetos
de sua história .
É este o grande
salto qualitativo
que se verifica na evolução
natural das espécies :
o de que um
animal chamado homem
adquire, por decorrência
dessa própria evolução ,
o poder de construir-se construindo sua cultura , o poder de conjugar ser
com existir (Moreira,
2004-a: 99).
É importante que
se faça uma reflexão sobre
o “ser ” de nossa
espécie . Cada
espécie vive em
seu próprio mundo sensorial .
Harvey (2004, p. 272) lembrou que o ser humano é um ser sensorial
“em relação
metabólica com
o mundo que
nos cerca .
Alteramos esse mundo
e, ao fazê-lo, alteramos a nós mesmos mediante
nossas atividades e labores ”.
E assim concluiu esta reflexão :
[...] Somos uma espécie como
todas as que há na Terra ,
dotada, como elas ,
de capacidades e potencialidades
específicas que são
empregadas com
vistas a modificar
ambientes de maneiras
que levem à nossas próprias sobrevivência e reprodução .
Nisso não diferimos de todas as outras espécies (como
as térmitas, as abelhas e os castores ) que
modificam seu ambiente
ao mesmo tempo
em que
aprofundam sua adaptação
aos ambientes que
elas mesmas ajudam a construir
(ibidem ).
[...]
o bipedismo abre o caminho que conduz ao homo sapiens: a posição de pé liberta a mão ;
a mão liberta
os maxilares ; a verticalização e a liberação dos maxilares
libertam a caixa craniana das sujeições mecânicas , abrindo assim
novos caminhos
ao processo evolutivo
(Gonçalves,
2000: 84).
Apesar de não serem consensuais
em toda a comunidade científica, perspectivas teóricas (ISTOÉ, 2009, p. 37-41) afirmam que há cerca
de 120 mil anos ,
os homo sapiens começaram um movimento
migratório, saindo da região central do continente
africano e marchando, inicialmente , para o norte da África (há 100 mil
anos ). Posteriormente, o homo sapiens irá se espalhar por outros
continentes do planeta Terra, atingindo, por último, o Chile há 12,5 mil anos (depois que o estreito de Bering ficou exposto
a baixos níveis
do mar , entre
18-10,2 mil anos ).
O consumo de carne na alimentação
é responsável por
dois novos avanços importantes
e decisivos : o uso
do fogo e a domesticação
dos animais . O fogo
reduziu ainda mais
o processo digestivo ,
porque permitia levar
à boca alimento
já em
parte digerido. A domesticação
dos animais multiplicou as reservas de carne ,
por ser , ao lado da caça , mais uma nova e
regular fonte de alimentação , além
de favorecer a obtenção
do leite e seus
derivados, tão ricos
na sua composição
quanto a carne
(Engels,
1978: 179).
A caça ajudou bastante
na humanização do homem , pois
estimulou as aptidões estratégicas (a atenção , a tenacidade, a combatividade, a audácia , o engodo ,
a armadilha , a espreita ),
a organização coletiva
e a solidariedade , a produção
coletiva e a organização
econômica etc. Com
a revolução agrícola
do período neolítico ,
temos o surgimento da prática
da agricultura , fazendo o homem
sair de sua condição de caçador-coletor para
a de cultivador. A prática da agricultura
revolucionou os modos de vida e de produção das sociedades , pois o homem se tornou sedentário ,
não mais
nômade .
ISTOÉ (2009, p. 345) nos mostra que
a primeira atividade
agrícola ocorreu à cerca de 10 mil anos,
em certos
lugares privilegiados da
Sírio-Palestina, do sul da Anatólia e do norte da Mesopotâmia. Aos poucos a revolução agrícola
já tinha atingido a Península
Ibérica e grande
parte da Europa. Engels (1978, p. 180) diz que com
a prática da agricultura ,
tivemos o surgimento de outras relações de trabalho, tais
como a fiação ,
a tecelagem , o trabalho
dos metais , a olaria e a navegação .
Do mesmo jeito que ocorre com a
discussão da natureza ,
as sociedades também
compreendem o homem de acordo com suas necessidades
e seu modo
de produção . Nesse sentido , Moreira (2004-a,
p. 49) afirmou que a “concepção de homem
de nossa cultura
corrente é a que
se assentou a partir do pacto
feito entre
ciência e filosofia ”,
nos séculos
entre o Renascimento e o Iluminismo . Esta é uma idéia de ser humano nascido da “exclusão
da noção de natureza
como coisa
física”. O ser humano estaria fora da natureza e também da sociedade ,
cuja discussão
do humano está apropriada
pelo pragmatismo da ideia
de população da teoria
econômica neoclássica.
