Total de visualizações de página

sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012

Artigo - UMA ANÁLISE DO CONCEITO DE NATUREZA DAS SOCIEDADES E UMA CRÍTICA AO REFORMISMO DOS MOVIMENTOS AMBIENTALISTAS


Artigo que eu fiz e que foi publicado na Revista "Terra Livre" nº 41 da AGB.
____


“Uma análise do conceito de natureza das sociedades e uma crítica ao reformismo dos movimentos ambientalistas”

“An analysis of the concept of nature of societies and a critique of reformism of environmental movements”

“Un análisis de la concepción de la naturaleza de las sociedades y una crítica del reformismo de los movimientos ambientales”

Wladimir Jansen Ferreira
Graduado em Licenciatura e Bacharelado pela PUC-SP, Pós-Graduação em “Ensino de Geografia” pela PUC-SP. Professor nas redes estadual de São Paulo e municipal de São Paulo – wladimir_tristao@yahoo.com.br


Resumo
O artigo analisa a relação das sociedades humanas com a natureza (ou ambiente) e reflete sobre as contradições do discurso ambientalista que está em voga na sociedade. Inicialmente, debaterá temas conceituais, como o significado dos conceitos de natureza, de ser humano, de ecologia e de meio ambiente, concluindo que as relações dos modos de produção são decisivas para a conformação do conceito de natureza e de ser humano. Todas as sociedades humanas interferem na natureza, mas a intensidade desta variará de acordo com os interesses produtivos específicos das sociedades. A sociedade capitalista é a mais consumista e por esse motivo interfere mais sobre a natureza do que outras sociedades. Através da análise de relatórios e documentos ambientalistas, serão apontadas reflexões sobre as contradições dos discursos dos movimentos ambientalistas, que foram apropriados pela sociedade capitalista, tornando-se oportunista e despolitizado. Conclui-se que é necessário que a construção de um novo conceito de natureza, ou seja, uma nova relação da sociedade com a natureza que seja menos predatória e consumista, mas esta não se dará no capitalismo, mas na sua negação e na construção de uma nova sociedade.
 
Palavras-chaves: geografia, homem, movimento ambiental, natureza, epistemologia, sociedades e capitalismo.


Resume
The article analyzes the relationship of human society with nature (or environment) and reflects on the contradictions of the environmental discourse that is in vogue in society. Initially, discuss conceptual topics such as the meaning of the nature of concepts, human, ecology and the environment, concluding that the relations of production methods are crucial for shaping the concept of nature and human being. All human societies interfere in nature, but this intensity will vary according to the specific interests of production companies. Capitalist society is more consumerist and therefore interfere more about nature than other companies. Through the analysis of reports and environmental documents, reflections will be pointed out the contradictions of the discourse of environmental movements, which were appropriated by the capitalist society, becoming opportunist and depoliticized. We conclude that it is necessary for the construction of a new concept of nature, ie, a new relationship between society and nature that is less predatory and consumerist, but this will not happen under capitalism but in its denial and building a new society.
Keywords: geography, human, environmental movement, nature, epistemology, societies, capitalism.


Resumen
El artículo analiza la relación de la sociedad humana con la naturaleza (o ambiente) y reflexiona sobre las contradicciones del discurso ambiental que está de moda en la sociedad. Inicialmente, discutir temas conceptuales tales como el significado de la naturaleza de los conceptos, humana, la ecología y el medio ambiente, llegando a la conclusión de que las relaciones de los métodos de producción son cruciales para dar forma al concepto de la naturaleza y el ser humano. Todas las sociedades humanas interfieren en la naturaleza, pero esta intensidad variarán de acuerdo con los intereses específicos de las empresas de producción. La sociedad capitalista es más consumista y por lo tanto interfiere más sobre la naturaleza de otras empresas. A través del análisis de los informes y documentos ambientales, reflexiones se señalaron las contradicciones del discurso de los movimientos ecologistas, que fueron apropiados por la sociedad capitalista, convirtiéndose oportunista y despolitizado. Llegamos a la conclusión de que es necesario para la construcción de un nuevo concepto de la naturaleza, es decir, una nueva relación entre la sociedad y la naturaleza que es menos depredador y consumista, pero esto no va a pasar en el capitalismo sino en su negación y la construcción una nueva sociedad.
Palabras clave: geografía, humano, movimiento ecologista, la naturaleza, la epistemología, las sociedades, el capitalismo.


Introdução


O conceito de natureza surge a partir do momento em que o ser humano desenvolve suas capacidades cognitivas de produzir cultura, ou seja, à refletir sobre o fato de sua existência (podendo ter ocorrido desde o início do Homo Sapiens Sapiens no planeta Terra à cerca de 200 mil anos) e por começar a se perceber e a se diferenciar do restante da natureza. Isto não significando que fará do ser humano superior, mas diferente.
Toda sociedade humana construirá um conceito de natureza, que estará articulada com o modo de produção da sociedade específica. É impossível o ser humano não interferir no ambiente, pois não existe sociedade sem natureza. As sociedades interferem mais ou menos de acordo com os seus interesses produtivos.
Já que a relação com a natureza variará de acordo com os interesses produtivos de cada sociedade, no capitalismo percebemos uma relação mais predatória e consumista, pois a natureza é vista como matéria-prima e custo de produção. Já em sociedades “indígenas tradicionais” (tais como as comunidades indígenas brasileiras), a relação é mais harmoniosa, pois somente se retirará da natureza o necessário para a sua sobrevivência.
Para se ter uma nova relação da sociedade com a natureza, menos predatória e consumista, compreende-se que esta não se dará no capitalismo, como muitos ambientalistas pensam. Somente na sua negação e na construção de uma nova sociedade poderá, realmente, se chegar à um novo conceito de natureza realmente “sustentável”.

Sobre o conceito de meio ambiente, ecologia e natureza

De acordo com Moreira (2006), o planeta Terra é um conjunto de partes autônomas e integradas, reunidas pela lei da gravidade (lei da unidade do planeta, extensiva à unidade do universo). O geógrafo Friedrich Ratzel (1844-1904), em seu livro Antropogeografia, reflete que os elementos do planeta Terra estão conectados:
Nossa Terra constitui em si um único complexo graças à força da gravidade a que obedecem todos os corpos e todos os seres; e esse complexo é também conectado ao espaço externo, mantido no sistema solar pela mesma força e alimentado por aquela fonte inesgotável de força viva representada pelo Sol. Mas, todas as coisas sobre a Terra encontram-se ligadas e unidas por uma ordem de tão profunda necessidade, que a abundância de seus desenvolvimentos singulares é que permite às vezes vislumbrar a afinidade que as cimenta.[1]

Todos os elementos do planeta Terra estão articulados e conectados, evidenciando quando dividimos o planeta em quatro esferas (litosfera, hidrosfera, atmosfera e biosfera). Estas quatro esferas são autônomas, mas interdependentes e podemos dizer que, na articulação destes quatro elementos, está fundamentado o que compreendemos como natureza. A noosfera e a tecnosfera não serão considerados aqui, pois são uma natureza modificada socialmente, uma “segunda natureza”.
Segundo Carvalho (2003, p. 11), pode-se distinguir os agrupamentos na natureza em animados e inanimados, sendo que os animados “possuem como característica básica a capacidade dos conhecimentos, uma vez que, mais que presentes no mundo, nele exercem sua ação”. Os seres animados constroem sua vivência na geografia, sobre os seres inanimados, exercendo sua influência e os utilizando socialmente.
A fauna e a flora (entre outros seres vivos) fazem parte da biosfera, portanto, o homem é elemento integrante da biosfera, pois é umanimal racional”, mas é uma biosfera diferenciada. Tudo o que o homem produz materialmente também pode ser compreendido como natureza. Engels (1978, p. 26) afirmou que “o homem é a natureza que toma consciência de si mesma”.[2]
O homem é parte integrante da natureza, mas é diferente. Carvalho assim abordou esta questão:
Entre os seres vivos, o ser humano se diferencia radicalmente, pois, além da capacidade de reagir ao mundo, possui a capacidade de reflexão metódica. Suas ações apresentam um caráter de deliberação e de intencionalidade que, a despeito do maior ou menor grau de consciência que possa refletir, não encontra paralelo com nenhum outro ser do mundo animal ou vegetal. Por isso, é entre os seres humanos, ou para as sociedades humanas, que tem sentido dizer que os homens fizeram ou fazem sua própria história.
A natureza tem também a sua própria história, mas é uma história que nós contamos! (Carvalho, 2003: 12).