O pacto
(do Renascimento ) entre
filosofia , religião
e ciência , apoiado nas ideias de Descartes (que
separavam corpo e mente ),
gerou a noção de mundos
físico e metafísico .
A natureza seria função
da física , e o homem
seria da metafísica , com o corpo
derivando entre um
campo e outro .
Moreira abordará como o capitalismo modificou a relação
homem-natureza:
O homem-máquina, do início da sociedade capitalista , foi convertido no
homem-força-de-trabalho. Para isto
ocorrer , o homem
teve que transformar
o tempo social
em tempo
técnico (com
a pontualidade do relógio ). Segundo Moreira (2004-a, p. 52), o tempo das sociedades
não-capitalistas é concebido como tendo
a ritmicidade própria do movimento das coisas ,
“marcado pelo movimento
do dia e das noites
e das sazonalidades das estações do ano ”. Já o tempo da sociedade capitalista é artificial
e técnico , um
“tempo do relógio ”,
que organiza “o ritmo
e o tempo disciplinar
do trabalho da moderna
indústria ”. É um
tempo organizado para
o trabalho e a produtividade, com
o homem se transformando em custo de produção . O tempo do trabalho pautou todos
os outros tempos
sociais , em
que o “tempo
é dinheiro ”. O produto
final resultante
da produção determinada
pelo tempo do
trabalho definiu as relações
sociais e, em
particular , a divisão
de riquezas entre
as classes sociais .
Portanto , o homem-força-de-trabalho se
transformou em homem-fator-de-produção (custo de produção ).
O homem ,
na sociedade capitalista ,
está condicionado ao poder econômico .
Segundo Moreira (2004-a, p. 53), a quantidade de salário
“é a referência da medida
da quantidade de bens
e serviços a que
pode ter acesso
o homem ”. Assim ,
o homem-fator-de-produção precisou também
virar o homem-consumidor. Disto, surgiu uma preocupação social
para se estabelecer o “equilíbrio entre
o volume dos recursos
da natureza e o crescimento
do seu consumo
pelos homens ”.
O Estado precisou intervir
no ritmo do consumo ,
planificando e planejando a sociedade para
haver “equilíbrio
entre recursos
naturais e consumo
humano ”. O homem-consumidor se transformou
no homem-população.[16]
A transformação no
“homem-estatístico” foi uma apropriação reformista que tentou criar uma harmonia de classes .
Burguesia virou riqueza ,
proletariado virou pobreza ,
acumulação virou desenvolvimento-subdesenvolvimento,
contradições de classe
viraram desigualdades de renda e, enfim , desenvolvimento
desigual-combinado virou desequilíbrio regional .
A simples distribuição
de renda resolveria as desigualdades de classe .
A falácia do conceito de desenvolvimento
sustentável e as contradições
do movimento ambientalista
Temos de integrar
o homem à natureza ,
mas também
temos de saber diferenciá-lo na natureza .
Como já
foi dito anteriormente , “o homem é a natureza
que toma
consciência de si
mesma ”. Isto significa que o homem tem
de ser integrado e diferenciado nela. Podemos também afirmar , com Bluwol (2009, p. 44), que
“quando
um homem
explora outro homem ,
está explorando uma parte da natureza ”.
No entanto , somente afirmar que o homem é parte integrante da natureza
é insuficiente , pois
esta consideração em
si não
basta , este
entendimento é um
acréscimo insignificante .
Não basta
ter “consciência
ecológica ” ou
saber que “o homem é parte integrante da natureza ”.
Esta crítica há de ser
mais estrutural do que
ideológica (retornaremos a isto no final deste tópico ).
Temos de entender qual é a nossa consciência
de noção da natureza
e ter a consciência
do conceito de natureza
da nossa sociedade para podermos criticar e superar este conceito . Segundo
Bluwol,
[...] quem destrói o seu meio ambiente é certa
parcela da humanidade
sob certa
cultura , que
gera certo conceito
de natureza , que ,
na prática , é a própria
relação desses humanos
com o resto
da natureza . Em
nosso mundo ,
essa relação pode ser
entendida como
o próprio modo
de produção capitalista
(Bluwol,
2009: 50).
O homem
sempre interferirá na natureza , pois ele necessita dela para a sua sobrevivência .
Harvey afirmou que:
[...] nossas idéias , concepções ,
visões (ou
seja, nossa “consciência ”)
se alteram em função
de cada mudança
das condições materiais
da existência e que
a forma material
de um modo
de produção dá origem
a estruturas políticas ,
institucionais e legais que aprisionam nossos
pensamentos e possibilidades de maneiras particulares
(Harvey, 2004: 266).
É
necessário que
se faça a reflexão já
debatida neste tópico . Seria equivocado achar que o ser humano deveria parar de interferir na natureza , pois isto sempre
ocorreu e sempre ocorrerá. O que deve ser questionado é a degradação
predatória e irracional
dos recursos naturais
e ambientes terrestres ,
que diminui a qualidade
de vida humana
e o equilíbrio da vida
neste planeta . Portanto ,
reafirmamos, é equivocada a ideia de que
o homem não
pode interferir na natureza ,
pois ele sempre vai interferir nela,
só que
com menor
ou maior
intensidade e de acordo
com o modo
de produção das sociedades .
Assim , de acordo
com isto ,
as sociedades podem interferir
mais ou
menos na natureza
ou conceber o
homem como
sendo superior a ela .
A sociedade capitalista
interfere mais no ambiente e concebe o homem como
sendo superior ao restante da natureza .
O ser
humano , desde
o momento em
que controlou o fogo ,
vem provocando alterações contínuas e substanciais
na atmosfera e nos
ambientes terrestres .
Entretanto , o ser
humano vivente
na sociedade capitalista
está, cada vez
mais , explorando intensivamente
os elementos da natureza
e degradando os ambientes terrestres . O capitalismo
interfere mais no ambiente, porque forma uma sociedade altamente tecnológica e consumista .
Os objetos tecnológicos
(seja um computador ,
um avião
ou uma embalagem
plástica ) demandam muito
da natureza , e o consumismo
é uma necessidade da sociedade
capitalista , já
que o consumo
rápido gira
a economia de mercado
e impossibilita riscos de crises de superprodução .
O desenvolvimento
sustentável é uma ideia que só pode surgir na sociedade capitalista , sendo incompatível
numa sociedade que
não concebe a natureza
como recurso
natural (como
a indígena tradicional). A noção de desenvolvimento sustentável
foi influenciada por preceitos neomalthusianos, portanto ,
a crítica ambientalista
traz essas fortes marcas
e carrega um ranço
“catastrofista”.
O neomalthusianismo foi
influenciado pelas concepções do economista e pastor inglês Thomas Malthus (1766-1834), que ,
preocupado com
os recursos naturais
existentes no mundo , criou uma teoria (o “princípio
da população ”) que
afirmava que a população
crescia em proporção
geométrica e a produção
de alimentos crescia em progressão aritmética . Além de possuir uma preocupação
com os recursos
naturais , Malthus fazia uma crítica à produção agrícola familiar
(que não
era tecnológica
e produzia em pequena
quantidade ), defendia o estímulo
da expansão agrícola
e tecia críticas às famílias
pobres (e a países
subdesenvolvidos ou
com o capitalismo
não desenvolvido ).[17]
As preocupações de Malthus eram
imperialistas e capitalistas , pois buscavam a expansão
das relações produtivas capitalistas e o privilégio
do império inglês .
As discussões de Malthus devem ser situadas dentro
dos debates realizados entre ele ,
David Ricardo e Adam Smith, que expressaram
divergências com
a burguesia inglesa, a partir
da segunda metade
do século XVIII, sobre
o desenvolvimento do capitalismo .[18]
(...) quando
ele aborda a população ,
estava direcionada no sentido de entender “relações sociais ”, porque
o capital se acumulava neste ou naquele ritmo ,
porque população
e capital vão
determinar uma taxa de salários ; porque
o movimento da população
pode contrabalançar a tendência
da acumulação em
fazendo baixar ou
aumentar os salários
(Oliveira , 1985: 8).