Ratzel (1914 apud Carvalho, 1999), citado a seguir, refletiu sobre a relação homem-natureza e as determinações naturais na vida material do ser humano: “A maior parte das influências que a natureza exerce sobre a vida espiritual do homem manifesta-se por meio das condições econômicas e sociais, as quais são, por sua vez, com elas profundamente coligadas”. Carvalho aprofundou ainda mais esta visão:
Segundo Ratzel, portanto, o homem estabelece com a natureza uma relação intermediada pelo esforço de seu trabalho e de suas ordenações sociais. Por via desse esforço, conquista-se uma aparente autonomia, mas que outra coisa não é senão a própria revelação de atributos naturais da dinâmica humana. Assim, o homem, para Ratzel, não deve ser visto apenas como parte da natureza, mas como integrante e resultado de sua dinâmica evolutiva, ou, em suas próprias palavras: “foi a partir dela que ele se constituiu, e não sem que a natureza gravasse em seu ser e da forma mais múltipla o próprio sinal” (Carvalho, 1999: 60, 62).[3]

Portanto, o ser humano interfere na natureza através do esforço de seu trabalho e interesses sociais, além do que, há interferências naturais na sociedade desde o homem pré-capitalista. Esta relação dialética de influências está mais presente e é cada vez maior na sociedade capitalista, pois, pela natureza ser mais consumida socialmente, as determinações naturais estão mais presentes para serem resolvidas ou adaptadas pela sociedade capitalista.
O conceito de “meio ambiente” envolve todas as coisas vivas (orgânicas) e não vivas (inorgânicas) do planeta Terra, ou seja, as “quatro esferas” (e a natureza) do planeta Terra estão nele incluídas. Este conceito foi popularizado[4] em 1972, na Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente, celebrada em Estocolmo: “O meio ambiente é o conjunto de componentes físicos, químicos, biológicos e sociais capazes de causar efeitos diretos ou indiretos, em um prazo curto ou longo, sobre os seres vivos e as atividades humanas”.[5] Esta concepção pode passar a impressão que o “meio ambiente” é algo que dá suporte à vida humana e não que esta participa ou se relaciona com ela, pois a natureza não é submissa ao ser humano, mas influencia nas dinâmicas sociais.
Segundo Moreira (2004-a, p. 30), a ideia de meio ambiente também foi uma reivindicação dos Estados nacionais viventes sob o modo de produção da sociedade capitalista: “Arrastados pelos respectivos Estados nacionais, os cientistas reorientam sua ótica de natureza, passando a vê-la como meio ambiente, assim surgindo os estudos que vinculam natureza e território”.
Rodrigues (2005) criticou esta ideia, pois ela separaria o meio externo do homem, retirando a sociedade de suas análises. A noção de ambiente teria que ser repensada sem o “meioantes de “ambiente”. O meio ambiente, assim, vira bem comum e esconde as relações sociais. Santos também fez sobre isso uma crítica:
Quando falamos em meio ambiente em lugar de meio, certos enfoques atuais podem aparecer como reducionistas, na medida em que eles apenas se interessam por um dos aspectos de uma complexa problemática. Por exemplo, uma visão puramente ideológica da questão, uma visão puramente econômica ou uma preocupação exclusivamente tópica (Santos, 2005: 148).

O conceito de meio ambiente foi inspirado no conceito de ecologia, que surgiu com o zoólogo Ernest Haeckel (1834-1919), e tentou integrar e superar a dicotomia homem-natureza. Segundo Moreira (2006), Haeckel, com sua concepção ecológica que propunha realizar uma explicação holista[6] de universo, referenciou o processo de síntese da vida por meio da integração entre o orgânico e o inorgânico.
Tricart (1977, p. 17) alertou que os debates ecológicos ressurgiram em 1934, com Tansley, que teria sistematizado o conceito de ecossistema (surgido no século XVIII com o raciocínio da “termodinâmica”) comoum conjunto de seres vivos mutuamente dependentes uns dos outros e do meio ambiente no qual vivem”.
É importante ressaltar que o conceito de ecologia de Haeckel é diferente do conceito de ecologia de Ratzel. Segundo Carvalho (1999[7]), a ecologia de Ratzel “se distingue, no entanto, e desde o início, da perspectiva biologista, ao direcionar os esforços de suas preocupações no sentido da compreensão das dinâmicas humanas”, em que estas “apresentam as particularidades de desfrutar um certo grau de liberdade e também de ascendência sobre as demais”.[8] Portanto, a ecologia ratzeliana “se recusa a desvincular a dinâmica que preside as particularidades da geografia dos homens dos outros universos de conexões que envolvem todas as formas de vida presentes no planeta”.
Moraes (1990, p. 45) atribuiu à ecologia três significados: de ciência (preconizado por Haeckel), de método (derivado do holismo, com Ratzel como seu defensor) e como uma “questão social, objeto de interesse e de intervenção política” (umcampo de atuação com formas de organização política, táticas, estratégias e metas estabelecidas”).
Tanto os conceitos de meio ambiente quanto o de ecologia surgiram para tentarsuperar” a dicotomia homem-natureza. Entretanto, foi esta mesma dicotomia que criou as ideias de homem e de natureza: a sociedade criou o homem como negação da natureza, ou seja, a natureza é a negação da sociedade. A natureza jamais poderia ser compreendida se não fosse concebida como alteridade em relação ao homem. O conceito de natureza é, assim, desumanizado. Concordamos com Martins (2009, p. 23), quando afirmou quenatureza é construção social e, portanto, toda ela é socialmente apreendida, suposta e designada e produzida, que o pensamento é derivado de um gesto produtivo”. Para reafirmar tal ideia, este autor (ibidem) citou Marx (no Terceiro Manuscrito):
A natureza enquanto natureza, quer dizer, na medida que ainda se distingue do seu sentido secreto, nela oculto, a natureza separada e distinta destas abstrações, é nada, um nada que se comprova como nada, encontra-se desprovida de sentido ou tem apenas o sentido de uma exterioridade, que foi ab-rogado.[9]

Apesar da constatação de que a natureza pode ser percebida socialmente, concordamos com Georg Lukács (1969, 1978 apud Moraes, 1990, p. 47)[10] quando este “aponta a repetibilidade e regularidade nos fenômenos da natureza inorgânica sem paralelos com o domínio dos fatos sociais”. Isto destaca a importância das “ciências da natureza”, que realizam uma leitura mais focada sobre o assunto.
Portanto, podemos afirmar quesem natureza nãosociedade e sem sociedade nãonatureza[11]. Sem sociedade, nãonatureza, porque foi o ser humano que deu nome aos objetos do mundo (seja um cachorro, árvore, montanha ou rio). A natureza é um elemento concreto do mundo, sendo também o palco dos acontecimentos. Natureza também é um conceito, uma construção humana e social. Portanto, natureza é um conceito social e sem sociedade não pode haver a idéia de natureza.
É equivocada e absurda a afirmação de que o ser humano “não pode interferir na natureza”. Ele sempre irá interferir, que com menor ou maior intensidade, de acordo com o modo de produção das sociedades. Sem natureza nãosociedade, porque toda sociedade necessita da natureza para sobreviver, pois o homem bebe água (hidrosfera), se alimenta de biosfera, respira (afetando a atmosfera), utiliza roupas (cuja matéria-prima foi extraída da biosfera ou da litosfera), constrói sua vivência sobre a litosfera, etc.
Tricart (1997) refletiu que a utilização de natureza pelas sociedades é tão antiga quanto a “existência do gênero humano sobre a Terra”, mas o ser humano tem se apropriado mais da natureza na sociedade capitalista (pós-Revolução Industrial). A passagem abaixo diz que os temas ambientalistas e de “qualidade de vida” inevitavelmente estão mais presentes na sociedade capitalista, pois esta interfere mais no “meio ambiente”:
Os recursos  ecológicos são os elementos do meio ambiente necessários à vida animal do homem, ou seja, ao metabolismo de seu organismo: alimentos, fornecidos pelas plantas e pelos animais, água, ar. Podem chamar-se recursos básicos, por serem estritamente indispensáveis. Um homem pode viver sem aço ou sem petróleo, mas não sem água, sem ar, sem alimento. Isto é evidente. Mas, infelizmente, é frequente a instalação de fábricas que destroem o meio ambiente e tornam a vida humana quase impossível, para antender a uma finalidade apenas econômica. Como resultado, a opinião pública se tornou inquieta, reagindo e levantando problemas de “qualidade de vida”, de poluição e defesa do meio ambiente (Tricart, 1977: 15).

Portanto, o ser humano sempre interferirá na natureza, variando o grau desta de acordo com interesses sociais.


Natureza como conceito social, refletindo o modo de produção

A sociedade capitalista reconhece a natureza como sendo algoalém do homem”, como plantas, outros animais, rochas, relevos, atmosfera, ambientes etc. Segundo Carvalho,
(...) o senso comum nos diz que natural é aquilo que não é artificial, ou, em várias outras palavras, natural é o que a natureza fez, e ela, e artificial é o que o homem fez, mesmo que com ajuda ou com os recursos da própria natureza (Carvalho, 2003: 9).

Para este autor, existem várias definições de natureza na sociedade capitalista:

Por exemplo, se, para um empresário de mineração, natureza é fonte de matérias-primas de onde extrai a mercadoria com a qual se obterá lucros, para o camponês, natureza é meio de sobrevivência, ou, de outro lado, se, para um especulador de terras, natureza é investimento imobiliário, para os índios, é um espaço de vida que não se vende nem se compra (idem, p. 13).

Segundo Bluwol (2009, p. 43), “natureza é um conceito socialmente, historicamente e geograficamente constituído”. Toda sociedade cria o seu conceito de natureza, sendo este uma construção humana e social, como vemos em Gonçalves, a seguir:
Toda sociedade, toda cultura cria, inventa, institui uma determinada idéia do que seja natureza. Nesse sentido, o conceito de natureza não é natural, sendo, na verdade, criado e instituído pelos homens. Constitui um dos pilares através do qual os homens erguem as suas relações sociais, sua produção material e espiritual, enfim, a sua cultura (Gonçalves, 2000: 23).