Malthus defendia a contenção da população
por meio
do retardamento na idade
dos casamentos , da abstinência
sexual e do planejamento
familiar , sendo que
esta contenção também
poderia se dar
por meio
de catástrofes naturais ,
guerras e epidemias
generalizadas. Os preceitos da teoria populacional de Malthus serão
utilizados, por muitas décadas , nas políticas
estatais , nas leituras
científicas das dinâmicas populacionais
e no senso comum
das pessoas . Esta visão
será questionada pelos preceitos marxistas
e retomada no discurso
ambientalista da década
de 1970, revestida de uma nova “capa ”, chamada agora de neomalthusiana.
A teoria
populacional marxista considerava que a própria miséria era a responsável pelo acelerado crescimento populacional. Defendia reformas de caráter socioeconômico (com políticas
estruturais) que possibilitassem a
melhoria do padrão de vida das populações
dos países subdesenvolvidos ,
pois isto
traria como consequência o planejamento familiar
espontâneo e a redução das taxas
de natalidade e de crescimento
vegetativo (tal como
ocorreu em vários
países , hoje
desenvolvidos economicamente).
Uma teoria
da população a partir
de Marx toma o movimento
de acumulação de capital
como determinante ;
este movimento
é que produz a força
de trabalho na ativa
e na reserva , e são
os movimentos da força
de trabalho que
estão no cerne das mediações entre a população
e seus estoques
(Oliveira , 1985: 19).
Segundo Oliveira (1985, p. 17), os neomalthusianistas omitiram uma importante
preocupação de Malthus, que era a de tentar compreender as relações sociais ,
ou seja, buscaram “alterar
os comportamentos reprodutivos
sem alterar
as condições de vida ”.
Eles se diferenciavam em poucas coisas
dos malthusianos, embora a preocupação das duas teorias
fosse a mesma (a defesa
do controle populacional). O
neomalthusianismo não focava na defesa de preceitos
morais para conter o crescimento
populacional, mas no controle da natalidade
por meio
do planejamento familiar .[20]
Além disso, para
os neomalthusianos, a produção de alimentos era um problema superável , haja vista
os progressos da ciência
e da tecnologia aplicados ao campo .
A sociedade
capitalista criou a ideia de desenvolvimento sustentável
para racionalizar ainda mais sua exploração
de recursos naturais
e por pensar que estava destruindo em
demasia a natureza .
Altvater (2006, p. 341-47) refletiu que
a “crise ecológica ”
e a noção de sustentabilidade surgiram a
partir do momento
em que
a sociedade capitalista
se tornou planetária , necessitando de natureza (matéria-prima ,
custos de produção )
para a realização
de capitais . Nesse sentido ,
a degradação da natureza
seria a degradação das condições gerais
de produção , em
que a sustentabilidade significaria uma racionalidade na gestão
de recursos para
não haver
esgotamento e danos para
a sociedade capitalista .
A noção
de desenvolvimento sustentável
começou a ser formatada na primeira
Conferência Mundial das Nações Unidas sobre
o Meio Ambiente ,
em 1972, e surgiu para
se opor ao Clube
de Roma, formado em 1968, que afirmava que
a Terra tinha
recursos naturais
limitados, e, como solução
para este problema , defendia o controle
da natalidade e do crescimento
econômico dos países
pobres . As premissas
do Clube de Roma foram publicadas no relatório Os limites
do crescimento , em
1971, e foram as bases da Conferência de
Estocolmo, organizada pela ONU, em 1972. A ideologia
deste relatório pode ser
observada na seguinte citação de Meadows:
Se as atuais
tendências de crescimento
da população mundial – industrialização , poluição ,
produção de alimentos
e diminuição de recursos
naturais – continuarem imutáveis , os limites
de crescimento neste planeta serão
alcançados algum dia
dentro dos próximos
cem anos .
O resultado mais
provável será um
declínio súbito e incontrolável , tanto
da população quanto
da capacidade industrial .
É possível
modificar essas tendências
de crescimento e formar
uma condição de estabilidade
ecológica e econômica
que se possa manter
até um
futuro remoto .
O estado de equilíbrio
global poderá ser
planejado de tal modo
que as necessidades
materiais básicas de cada pessoa na Terra sejam satisfeitas, e que
cada pessoa
tenha igual oportunidade
de realizar seu
potencial humano
individual .
Se a população
do mundo decidir
empenhar-se em obter
esse segundo
resultado , em
vez de lutar
pelo primeiro , quanto mais cedo ela começar a trabalhar para alcançá-lo, maiores
serão suas
possibilidades de êxito (Meadows, 1973:
19).
Estas ideias elitistas e preconceituosas foram amenizadas no relatório Nosso futuro comum ,
publicado pela Comissão
Mundial sobre o Meio
Ambiente e Desenvolvimento ,
em 1987, ao afirmar
que não
eram os países pobres
os maiores responsáveis
pela devastação
do planeta , mas
os países mais
ricos , que
consumiam mais recursos
e geravam mais poluição .
Este relatório
foi assinado pelos representantes dos países , na Conferência das Nações Unidas sobre
o Meio Ambiente
e o Desenvolvimento (conhecida
como Eco-92 ou
Rio-92), em 1992, já
com nome
de Agenda 21.
A noção
de desenvolvimento sustentável
foi consagrada na Eco-92, sendo entendida como a
meta ambiental a ser
atingida pelos países ,
estando presente até
os nossos
dias . O significado
deste conceito foi assim
explicado, no relatório Nosso futuro
comum :
O desenvolvimento sustentável
é aquele que
atende às necessidades do presente
sem comprometer
a possibilidade de as gerações futuras
atenderem às suas próprias necessidades .
O conceito
de “necessidades ”, sobretudo
as necessidades essenciais
dos pobres do mundo ,
que devem receber
a máxima prioridade .
A noção
das limitações que
o estágio da tecnologia
e da organização social
impõe ao meio ambiente ,
impedindo-o de atender às necessidades
presentes e futuras.
(...) A humanidade é capaz
de tornar o desenvolvimento
sustentável (...). O conceito de desenvolvimento
sustentável tem, é claro , limites –
não limites
absolutos , mas
limitações impostas pelo
estágio atual
da tecnologia e da organização
social , no tocante
aos recursos ambientais, e pela capacidade
da biosfera de absorver
os efeitos da atividade
humana . Mas
tanto a tecnologia
quanto a organização
social podem ser
geridas e aprimoradas a fim de proporcionar uma nova
era de crescimento
econômico . Para
a comissão , a pobreza
generalizada já não
é inevitável . A pobreza
não é apenas
um mal
em si
mesma , mas ,
para haver um desenvolvimento
sustentável , é preciso
atender às necessidades
básicas de todos e dar
a todos a oportunidade
de realizar suas
aspirações de uma vida
melhor . Um
mundo onde
a pobreza é endêmica estará sempre sujeito a catástrofes , ecológicas ou
de outra natureza
(Comissão Mundial sobre
Meio Ambiente
e Desenvolvimento , 1991: 46).
Os ideais
do ambientalismo se utilizam, o tempo todo , de ideais do neomalthusianismo, pois
se preocupam com a Divisão
Internacional do Trabalho
(DIT), ao pregarem que se deve conter o crescimento econômico e populacional dos países
(principalmente , os subdesenvolvidos
e os emergentes /em
desenvolvimento ) e de se racionalizar
a produção . Isto
estava expresso nos
preceitos discutidos no Clube de Roma, na Conferência
de Estocolmo de 1972 e na Conferência de
Copenhague de 2009 (que foi extremamente conservadora, e retomou as concepções do relatório
Os limites
do crescimento e da Conferência de Estocolmo).
O ideário de desenvolvimento sustentável
tentou superar as contradições
ambientais da sociedade capitalista
e dos relatórios elitistas
anteriores , mas ,
na realidade , nunca
conseguiu atingir este
objetivo , porque
não era
de sua essência
e só se preocupava em
fazer críticas
ideológicas (e não estruturais). Por mais que estes ideais tentassem ser
aprofundados, em relatórios
da ONU (como o IPCC, o CDB e o IPBES),[21]
nunca ficou claro
como colocar em prática a
sustentabilidade, que , como compreendemos, nunca
será aplicada integralmente , numa sociedade capitalista .
Rodrigues não
concorda que desenvolvimento
sustentável seja um
conceito , mas
um termo
ou “um
ideário que oculta as causas e as consequências da problemática
ambiental”:
O termo
“desenvolvimento sustentável ”
não é um
conceito , mas
uma idéia que
pretende encontrar soluções
para problemas
de esgotamento, poluição das riquezas
naturais , num futuro ...