A cultura determina a forma com que as pessoas se relacionam com a natureza. Estudar o conceito de natureza é estudar a sociedade e este é determinante nas relações sociais. Toda a sociedade tem um modo de produção (a forma com que a sociedade se organiza produtivamente). Toda sociedade cria a sua cultura, os seus conceitos e ideias em relação ao mundo. Isto significa que a cultura é um reflexo do modo de produção das sociedades, o espaço-temporalidade em que se constituiu esta sociedade. O modo de produção de determinada sociedade (junto com a sua cultura) determinará a forma com que as pessoas se relacionam com a natureza.
Natureza, portanto, é um conceito social. O meio natural é um objeto histórico do campo das construções humanas. Segundo Carvalho:
(...) a definição ou a conceituação do que seja natureza depende da percepção que temos dela, de nós próprios, e, portanto, da finalidade que daremos para ela, isto é, depende das formas e objetivos de nossa convivência social. (...) [Os conceitos de natureza] foram múltiplos nas várias sociedades que ao longo da história os homens constituíram.
Em cada uma dessas sociedades, ou em cada um desses tempos, a natureza possuía um significado diferente segundo os valores e objetivos de cada agrupamento social (Carvalho, 2003: 13).

Cada sociedade produz a natureza que necessita, ou seja, o significado de natureza e homem depende do agrupamento humano, do tipo de sociedade ou da classe social de quem responde (idem, p. 16). Sobre isto, o referido autor chegou a uma importante conclusão:
(...) a história da natureza é também a história dos próprios homens, que estes não se relacionam com a natureza ou a conhecem de uma maneira abstrata e genérica, mas segundo as necessidades impostas pelo relacionamento que mantêm entre si (Carvalho, 2003: 22).

Ratzel (1914, apud Carvalho, 1999) fez uma importante reflexão sobre a relação sociedade e natureza:
Alguns etnógrafos têm sustentado que o progresso da civilização não consiste em outra coisa que não seja uma maior libertação, das pessoas, das condições naturais do território; contrariamente a isso, nós podemos afirmar que a diferença entre povos primitivos e civilizados não reside no grau, mas sim no tipo de vínculo existente entre o homem e a natureza. A civilização é independente da natureza não no sentido de um completo afastamento, mas sim no sentido do estabelecimento de vínculos mais diversos, mais vastos e menos imperiosos.[12]

O conceito de natureza é um reflexo das sociedades, variando de acordo com o modo de produção destas. Numa sociedade de base rural (como a indígena ou a grega clássica), o conceito de natureza será diferente daquele da sociedade capitalista. No modo de produção primitivo (indígena tradicional), temos uma integração homem e natureza, com uma visão não predatória do homem em relação à natureza, ou seja, não há uma distinção entre o mundo natural e o mundo social. Carvalho (2003, p. 13) afirmou que, nas sociedades primitivas, “a natureza nem sequer era reconhecida enquanto algo distinto do agrupamento humano, uma vez que se confundia com o próprio espaço de vida desse agrupamento”.
Santos diferenciou o modo de vida conforme as necessidades produtivas das sociedades viventes no “meio natural ou pré-técnico” (sociedades tradicionais ou primitivas) e no “meio técnico-científico-informacional” (sociedade capitalista):
Essa harmonia socioespacial assim estabelecida era, desse modo, respeitosa frente à natureza herdada, no processo de criação de uma nova natureza. Produzindo-a, a sociedade territorial produzia, também, uma série de normas territoriais, cuja preocupação era preservar o meio de vida, para salvaguardar a continuidade do processo. Exemplos disso são, entre outros, o pousio, a rotação de terras, a agricultura itinerante, que são, ao mesmo tempo, regras sociais e regras territoriais, tendentes a conciliar o uso e a “conservação” da natureza: para ser, outra vez, utilizada. Esses sistemas técnicos sem objetos técnicos, não eram, pois, agressivos, pelo fato de serem indissociáveis em relação à natureza que, em sua operação, ajudavam a se reconstituir.
(...)
Na fase atual, momento em que a economia se tornou mundializada, adotando um único modelo técnico, a natureza se viu unificada. Suas diversas frações são postas ao alcance dos mais diversos capitais, que as individualizam, hierarquizando-as segundo lógicas com escalas diversas. A uma escala mundial corresponde uma lógica mundial que, nesse nível, guia os investimentos, a circulação de riquezas, a distribuição de mercadorias. Porém, cada lugar é o ponto de encontro de lógicas que trabalham em diferentes escalas, reveladoras de níveis diversos, às vezes, contrastantes na busca de eficácia e de lucro no uso das tecnologias, do capital e do trabalho. Trata-se de uma natureza unificada pela história a serviço dos atores hegemônicos, onde a técnica passou a ser mediação fundamental do homem com seu entorno.
Ao falarmos em meio ambiente, portanto, temos que entender, antes de mais nada, a formação desse meio técnico que, hoje, é passível de ser apreendido na relação do lugar com o mundo, posto que a técnica é a base de realização da mundialidade como totalidade empírica[13] e esta é alcançada através dos lugares, na medida em que os lugares exprimem a funcionalização do mundo.
(...)
A busca de mais-valia ao nível global faz com que a sede primeira do impulso produtivo (que é também destrutivo, para usar uma expressão de J. Brunhes) seja apátrida, extraterritorial, indiferente às realidades locais ou, vamos dizer assim, às realidades ambientais.
Talvez, por isso, a chamada crise ambiental se produz neste período histórico, onde o poder das forças desencadeadas ultrapassa a capacidade de controlá-las, nas condições atuais de mundialidade e de suas repercussões nacionais e locais (Santos, 2005: 144-145, 142, 147).

no modo de produção capitalista, temos uma oposição entre homem e natureza (com superioridade do homem), com uma visão predatória daquele em relação a esta (em que a natureza é custo de produção). Para sintetizar esta discussão, concordamos com Moreira que:
[...] cada época histórica cria sua própria concepção de natureza, uma vez que toda época é orientada pela concepção de natureza que melhor se vincula às necessidades culturais do melhor relacionamento dos homens com o seu mundo. A concepção de natureza atual é a que nasce relacionada ao projeto histórico da construção da base material, técnica, do capitalismo. Evoluindo, sem mudar sua substância (Moreira, 2004-a: 31).


História do homem e da sua relação com a natureza


Natureza, como vimos, é um conceito socialmente construído, variando de acordo com os modos de produção das sociedades, sendo este conceito o reflexo da forma com que estas se relacionam com o mundo. Esta discussão é importante para se pensar em como o homem foi se humanizando e se diferenciando da natureza.
Assim, o homem é parte integrante da natureza, mas o homem é a natureza que toma consciência de si mesma. Ademais, a natureza é a negação da sociedade, pois, para criar sua identidade humana, o homem negou a natureza como elemento integrante de si. Moraes (1990, p. 46) refletiu que esta separação é histórica e social, e é “ao modificar sua natureza exterior que o homem substantiva suas potencialidades naturais, adestrando a mente e os músculos na transformação do ambiente”.
Como foi dito, o surgimento do homem foi um momento da natureza tomando consciência de si. O homem tem de ser considerado na sua totalidade, como parte integrante da natureza, mas dela diferenciada. Engels observou que
[...] numa palavra, o animal apenas utiliza a natureza exterior e provoca nela modificações apenas pela sua presença; por seu lado, o homem transforma-a para que ela siga aos seus fins; domina-a, e é nisto que consiste a última diferença entre o homem e os animais; tal diferença, deve-a o homem, mais uma vez, ao trabalho (Engels, 1978: 182).

Gonçalves (2000, p. 25) afirmou que, em nossa sociedade, natureza se opõe a cultura, pois “a cultura é tomada como algo superior e que conseguiu controlar e dominar a natureza”. Já que o ser humano surgiu como negação da natureza, concordamos que

[...] a história do homem sobre a Terra é a história de uma ruptura progressiva entre o homem e o entorno. Esse processo se acelera quando, praticamente ao mesmo tempo, o homem se descobre como indivíduo e inicia a mecanização do planeta, armando-se de novos instrumentos para tentar dominá-lo. A natureza artificializada marca uma grande mudança na história humana da natureza. Agora, com uma tecnociência, alcançamos o estágio supremo dessa evolução (Santos, 2005: 141-142).[14]

Harvey (2004) citou Marx e Engels, em O capital (1967, p. 177-178), para diferenciar o homem da natureza, dando valor à consciência nos seus atos e no trabalho:
Antes de tudo, o trabalho é um processo de que participam o homem e a natureza, processo em que o ser humano com sua própria ação inicia, regula e controla seu intercâmbio material com a natureza (...) Assim agindo sobre a natureza externa e modificando-a, ele, ao mesmo tempo, modifica sua própria natureza. Desenvolve as potencialidades nela adormecidas e as submetidas ao seu domínio (...) Pressupomos o trabalho sob a forma que o assinala como exclusivamente humano. Uma aranha executa operações que semelham às do tecelão, e a abelha supera mais de um arquiteto ao construir sua colméia. Mas o que distingue o pior arquiteto da melhor abelha é que o arquiteto concebe na mente sua construção antes de transformá-la em realidade. Ao final do processo do trabalho, obtém-se um resultado que existia na imaginação do trabalhador desde o começo. Ele não apenas transforma o material sobre o qual opera como imprime ao material o projeto (...) (Harvey, 2004: 263).