Idéia genérica
que abstrai a realidade ,
oculta a complexidade, a reflexividade do modo
de produção de mercadorias ,
cria uma espessa
cortina de fumaça
sobre a apropriação
dos territórios , a existência
de classes sociais ,
dificulta a análise crítica
(Rodrigues, 2005: 93).
Rodrigues (2005, p. 96-97), afirmou
que o ideário de desenvolvimento
sustentável é alienante, pois mantém o modo de
produção capitalista
e atribui os problemas ambientais aos desvios do “modelo ” de cada país .
(...) o discurso
ecológico tem substituído o espaço concreto
da prática social
do vivido , aquele
de habitar no sentido
amplo ... Passa-se do vivido ao abstrato
para projetar essa abstração no nível do vivido . Neste sentido ,
a natureza vira
signo , e torna-se estratégica
e política.
A sociedade
capitalista realiza um
deslocamento discursivo dos termos “matérias-primas e energia ”
para “recursos
naturais ”. Rodrigues (2005) não concorda com
este último , pois caracteriza os elementos
da natureza como
mercadoria , preferindo utilizar
“riqueza natural ”.[22]
Temos, portanto , vários
equívocos advindos do ideário de desenvolvimento sustentável .
Em vez
de se falar em
classes sociais ,
fala-se em “geração
presente ” e “geração
futura ”. A luta
de classes transforma a luta por direitos individuais .
Não dá para se
pensar em geração futura sem fazer com que a geração presente se
aproprie das riquezas da sociedade .
Diz-se que a utilização
de novas tecnologias
irá proporcionar o desenvolvimento
sustentável , mas
não se diz quais
seriam estas tecnologias “adequadas”.
Os ecocapitalistas também perceberam que
a sustentabilidade é um rentável nicho
de mercado . Concordamos com Rodrigues, quando
afirmou que:
(...) a aceitação
do desenvolvimento sustentável
implica impor regras
de controle , usar
novas tecnologias ,
obter certificados
de uso racional
de recursos (ISOS), de controle de resíduos
e, sobretudo , permitir a
continuidade de reprodução ampliada do capital , conferindo-lhes legitimidade
para a concorrência
com outras empresas
“que não
contribuem para a preservação
do meio ambiente ”,
não tem o certificado
ambiental (Rodrigues, 2005: 100).
A concepção
de desenvolvimento sustentável
é insustentável , nunca
ocorrerá numa sociedade capitalista ,
e o indígena não
precisa de seu
ideário, porque isto
já faz parte
de sua existência .
Impossível , no capitalismo ,
desenvolver sem
destruir (apenas
mantendo as coisas ).
A maioria dos movimentos
ambientalistas está equivocada em sua crítica , mas muitos deles possuem vínculos
estreitos com
o modo de produção
capitalista , como
podemos ver em
Bluwol:
É fácil
observar que grande parte
dos movimentos ambientalistas
não é contra
o modo capitalista
de produção , e muitos
são até
parceiros , tendo apoio
da chamada iniciativa
privada , ou
seja, as empresas capitalistas .
Isso se dá, pois
a principal luta
deles é a conservação dos recursos
naturais que
servem de matéria-prima para
estas indústrias . Natureza ,
para estes movimentos e indústrias ,
é apenas uma fornecedora de matéria-prima e, portanto ,
deve-se conservá-la minimamente. (...) Esses
movimentos podem ser
chamados de “capitalismo verde ”, e são , infelizmente , a esmagadora maioria
dos movimentos ditos
“ambientalistas ” ou
“ecológicos ”, ao menos
dos que possuem acesso
ao grande público ,
principalmente no que
diz respeito à veiculação
de suas idéias
nas grandes mídias ,
com o apoio financeiro da iniciativa
privada ou do
próprio governo
estatal , que ,
logicamente, também possui seus interesses
capitalistas na exploração
de seu território
e de seus habitantes
(Bluwol, 2009: 59-60).
A raiz do problema
não é somente
a dicotomia homem-natureza (até porque ela é realizada, como
vimos, desde o momento em que o homem se
diferenciou da natureza, ao ser
uma natureza que
tomou consciência de si próprio), mas a relação social ,
ou seja, o modo
de produção capitalista .