O homem, ao se diferenciar da natureza pelo trabalho, começou a interferir nela, e, segundo Altvater (2006, p. 333), pelo trabalho, ele a transformará em uma nova natureza – uma natureza “humanizada”:
[...] ao aplicar as leis da natureza ao processo de trabalho, o homem transforma a natureza em uma natureza feita pelo homem, “humanizada”, que ao principio de cada processo produtivo é utilizado e, terminado o consumo do produto, recebe os restos produzidos (Altvater, 2006: 333).

Moreira ressaltou que o homem se diferencia da natureza pela sua capacidade de construir cultura, de ser sujeito-objeto de sua história e de “conjurar ser com existir”:
[...] a evolução biológica da humanidade difere da evolução biológica dos demais animais precisamente porque os homens são os sujeitos e objetos de sua história. É este o grande salto qualitativo que se verifica na evolução natural das espécies: o de que um animal chamado homem adquire, por decorrência dessa própria evolução, o poder de construir-se construindo sua cultura, o poder de conjugar ser com existir (Moreira, 2004-a: 99).

É importante que se faça uma reflexão sobre o “ser” de nossa espécie. Cada espécie vive em seu próprio mundo sensorial. Harvey (2004, p. 272) lembrou que o ser humano é um ser sensorialem relação metabólica com o mundo que nos cerca. Alteramos esse mundo e, ao fazê-lo, alteramos a nós mesmos mediante nossas atividades e labores”. E assim concluiu esta reflexão:
[...] Somos uma espécie como todas as que há na Terra, dotada, como elas, de capacidades e potencialidades específicas que são empregadas com vistas a modificar ambientes de maneiras que levem à nossas próprias sobrevivência e reprodução. Nisso não diferimos de todas as outras espécies (como as térmitas, as abelhas e os castores) que modificam seu ambiente ao mesmo tempo em que aprofundam sua adaptação aos ambientes que elas mesmas ajudam a construir (ibidem).

Segundo ISTOÉ (2009, p. 37-39)[15], podemos dizer que o homem foi se diferenciando da natureza desde o momento em que se emancipou dos hominídeos, ou seja, desde o momento em que o homo sapiens surgiu no planeta Terra. Os homo sapiens apareceram na Terracerca de 200 mil anos, durante o período quaternário. Isto ocorreu por desenvolvimentos biológicos no corpo dos hominídeos, que estiveram relacionados às determinações climáticas e bruscas mudanças na geografia dos lugares. Estas mudanças geográficas fizeram com que os hominídeos se adaptassem às mudanças, fazendo saltos evolutivos. A locomoção bípede e a postura ereta foram consequências desta mudança, adaptações que seriam feitas pelo homo sapiens. Gonçalves afirmou que
[...] o bipedismo abre o caminho que conduz ao homo sapiens: a posição de liberta a mão; a mão liberta os maxilares; a verticalização e a liberação dos maxilares libertam a caixa craniana das sujeições mecânicas, abrindo assim novos caminhos ao processo evolutivo (Gonçalves, 2000: 84).

Apesar de não serem consensuais em toda a comunidade científica, perspectivas teóricas (ISTOÉ, 2009, p. 37-41) afirmam que há cerca de 120 mil anos, os homo sapiens começaram um movimento migratório, saindo da região central do continente africano e marchando, inicialmente, para o norte da África (há 100 mil anos). Posteriormente, o homo sapiens irá se espalhar por outros continentes do planeta Terra, atingindo, por último, o Chile há 12,5 mil anos (depois que o estreito de Bering ficou exposto a baixos níveis do mar, entre 18-10,2 mil anos).
Desde o surgimento do homo sapiens, a prática da caça e da pesca foi percebida. A exploração animal (ou a “alimentação de carne”) foi decisivapara que o homem fosse homem”, conforme a citação de Engels, a seguir:
O consumo de carne na alimentação é responsável por dois novos avanços importantes e decisivos: o uso do fogo e a domesticação dos animais. O fogo reduziu ainda mais o processo digestivo, porque permitia levar à boca alimento em parte digerido. A domesticação dos animais multiplicou as reservas de carne, por ser, ao lado da caça, mais uma nova e regular fonte de alimentação, além de favorecer a obtenção do leite e seus derivados, tão ricos na sua composição quanto a carne (Engels, 1978: 179).

A caça ajudou bastante na humanização do homem, pois estimulou as aptidões estratégicas (a atenção, a tenacidade, a combatividade, a audácia, o engodo, a armadilha, a espreita), a organização coletiva e a solidariedade, a produção coletiva e a organização econômica etc. Com a revolução agrícola do período neolítico, temos o surgimento da prática da agricultura, fazendo o homem sair de sua condição de caçador-coletor para a de cultivador. A prática da agricultura revolucionou os modos de vida e de produção das sociedades, pois o homem se tornou sedentário, não mais nômade.
ISTOÉ (2009, p. 345) nos mostra que a primeira atividade agrícola ocorreu à cerca de 10 mil anos, em certos lugares privilegiados da Sírio-Palestina, do sul da Anatólia e do norte da Mesopotâmia. Aos poucos a revolução agrícola tinha atingido a Península Ibérica e grande parte da Europa. Engels (1978, p. 180) diz que com a prática da agricultura, tivemos o surgimento de outras relações de trabalho, tais como a fiação, a tecelagem, o trabalho dos metais, a olaria e a navegação.
Do mesmo jeito que ocorre com a discussão da natureza, as sociedades também compreendem o homem de acordo com suas necessidades e seu modo de produção. Nesse sentido, Moreira (2004-a, p. 49) afirmou que a “concepção de homem de nossa cultura corrente é a que se assentou a partir do pacto feito entre ciência e filosofia”, nos séculos entre o Renascimento e o Iluminismo. Esta é uma idéia de ser humano nascido da “exclusão da noção de natureza como coisa física”. O ser humano estaria fora da natureza e também da sociedade, cuja discussão do humano está apropriada pelo pragmatismo da ideia de população da teoria econômica neoclássica.
O pacto (do Renascimento) entre filosofia, religião e ciência, apoiado nas ideias de Descartes (que separavam corpo e mente), gerou a noção de mundos físico e metafísico. A natureza seria função da física, e o homem seria da metafísica, com o corpo derivando entre um campo e outro.
Moreira abordará como o capitalismo modificou a relação homem-natureza:
Enquanto a história humana não atingiu a fase do capitalismo, história natural e história social do homem fundiam-se num plano que era mais o da história natural. O capitalismo introduz uma reestruturação radical na relação homem-mundo, desterritorializando o homem de suas raízes geográficas históricas, para jogá-lo desenraizado numa relação geográfica construída sobre os alicerces da razão técnica cartesiano-newtoniana. O começo desta forma amplamente desenvolvida de alienação humana é a desterritorialização do campesinato. Este se proletariza e vira homem vendedor-de-força-de-trabalho, desidentificado consigo mesmo e transformado em classe trabalhadora do sistema industrial (Moreira, 2004-a: 89).

Segundo Moreira (2004-a, p. 51), com o desenvolvimento da manufatura e da indústria, o corpo do homem serviu “para o campo do aperfeiçoamento com o mundo das engrenagens da indústria”. Este mesmo homem, desnaturalizado, compreendia o mundo como se fosse “uma grande máquina semelhante às maquinas da indústria” e obedecia “às mesmas leis gerais de toda engrenagem”.
O homem-máquina, do início da sociedade capitalista, foi convertido no homem-força-de-trabalho. Para isto ocorrer, o homem teve que transformar o tempo social em tempo técnico (com a pontualidade do relógio). Segundo Moreira (2004-a, p. 52), o tempo das sociedades não-capitalistas é concebido como tendo a ritmicidade própria do movimento das coisas, “marcado pelo movimento do dia e das noites e das sazonalidades das estações do ano”. o tempo da sociedade capitalista é artificial e técnico, umtempo do relógio”, que organiza “o ritmo e o tempo disciplinar do trabalho da moderna indústria”. É um tempo organizado para o trabalho e a produtividade, com o homem se transformando em custo de produção. O tempo do trabalho pautou todos os outros tempos sociais, em que o “tempo é dinheiro”. O produto final resultante da produção determinada pelo tempo do trabalho definiu as relações sociais e, em particular, a divisão de riquezas entre as classes sociais. Portanto, o homem-força-de-trabalho se transformou em homem-fator-de-produção (custo de produção).
O homem, na sociedade capitalista, está condicionado ao poder econômico. Segundo Moreira (2004-a, p. 53), a quantidade de salário “é a referência da medida da quantidade de bens e serviços a que pode ter acesso o homem”. Assim, o homem-fator-de-produção precisou também virar o homem-consumidor. Disto, surgiu uma preocupação social para se estabelecer o “equilíbrio entre o volume dos recursos da natureza e o crescimento do seu consumo pelos homens”. O Estado precisou intervir no ritmo do consumo, planificando e planejando a sociedade para haverequilíbrio entre recursos naturais e consumo humano”. O homem-consumidor se transformou no homem-população.[16]
Para Moreira (ibidem), para planejar é necessário contar o número de homens, além de “fazer um levantamento constante da classificação e estimativa constante dos recursos da natureza” e um balanço do movimento do processo do consumo. O homem-população se transformou no atual homem-estatístico. Quantificá-lo era necessário para prever o ritmo de crescimento. Surgiram conceitos de taxa de natalidade, taxa de mortalidade e taxa de fecundidade. Esta quantificação foi uma forma de diluir a luta de classes, com o objetivo de frear revoluções populares nos países, ter um pacto de classes e salvar o capitalismo (solucionando e amenizando as crises cíclicas do capital).
A transformação no “homem-estatístico” foi uma apropriação reformista que tentou criar uma harmonia de classes. Burguesia virou riqueza, proletariado virou pobreza, acumulação virou desenvolvimento-subdesenvolvimento, contradições de classe viraram desigualdades de renda e, enfim, desenvolvimento desigual-combinado virou desequilíbrio regional. A simples distribuição de renda resolveria as desigualdades de classe.
Portanto, para se compreender os conceitos de homem e de natureza é necessário localizá-los dentro de determinados modos de produção. É necessário que se crie um novo conceito de homem e natureza, mas, para isto ocorrer, deve-se mudar e acabar com o modo de produção capitalista.

A falácia do conceito de desenvolvimento sustentável e as contradições do movimento ambientalista

Como vimos, sem natureza, nãosociedade, e sem sociedade, nãonatureza. As análises científicas têm muita dificuldade de colocar a natureza na discussão da sociedade, até porque discutir natureza é discutir sociedade. A natureza não pode ser entendida, simplesmente, como o lugar de onde os homens podem tirar as coisas para o seu sustento ou onde, talvez, possam morar. Ela tem de ser compreendida de uma maneira mais ampla, pois o homem é parte integrante dela.
Temos de integrar o homem à natureza, mas também temos de saber diferenciá-lo na natureza. Como foi dito anteriormente, “o homem é a natureza que toma consciência de si mesma”. Isto significa que o homem tem de ser integrado e diferenciado nela. Podemos também afirmar, com Bluwol (2009, p. 44), quequando um homem explora outro homem, está explorando uma parte da natureza”.
No entanto, somente afirmar que o homem é parte integrante da natureza é insuficiente, pois esta consideração em si não basta, este entendimento é um acréscimo insignificante. Não basta terconsciência ecológicaou saber que “o homem é parte integrante da natureza”. Esta crítica há de ser mais estrutural do que ideológica (retornaremos a isto no final deste tópico).
Temos de entender qual é a nossa consciência de noção da natureza e ter a consciência do conceito de natureza da nossa sociedade para podermos criticar e superar este conceito. Segundo Bluwol,
[...] quem destrói o seu meio ambiente é certa parcela da humanidade sob certa cultura, que gera certo conceito de natureza, que, na prática, é a própria relação desses humanos com o resto da natureza. Em nosso mundo, essa relação pode ser entendida como o próprio modo de produção capitalista (Bluwol, 2009: 50).

O homem sempre interferirá na natureza, pois ele necessita dela para a sua sobrevivência. Harvey afirmou que:
[...] nossas idéias, concepções, visões (ou seja, nossaconsciência”) se alteram em função de cada mudança das condições materiais da existência e que a forma material de um modo de produçãoorigem a estruturas políticas, institucionais e legais que aprisionam nossos pensamentos e possibilidades de maneiras particulares (Harvey, 2004: 266).

É necessário que se faça a reflexão debatida neste tópico. Seria equivocado achar que o ser humano deveria parar de interferir na natureza, pois isto sempre ocorreu e sempre ocorrerá. O que deve ser questionado é a degradação predatória e irracional dos recursos naturais e ambientes terrestres, que diminui a qualidade de vida humana e o equilíbrio da vida neste planeta. Portanto, reafirmamos, é equivocada a ideia de que o homem não pode interferir na natureza, pois ele sempre vai interferir nela, que com menor ou maior intensidade e de acordo com o modo de produção das sociedades. Assim, de acordo com isto, as sociedades podem interferir mais ou menos na natureza ou conceber o homem como sendo superior a ela. A sociedade capitalista interfere mais no ambiente e concebe o homem como sendo superior ao restante da natureza.
O ser humano, desde o momento em que controlou o fogo, vem provocando alterações contínuas e substanciais na atmosfera e nos ambientes terrestres. Entretanto, o ser humano vivente na sociedade capitalista está, cada vez mais, explorando intensivamente os elementos da natureza e degradando os ambientes terrestres. O capitalismo interfere mais no ambiente, porque forma uma sociedade altamente tecnológica e consumista. Os objetos tecnológicos (seja um computador, um avião ou uma embalagem plástica) demandam muito da natureza, e o consumismo é uma necessidade da sociedade capitalista, que o consumo rápido gira a economia de mercado e impossibilita riscos de crises de superprodução.
O desenvolvimento sustentável é uma ideia que pode surgir na sociedade capitalista, sendo incompatível numa sociedade que não concebe a natureza como recurso natural (como a indígena tradicional). A noção de desenvolvimento sustentável foi influenciada por preceitos neomalthusianos, portanto, a crítica ambientalista traz essas fortes marcas e carrega um ranço “catastrofista”.
O neomalthusianismo foi influenciado pelas concepções do economista e pastor inglês Thomas Malthus (1766-1834), que, preocupado com os recursos naturais existentes no mundo, criou uma teoria (o “princípio da população”) que afirmava que a população crescia em proporção geométrica e a produção de alimentos crescia em progressão aritmética. Além de possuir uma preocupação com os recursos naturais, Malthus fazia uma crítica à produção agrícola familiar (que não era tecnológica e produzia em pequena quantidade), defendia o estímulo da expansão agrícola e tecia críticas às famílias pobres (e a países subdesenvolvidos ou com o capitalismo não desenvolvido).[17] As preocupações de Malthus eram imperialistas e capitalistas, pois buscavam a expansão das relações produtivas capitalistas e o privilégio do império inglês. As discussões de Malthus devem ser situadas dentro dos debates realizados entre ele, David Ricardo e Adam Smith, que expressaram divergências com a burguesia inglesa, a partir da segunda metade do século XVIII, sobre o desenvolvimento do capitalismo.[18]
Apesar de colocar a sociedade nas dinâmicas populacionais, Malthus era conservador e reacionário ao negar a luta de classes e pornaturalizar” a pobreza (utilizava-se do silogismo “os pobres são pobres porque são pobres”). Oliveira afirmou que a preocupação inicial deste economista
(...) quando ele aborda a população, estava direcionada no sentido de entenderrelações sociais”, porque o capital se acumulava neste ou naquele ritmo, porque população e capital vão determinar uma taxa de salários; porque o movimento da população pode contrabalançar a tendência da acumulação em fazendo baixar ou aumentar os salários (Oliveira, 1985: 8).

Apesar desta postura conservadora, Moreira (2004-a, p. 63) afirmou que Malthus considerava que os fenômenos populacionais eram aspectos de um processo social e global, norteados pelo processo de acumulação do capital. Isto significa dizer que, mesmo não explicitados, os fenômenos populacionais eram frutos das relações contraditórias de classes sociais.
Malthus defendia a contenção da população por meio do retardamento na idade dos casamentos, da abstinência sexual e do planejamento familiar, sendo que esta contenção também poderia se dar por meio de catástrofes naturais, guerras e epidemias generalizadas. Os preceitos da teoria populacional de Malthus serão utilizados, por muitas décadas, nas políticas estatais, nas leituras científicas das dinâmicas populacionais e no senso comum das pessoas. Esta visão será questionada pelos preceitos marxistas e retomada no discurso ambientalista da década de 1970, revestida de uma novacapa”, chamada agora de neomalthusiana.
A teoria populacional marxista considerava que a própria miséria era a responsável pelo acelerado crescimento populacional. Defendia reformas de caráter socioeconômico (com políticas estruturais) que possibilitassem a melhoria do padrão de vida das populações dos países subdesenvolvidos, pois isto traria como consequência o planejamento familiar espontâneo e a redução das taxas de natalidade e de crescimento vegetativo (tal como ocorreu em vários países, hoje desenvolvidos economicamente).
Não existia umestudo da populaçãoem Marx e Engels, mas subentendia-se que o modo de produção determinava as dinâmicas populacionais (sendo estas regidas pelas leis dos modos de produção). Portanto, era a própria dinâmica da produção histórica da sociedade que determinava a dinâmica da demografia. No modo de produção capitalista, as dinâmicas populacionais se manifestavam na reprodução da força de trabalho e no “exército industrial de reserva” (que regia os termos da reprodução da força de trabalho).[19]
Segundo Moreira (2004-a, p. 67), as proposições populacionais de Marx e Engels superaram o “historicismo linear e mecanicista” de Malthus (ao afirmarem o caráter social e histórico-concreto dos fenômenos populacionais), de Smith e Ricardo (ao situarem na esfera da produção a raiz dos fenômenos populacionais). É necessário, para o entendimento da dinâmica populacional, levar em conta as determinações sociais e produtivas, sendo que a força de trabalho será influenciada pelas dinâmicas do trabalho. Para Oliveira:
Uma teoria da população a partir de Marx toma o movimento de acumulação de capital como determinante; este movimento é que produz a força de trabalho na ativa e na reserva, e são os movimentos da força de trabalho que estão no cerne das mediações entre a população e seus estoques (Oliveira, 1985: 19).