A crítica a isto ,
portanto , tem de ser
mais estrutural do que
ideológica. Carvalho , abaixo , explicitou e diferenciou a crítica estrutural da crítica
ideológica (principalmente , daquelas
alienadas):
(...) De um lado , uns
questionam o próprio modo
de produção , responsabilizando-o pelo
desastre , acenando com
novos parâmetros
para os cálculos
econômicos (que
não sejam os do consumismo
e acumulação ), cobrando dos homens uma nova
concepção no trato
com a natureza ,
isto é, um
novo arranjo econômico . De outro
lado , vêm aqueles
que propõem verdadeiras “comunhões ” classistas para despertar o “inconsciente ecológico ” que
dormia no “bicho-homem” e, assim , todo mundo ganha o seu quinhão de responsabilidade
num processo secular de destruição de um
patrimônio que ,
para muitos , apenas significa sobrevivência
e, para uns poucos ,
supervivência (Carvalho , 1986: 48).
Considerações finais
Moreira (2006) afirmou que a biologia ,
a ecologia e a geografia
têm tratado o homem
exclusivamente como
espécie biológica (ou
como um
“complexo físico-químico-biológico”), não levando em conta a especificidade e a complexidade desta discussão ,
desconsiderando o homem como sendo parte
integrante da natureza .
Concordamos com
este autor ,
quando ele
assegurou que a visão
dicotomizada entre homem
e natureza , na ciência
geográfica , persiste até os nossos dias . Como foi dito , a física
relativista e o pensamento quântico abriram
o debate dos rumos
do conceito de natureza
e da geografia física ,
na ciência geográfica .
Temos, portanto , novos
paradigmas na ciência
moderna , que
possibilitam conceber os conceitos
de natureza e sociedade
de uma maneira mais
unitária .
O capitalismo
está em crise porque interfere demais no
ambiente, pois é uma sociedade altamente
tecnológica e consumista .
A crise ecológica
é uma crise da sociedade
capitalista e só se extinguirá pela extinção
do modo de produção
capitalista . Por
isso , concordamos com
Carvalho , quando
defendeu que:
(...) os homens possam ser sujeitos de si mesmos , num mundo
onde todos
os componentes tenham direito a desenvolver suas alteridades ;
portanto , bastante
diferente daqueles mundos
conhecidos , onde
a ausência de liberdade
e a não satisfação
das necessidades transforma-nos em objetos ou sujeitos dos
outros (Carvalho ,
2003: 82).
Criar um novo
conceito de natureza
significa criar uma nova
sociedade , pois , ao se mudar sociedades , os pensamentos e os conceitos
terão de ser modificados. Portanto ,
os modismos de desenvolvimento sustentável
ou da Agenda 21 existem para despolitizar o debate , estando eles
ligados à agenda política
do Banco Mundial. Na Agenda 21, temos a idéia de que a preservação e a conservação
dos recursos naturais
poderão provocar a inclusão
social . Isto
é uma falácia , pois
uma inclusão “de fato ”
somente ocorrerá com
a extirpação do modo
de produção capitalista .
Somente com o
fim da sociedade
capitalista , poderemos construir
conceitos de natureza e de ser humano
realmente sustentável, um conceito que mais se coaduna com
um tipo
de mundo que
queremos construir ou
preservar .
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[1] Citação de F.
Ratzel (Antropogeografia, 1914, p. 1) presente no artigo de Carvalho (1999, edição
virtual em http://www.ub.edu/geocrit/sn-34.htm).
[2] Esta frase foi creditada ao
geógrafo francês
Èlisée Reclus (1830-1905), no livro O homem
e a Terra (publicado postumamente em 1906), mas
cremos que tenha sido, originalmente , escrita por F. Engels, no livro
Dialética da natureza
(publicado de maneira inacabada em 1883).
[3] As duas passagens de Ratzel
foram retiradas do artigo
de Carvalho (1999, edição virtual em http://www.ub.edu/geocrit/sn-34.htm),
estando presentes no livro Antropogeografia
(1914, p. 60 e 62).
[4] O conceito de meio ambiente
apareceu, inicialmente , no livro-manifesto Silent
spring (Primavera silenciosa ),
de Rachel Carson, considerado como um dos iniciadores do movimento
ambientalista .
[5] Pode ser encontrado nos seguintes sites : http://www.unep.org/Documents.Multilingual/Default .asp?DocumentID=97&ArticleID=1503&l=en ou
http://www.onu.org.br/a-onu-em-acao/a-onu-e-o-meio-ambiente/ ou http://www.vitaecivilis.org.br/anexos /Declaracao_Estocolmo_1972.pdf.
[6] Holos, em grego ,
significa total e inteiro .
[7] Edição virtual em http://www.ub.edu/geocrit/sn-34.htm.
[8] Esta passagem
de Ratzel, retirada do artigo
de Carvalho (1999), refletiu sobre as influências
e determinações entre
homem-natureza: “Em verdade ,
na história desta evolução ,
as plantas influenciaram as plantas , os animais
influenciaram os animais , e estes aquelas e vice-versa ;
mas nenhum
outro organismo
exerceu uma influência tão
ampla e extensa
sobre os outros
seres como
fez o homem , transformando de maneira muito profunda a fisionomia
da vida na Terra ”.
[9] Marx, Karl. Manuscritos econômico-filosóficos. Lisboa: Edições 70, 1989.
[10] Georg Lukács em “As bases
ontológicas do pensamento e da atividade do homem ”
(Revista Temas , nº 4. São Paulo, 1978) e “Vários
autores – conversando com Lukács” (Ed. Paz
e Terra . Rio de Janeiro , 1969).
[11] Frase dita pelo professor Élvio Martins Rodrigues em uma aula na
pós-graduação em “Ensino de Geografia” na PUC-SP (2010).
[12] Essa citação
de Ratzel foi retirada do artigo
de Carvalho (1999, edição virtual em http://www.ub.edu/geocrit/sn-34.htm),
estando presente no livro
Antropogeografia (1914, p. 91-92).
[13] Concepção também vista em Santos ,
Mílton (Espaço e método .
São Paulo, Nobel, 1985).
[14] Ideia também
contida em Santos ,
Mílton (Técnica , espaço
e tempo . Globalização
e meio técnico-científico-informacional.
São Paulo, Hucitec, 1994, p. 16).
[15]
Originalmente estas
informações estão publicadas em “LUHR,
James F. (Editor-in-chief); SMITHSONIAN INSTITUTION. Earth. London: Dorling Kindersley, 2008”.
[16] Segundo Moreira (2004-a), a ideia de homem-população
tem origem em
Malthus (teoria da desproporção
do crescimento humano
para a produção de alimentos , tendo em
vista os limites
dos solos agricultáveis na natureza ).
[17] Apesar de demonstrar
um preconceito
em relação
à pobreza , Malthus foi um dos primeiros
cientistas a relacionar
a taxa de mortalidade
com salários
e à condição de vida
das pessoas .
[18] Smith representava os interesses
da burguesia mercantil ;
Ricardo, os interesses da burguesia industrial
(que teria hegemonia
na sociedade ); e Malthus, os interesses
da burguesia rural
(afetada pelas burguesias
mercantil e industrial ).
[19] Na sociedade capitalista ,
o “exército industrial
de reserva ” era
forjado para o rebaixamento de salários ,
sendo o “núcleo regente
da dinâmica populacional no modo de produção capitalista ”. Este
exército estava ligado ao número de desempregados, que
foram desterritorializados no processo de êxodo rural e que estavam
desempregados devido ao maior número de
equipamentos-máquinas nas empresas . Nas crises do capital ,
este exército
era ampliado e os salários
eram rebaixados, assim como , nas épocas
de recuperação-prosperidade, ele era reduzido e os salários
aumentados. No modo de produção
capitalista , a população
era regida por
esta lógica .
[20] Segundo Oliveira (1985, p. 16), Malthus “confiava muito mais no próprio ajustamento entre
salários e condições
de vida como
meio de controlar
a expansão da população ,
e menos na possibilidade de controle e planejamento
social dos usos ,
costumes e tradições ”.
[21] IPCC é a sigla
(em inglês )
de Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas; CDB, de Convenção sobre
Diversidade Biológica (assinada durante a Eco-92); e IPBES (em
inglês ), de Painel Intergovernamental de Políticas
Científicas sobre Biodiversidade
e Ecossistema .
[22] Rodrigues (2005) reproduziu o pensamento
da cientista Vandana Shiva, que afirmou que
as riquezas naturais
não são
contabilizadas na economia de uma maneira correta ,
pois só se leva em consideração o preço
e o valor de mercado ,
desconsiderando o valor em si (o tempo de formação
dos objetos naturais ,
sua importância
ambiental-local etc.).
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