Segundo Oliveira (1985, p. 17), os neomalthusianistas omitiram uma importante preocupação de Malthus, que era a de tentar compreender as relações sociais, ou seja, buscaram “alterar os comportamentos reprodutivos sem alterar as condições de vida”. Eles se diferenciavam em poucas coisas dos malthusianos, embora a preocupação das duas teorias fosse a mesma (a defesa do controle populacional). O neomalthusianismo não focava na defesa de preceitos morais para conter o crescimento populacional, mas no controle da natalidade por meio do planejamento familiar.[20] Além disso, para os neomalthusianos, a produção de alimentos era um problema superável, haja vista os progressos da ciência e da tecnologia aplicados ao campo.
A sociedade capitalista criou a ideia de desenvolvimento sustentável para racionalizar ainda mais sua exploração de recursos naturais e por pensar que estava destruindo em demasia a natureza. Altvater (2006, p. 341-47) refletiu que a “crise ecológica” e a noção de sustentabilidade surgiram a partir do momento em que a sociedade capitalista se tornou planetária, necessitando de natureza (matéria-prima, custos de produção) para a realização de capitais. Nesse sentido, a degradação da natureza seria a degradação das condições gerais de produção, em que a sustentabilidade significaria uma racionalidade na gestão de recursos para não haver esgotamento e danos para a sociedade capitalista.
A noção de desenvolvimento sustentável começou a ser formatada na primeira Conferência Mundial das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente, em 1972, e surgiu para se opor ao Clube de Roma, formado em 1968, que afirmava que a Terra tinha recursos naturais limitados, e, como solução para este problema, defendia o controle da natalidade e do crescimento econômico dos países pobres. As premissas do Clube de Roma foram publicadas no relatório Os limites do crescimento, em 1971, e foram as bases da Conferência de Estocolmo, organizada pela ONU, em 1972. A ideologia deste relatório pode ser observada na seguinte citação de Meadows:
Se as atuais tendências de crescimento da população mundial – industrialização, poluição, produção de alimentos e diminuição de recursos naturais – continuarem imutáveis, os limites de crescimento neste planeta serão alcançados algum dia dentro dos próximos cem anos. O resultado mais provável será um declínio súbito e incontrolável, tanto da população quanto da capacidade industrial.
É possível modificar essas tendências de crescimento e formar uma condição de estabilidade ecológica e econômica que se possa manter até um futuro remoto. O estado de equilíbrio global poderá ser planejado de tal modo que as necessidades materiais básicas de cada pessoa na Terra sejam satisfeitas, e que cada pessoa tenha igual oportunidade de realizar seu potencial humano individual.
Se a população do mundo decidir empenhar-se em obter esse segundo resultado, em vez de lutar pelo primeiro, quanto mais cedo ela começar a trabalhar para alcançá-lo, maiores serão suas possibilidades de êxito (Meadows, 1973: 19).

Estas ideias elitistas e preconceituosas foram amenizadas no relatório Nosso futuro comum, publicado pela Comissão Mundial sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento, em 1987, ao afirmar que não eram os países pobres os maiores responsáveis pela devastação do planeta, mas os países mais ricos, que consumiam mais recursos e geravam mais poluição. Este relatório foi assinado pelos representantes dos países, na Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento (conhecida como Eco-92 ou Rio-92), em 1992, com nome de Agenda 21.
 A noção de desenvolvimento sustentável foi consagrada na Eco-92, sendo entendida como a meta ambiental a ser atingida pelos países, estando presente até os nossos dias. O significado deste conceito foi assim explicado, no relatório Nosso futuro comum:
O desenvolvimento sustentável é aquele que atende às necessidades do presente sem comprometer a possibilidade de as gerações futuras atenderem às suas próprias necessidades.
 Ele contém dois conceitos-chave:
O conceito de “necessidades”, sobretudo as necessidades essenciais dos pobres do mundo, que devem receber a máxima prioridade.
A noção das limitações que o estágio da tecnologia e da organização social impõe ao meio ambiente, impedindo-o de atender às necessidades presentes e futuras.
Portanto, ao se definirem os objetivos do desenvolvimento econômico e social, é preciso levar em conta sua sustentabilidade em todos os paísesdesenvolvidos ou em desenvolvimentocom economia de mercado ou de planejamento central. Haverá muitas interpretações, mas todas elas terão características comuns e devem derivar de um consenso quanto ao conceito básico de desenvolvimento sustentável e quanto a uma série de estratégias necessárias para sua consecução.
(...) A humanidade é capaz de tornar o desenvolvimento sustentável (...). O conceito de desenvolvimento sustentável tem, é claro, limitesnão limites absolutos, mas limitações impostas pelo estágio atual da tecnologia e da organização social, no tocante aos recursos ambientais, e pela capacidade da biosfera de absorver os efeitos da atividade humana. Mas tanto a tecnologia quanto a organização social podem ser geridas e aprimoradas a fim de proporcionar uma nova era de crescimento econômico. Para a comissão, a pobreza generalizada não é inevitável. A pobreza não é apenas um mal em si mesma, mas, para haver um desenvolvimento sustentável, é preciso atender às necessidades básicas de todos e dar a todos a oportunidade de realizar suas aspirações de uma vida melhor. Um mundo onde a pobreza é endêmica estará sempre sujeito a catástrofes, ecológicas ou de outra natureza (Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, 1991: 46).

Os ideais do ambientalismo se utilizam, o tempo todo, de ideais do neomalthusianismo, pois se preocupam com a Divisão Internacional do Trabalho (DIT), ao pregarem que se deve conter o crescimento econômico e populacional dos países (principalmente, os subdesenvolvidos e os emergentes/em desenvolvimento) e de se racionalizar a produção. Isto estava expresso nos preceitos discutidos no Clube de Roma, na Conferência de Estocolmo de 1972 e na Conferência de Copenhague de 2009 (que foi extremamente conservadora, e retomou as concepções do relatório Os limites do crescimento e da Conferência de Estocolmo).
O ideário de desenvolvimento sustentável tentou superar as contradições ambientais da sociedade capitalista e dos relatórios elitistas anteriores, mas, na realidade, nunca conseguiu atingir este objetivo, porque não era de sua essência e se preocupava em fazer críticas ideológicas (e não estruturais). Por mais que estes ideais tentassem ser aprofundados, em relatórios da ONU (como o IPCC, o CDB e o IPBES),[21] nunca ficou claro como colocar em prática a sustentabilidade, que, como compreendemos, nunca será aplicada integralmente, numa sociedade capitalista.
Rodrigues não concorda que desenvolvimento sustentável seja um conceito, mas um termo ouum ideário que oculta as causas e as consequências da problemática ambiental”:
O termodesenvolvimento sustentávelnão é um conceito, mas uma idéia que pretende encontrar soluções para problemas de esgotamento, poluição das riquezas naturais, num futuro... Idéia genérica que abstrai a realidade, oculta a complexidade, a reflexividade do modo de produção de mercadorias, cria uma espessa cortina de fumaça sobre a apropriação dos territórios, a existência de classes sociais, dificulta a análise crítica (Rodrigues, 2005: 93).

Rodrigues (2005, p. 96-97), afirmou que o ideário de desenvolvimento sustentável é alienante, pois mantém o modo de produção capitalista e atribui os problemas ambientais aos desvios do “modelo” de cada país.
Santos (2005, p. 148) salientou que “o ambientalismo seria uma redução, embora assumindo ares de cientificidade, em nome da salvaguarda do planeta” – e, assim, faria uma verdadeira confusão conceitual entresistemas técnicos, natureza, sociedade, cultura e moral”. Santos (2005, p. 149) citará Carlos (1994, p. 77) para criticar o discurso ecológico:
(...) o discurso ecológico tem substituído o espaço concreto da prática social do vivido, aquele de habitar no sentido amplo... Passa-se do vivido ao abstrato para projetar essa abstração no nível do vivido. Neste sentido, a natureza vira signo, e torna-se estratégica e política.

A sociedade capitalista realiza um deslocamento discursivo dos termos “matérias-primas e energiapararecursos naturais”. Rodrigues (2005) não concorda com este último, pois caracteriza os elementos da natureza como mercadoria, preferindo utilizarriqueza natural”.[22] Temos, portanto, vários equívocos advindos do ideário de desenvolvimento sustentável. Em vez de se falar em classes sociais, fala-se emgeração presente” e “geração futura”. A luta de classes transforma a luta por direitos individuais. Nãopara se pensar em geração futura sem fazer com que a geração presente se aproprie das riquezas da sociedade. Diz-se que a utilização de novas tecnologias irá proporcionar o desenvolvimento sustentável, mas não se diz quais seriam estas tecnologias “adequadas”.
Os ecocapitalistas também perceberam que a sustentabilidade é um rentável nicho de mercado. Concordamos com Rodrigues, quando afirmou que:
(...) a aceitação do desenvolvimento sustentável implica impor regras de controle, usar novas tecnologias, obter certificados de uso racional de recursos (ISOS), de controle de resíduos e, sobretudo, permitir a continuidade de reprodução ampliada do capital, conferindo-lhes legitimidade para a concorrência com outras empresasque não contribuem para a preservação do meio ambiente”, não tem o certificado ambiental (Rodrigues, 2005: 100).

A concepção de desenvolvimento sustentável é insustentável, nunca ocorrerá numa sociedade capitalista, e o indígena não precisa de seu ideário, porque isto faz parte de sua existência. Impossível, no capitalismo, desenvolver sem destruir (apenas mantendo as coisas).
A maioria dos movimentos ambientalistas está equivocada em sua crítica, mas muitos deles possuem vínculos estreitos com o modo de produção capitalista, como podemos ver em Bluwol:
É fácil observar que grande parte dos movimentos ambientalistas não é contra o modo capitalista de produção, e muitos são até parceiros, tendo apoio da chamada iniciativa privada, ou seja, as empresas capitalistas. Isso se dá, pois a principal luta deles é a conservação dos recursos naturais que servem de matéria-prima para estas indústrias. Natureza, para estes movimentos e indústrias, é apenas uma fornecedora de matéria-prima e, portanto, deve-se conservá-la minimamente. (...) Esses movimentos podem ser chamados de “capitalismo verde”, e são, infelizmente, a esmagadora maioria dos movimentos ditosambientalistasouecológicos”, ao menos dos que possuem acesso ao grande público, principalmente no que diz respeito à veiculação de suas idéias nas grandes mídias, com o apoio financeiro da iniciativa privada ou do próprio governo estatal, que, logicamente, também possui seus interesses capitalistas na exploração de seu território e de seus habitantes (Bluwol, 2009: 59-60).

Um dos grandes questionamentos a serem colocados é o de que o desenvolvimento sustentável e a relação sustentável entre homem-natureza poderão se realizar em uma sociedade que não seja capitalista. Temos de nos perguntar: que tipo de sociedade tem de ser construída para se atingir tal objetivo? Na escola, por exemplo, o professor de geografia tem de levar o aluno a ter tolerância com outros conceitos de natureza, fazendo-o compreender o conceito de natureza da sociedade capitalista, para que este possa criticá-lo e superá-lo.
A raiz do problema não é somente a dicotomia homem-natureza (até porque ela é realizada, como vimos, desde o momento em que o homem se diferenciou da natureza, ao ser uma natureza que tomou consciência de si próprio), mas a relação social, ou seja, o modo de produção capitalista. A crítica a isto, portanto, tem de ser mais estrutural do que ideológica. Carvalho, abaixo, explicitou e diferenciou a crítica estrutural da crítica ideológica (principalmente, daquelas alienadas):
(...) De um lado, uns questionam o próprio modo de produção, responsabilizando-o pelo desastre, acenando com novos parâmetros para os cálculos econômicos (que não sejam os do consumismo e acumulação), cobrando dos homens uma nova concepção no trato com a natureza, isto é, um novo arranjo econômico. De outro lado, vêm aqueles que propõem verdadeiras “comunhões” classistas para despertar o “inconsciente ecológicoque dormia no “bicho-homem” e, assim, todo mundo ganha o seu quinhão de responsabilidade num processo secular de destruição de um patrimônio que, para muitos, apenas significa sobrevivência e, para uns poucos, supervivência (Carvalho, 1986: 48).


Considerações finais

Moreira (2006) afirmou que a biologia, a ecologia e a geografia têm tratado o homem exclusivamente como espécie biológica (ou como umcomplexo físico-químico-biológico”), não levando em conta a especificidade e a complexidade desta discussão, desconsiderando o homem como sendo parte integrante da natureza.
Concordamos com este autor, quando ele assegurou que a visão dicotomizada entre homem e natureza, na ciência geográfica, persiste até os nossos dias. Como foi dito, a física relativista e o pensamento quântico abriram o debate dos rumos do conceito de natureza e da geografia física, na ciência geográfica. Temos, portanto, novos paradigmas na ciência moderna, que possibilitam conceber os conceitos de natureza e sociedade de uma maneira mais unitária.
Portanto, estas reflexões foram necessárias para se pensar num novo conceito de natureza que seja pautado por um método dinâmico e que integre os elementos analíticos. É necessário que se faça uma crítica estrutural em relação ao conceito de natureza, à sociedade e às ciências, superando os discursos meramente ideológicos. Criar um novo conceito de natureza significa criar uma nova sociedade.
O capitalismo está em crise porque interfere demais no ambiente, pois é uma sociedade altamente tecnológica e consumista. A crise ecológica é uma crise da sociedade capitalista e se extinguirá pela extinção do modo de produção capitalista. Por isso, concordamos com Carvalho, quando defendeu que:
(...) os homens possam ser sujeitos de si mesmos, num mundo onde todos os componentes tenham direito a desenvolver suas alteridades; portanto, bastante diferente daqueles mundos conhecidos, onde a ausência de liberdade e a não satisfação das necessidades transforma-nos em objetos ou sujeitos dos outros (Carvalho, 2003: 82).


Criar um novo conceito de natureza significa criar uma nova sociedade, pois, ao se mudar sociedades, os pensamentos e os conceitos terão de ser modificados. Portanto, os modismos de desenvolvimento sustentável ou da Agenda 21 existem para despolitizar o debate, estando eles ligados à agenda política do Banco Mundial. Na Agenda 21, temos a idéia de que a preservação e a conservação dos recursos naturais poderão provocar a inclusão social. Isto é uma falácia, pois uma inclusão “de fatosomente ocorrerá com a extirpação do modo de produção capitalista. Somente com o fim da sociedade capitalista, poderemos construir conceitos de natureza e de ser humano realmente sustentável, um conceito que mais se coaduna com um tipo de mundo que queremos construir ou preservar.
Assim, deve-se buscar uma sociedade em que os trabalhadores possam usufruir integralmente dos frutos de seu trabalho. A luta por um conceito de natureza verdadeiramente sustentável, de fato, passará pela crítica estrutural, passando pela leitura do modo de produção das sociedades, na necessidade da superação da sociedade capitalista e pela criação de uma sociedade igualitária e justa.

Referências bibliográficas:

ALTVATER, Elmar. “Existe um marxismo ecológico?” In: BORON, Atílio A.; AMADEO, Javier; GONZÁLEZ, Sabrina (orgs.). A teoria marxista hoje:problemas e perspectivas. São Paulo: Expressão Popular, 2006.
BAUAB, Fabrício Pedroso. “Matrizes modernas da idéia de natureza: Galileu Galilei (1564-1642) e René Descartes (1596-1650).” In: Terra Livre, ano 25, v.1, n. 32, jan-jun,  Porto Alegre: Solidus Gráfica e Editora, p. 93-104, 2009.
BÍBLIA. Português. Bíblia sagrada. Coordenação geral e tradução de Ludovico Garmus. São Paulo: Folha de São Paulo, 2010.
BLUWOL, Dennis Zagha. Críticas ao conceito de natureza, ao ambientalismo e ao veganismo em tempos de capitalismo. São Paulo: Editora Ética & Picarética, 2009.
CALLAI, Helena Copetti. “O meio ambiente no ensino fundamental”. In: Terra Livre, AGB, n. 13, agosto, São Paulo: AGB, 1997.
CARLOS, Ana F. “O meio ambiente urbano e o discurso ecológico.” In: Revista do Departamento de Geografia, n. 8, USP/FFLCH, 1994.
CARVALHO, Marcos B. de. “A natureza na geografia do ensino médio”. In: Terra Livre, n. 1, AGB: EJB Editoras, 1986.
________________________. “Geografia e complexidade”. In: Scripta Nova, n. 34, Edição virtual: http://www.ub.edu/geocrit/sn-34.htm, Universidad de Barcelona, 1999. Visualizado em 19 de junho de 2013.
________________________. O que é natureza? São Paulo: Brasiliense, 2003.
CDB (Convenção sobre a Diversidade Biológica). Panorama da biodiversidade global. Tradução de Eliana Jorge Leite. Brasília: Ministério do Meio Ambiente, Secretaria de Biodiversidade e Florestas, 2010.
COMISSÃO MUNDIAL SOBRE MEIO AMBIENTE E DESENVOLVIMENTO. Nosso futuro comum. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1991.
DESCARTES, René. “Discurso do método”. In: Coleção Os Pensadores. São Paulo, Nova Cultural: 1999.
ENGELS, Friedrich. Dialética da natureza. Lisboa: Editorial Presença, 1978.
FERREIRA, Wladimir Jansen. Uma leitura geográfica da formação da Cidade de São Paulo na obra de Adoniran Barbosa. Trabalho de conclusão do curso de geografia na PUC-SP. São Paulo: PUC-SP, 2005.
_________________________. Uma análise crítica do conceito de natureza no currículo de geografia do Estado de São Paulo. Trabalho de conclusão do curso de especialização em Ensino de Geografia na PUC-SP. São Paulo: PUC-SP, 2011.
GONÇALVES, Carlos Walter Porto. Os (des)caminhos do meio ambiente. São Paulo: Contexto, 2000.
HARVEY, David. Condição pós-moderna. São Paulo: Edições Loyola, 2001.
______________. Espaços de esperança. São Paulo: Edições Loyola, 2004.
______________. “O ‘novo imperialismo’: ajustes espaço-temporais e acumulação por desapossamento”. In: Lutas Sociais, n. 13/14, São Paulo: Sitta Gráfica e Editora, 2005.
IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudança do Clima). Relatório. Genebra: dezembro de 2007. Disponível em: http://www.ipcc.ch/pdf/assessment-report/ar4/syr/ar4_syr.pdf (Visualizado em 19 de junho de 2013).
ISTOÉ. Enciclopédia ilustrada do Planeta Terra. São Paulo: Três Comércio de Publicações Ltda, 2009.
LEFÈBVRE, Henri. Lógica formal, lógica dialética. RJ: Civilização Brasileira, 1979.
MARX, Karl; ENGELS, F. Manifesto do Partido Comunista. São Paulo: Global Editora, 2000.
MEADOWS, D. et al. Limites do crescimento. São Paulo: Perspectiva, 1973.
MORAES, Antônio Carlos Robert. “Bases epistemológicas da questão ambiental: o método”. In: Orientação, n. 8, São Paulo: Departamento de Geografia da USP, 1990.
MOREIRA, Ruy. O que é geografia? São Paulo: Brasiliense, 1981.
______________. O movimento operário e a questão cidade-campo no Brasil. Petrópolis/RJ: Vozes, 1985.
______________. “Da região à rede e ao lugar: a nova realidade e o novo olhar geográfico sobre o mundo. In: Ciência Geográfica, n. 6, Bauru: AGB-Bauru, 1997.
______________. O círculo e a espiralpara a crítica da geografia que se ensina. Niterói: Edições AGB-Niterói, 2004-a.
______________. “A geografia serve para desvendar máscaras sociais”. 2004-b. Disponível em: http://geocities.yahoo.com.br/upege-sp (Visualizado em 19 de junho de 2013).
____________. “Ser-tões: o universal no regionalismo de Graciliano Ramos, Mário de Andrade e Guimarães Rosa (um ensaio sobre a geograficidade do espaço brasileiro)”. In: Ciência Geográfica, AGB-Bauru, ano X, volume X, n. 3, set-dez, Bauru: AGB-Bauru, 2004-c.
______________. Para onde vai o pensamento geográfico? Por uma epistemologia crítica. São Paulo: Contexto, 2006.
NOVACK, George. A lei do desenvolvimento desigual e combinado da sociedade. Brasil: Rabisco Criação e Propaganda Ltda, 1988.
OLIVEIRA, Francisco de. Malthus e Marx – o falso encanto e dificuldade radical, Campinas: NEPO-Unicamp, 1985.
ONU (Organização das Nações Unidas). Declaração universal dos direitos humanos. Edição virtual. Disponível em: http://www.ohchr.org/EN/UDHR/Pages/Language.aspx?LangID=por, 1948 (Visualizado em 19 de junho de 2013).
RODRIGUES, Arlete Moysés. “Problemática ambiental = agenda políticaespaço, território, classes sociais”. In: Boletim Paulista de Geografia da AGB-SP, n. 83, São Paulo: Xamã Editora, 2005.
SANTOS, Mílton. “Espaço e dominação”. In: Seleção de Textos, n. 4, AGB-SP, junho, São Paulo: AGB-SP, 1978.
______________. Por uma geografia nova. São Paulo: Hucitec, 1978.
______________. Espaço e método. São Paulo: Nobel, 1985.
______________. A natureza do espaço: espaço e tempo, razão e emoção. São Paulo: Edusp, 2002.
______________. “A questão do meio ambiente: desafios para a construção de uma perspectiva transdisciplinar” (com a colaboração de Adriana Bernardes da Silva). In: GeoTextos, vol. 1, n. 1, Salvador: UFBA, 2005.
SMITH, Neil. Desenvolvimento desigualnatureza, capital e a produção de espaço. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1988.
TRICART, Jean. Ecodinâmica. Rio de Janeiro: IBGE, Diretoria Técnica e SUPREN, 1977.



[1] Citação de F. Ratzel (Antropogeografia, 1914, p. 1) presente no artigo de Carvalho (1999, edição virtual em http://www.ub.edu/geocrit/sn-34.htm).
[2] Esta frase foi creditada ao geógrafo francês Èlisée Reclus (1830-1905), no livro O homem e a Terra (publicado postumamente em 1906), mas cremos que tenha sido, originalmente, escrita por F. Engels, no livro Dialética da natureza (publicado de maneira inacabada em 1883).
[3] As duas passagens de Ratzel foram retiradas do artigo de Carvalho (1999, edição virtual em http://www.ub.edu/geocrit/sn-34.htm), estando presentes no livro Antropogeografia (1914, p. 60 e 62).
[4] O conceito de meio ambiente apareceu, inicialmente, no livro-manifesto Silent spring (Primavera silenciosa), de Rachel Carson, considerado como um dos iniciadores do movimento ambientalista.
[5] Pode ser encontrado nos seguintes sites: http://www.unep.org/Documents.Multilingual/Default.asp?DocumentID=97&ArticleID=1503&l=en ou http://www.onu.org.br/a-onu-em-acao/a-onu-e-o-meio-ambiente/ ou http://www.vitaecivilis.org.br/anexos/Declaracao_Estocolmo_1972.pdf.
[6] Holos, em grego, significa total e inteiro.
[7] Edição virtual em http://www.ub.edu/geocrit/sn-34.htm.
[8] Esta passagem de Ratzel, retirada do artigo de Carvalho (1999), refletiu sobre as influências e determinações entre homem-natureza: “Em verdade, na história desta evolução, as plantas influenciaram as plantas, os animais influenciaram os animais, e estes aquelas e vice-versa; mas nenhum outro organismo exerceu uma influência tão ampla e extensa sobre os outros seres como fez o homem, transformando de maneira muito profunda a fisionomia da vida na Terra”.
[9] Marx, Karl. Manuscritos econômico-filosóficos. Lisboa: Edições 70, 1989.
[10] Georg Lukács em “As bases ontológicas do pensamento e da atividade do homem” (Revista Temas, nº 4. São Paulo, 1978) e “Vários autores – conversando com Lukács” (Ed. Paz e Terra. Rio de Janeiro, 1969).
[11] Frase dita pelo professor Élvio Martins Rodrigues em uma aula na pós-graduação em “Ensino de Geografia” na PUC-SP (2010).
[12] Essa citação de Ratzel foi retirada do artigo de Carvalho (1999, edição virtual em http://www.ub.edu/geocrit/sn-34.htm), estando presente no livro Antropogeografia (1914, p. 91-92).

[13] Concepção também vista em Santos, Mílton (Espaço e método. São Paulo, Nobel, 1985).
[14] Ideia também contida em Santos, Mílton (Técnica, espaço e tempo. Globalização e meio técnico-científico-informacional. São Paulo, Hucitec, 1994, p. 16).
[15] Originalmente estas informações estão publicadas em “LUHR, James F. (Editor-in-chief); SMITHSONIAN INSTITUTION. Earth. London: Dorling Kindersley, 2008”.
[16] Segundo Moreira (2004-a), a ideia de homem-população tem origem em Malthus (teoria da desproporção do crescimento humano para a produção de alimentos, tendo em vista os limites dos solos agricultáveis na natureza).

[17] Apesar de demonstrar um preconceito em relação à pobreza, Malthus foi um dos primeiros cientistas a relacionar a taxa de mortalidade com salários e à condição de vida das pessoas.
[18] Smith representava os interesses da burguesia mercantil; Ricardo, os interesses da burguesia industrial (que teria hegemonia na sociedade); e Malthus, os interesses da burguesia rural (afetada pelas burguesias mercantil e industrial).
[19] Na sociedade capitalista, o “exército industrial de reservaera forjado para o rebaixamento de salários, sendo o “núcleo regente da dinâmica populacional no modo de produção capitalista”. Este exército estava ligado ao número de desempregados, que foram desterritorializados no processo de êxodo rural e que estavam desempregados devido ao maior número de equipamentos-máquinas nas empresas. Nas crises do capital, este exército era ampliado e os salários eram rebaixados, assim como, nas épocas de recuperação-prosperidade, ele era reduzido e os salários aumentados. No modo de produção capitalista, a população era regida por esta lógica.
[20] Segundo Oliveira (1985, p. 16), Malthus “confiava muito mais no próprio ajustamento entre salários e condições de vida como meio de controlar a expansão da população, e menos na possibilidade de controle e planejamento social dos usos, costumes e tradições”.
[21] IPCC é a sigla (em inglês) de Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas; CDB, de Convenção sobre Diversidade Biológica (assinada durante a Eco-92); e IPBES (em inglês), de Painel Intergovernamental de Políticas Científicas sobre Biodiversidade e Ecossistema.
[22] Rodrigues (2005) reproduziu o pensamento da cientista Vandana Shiva, que afirmou que as riquezas naturais não são contabilizadas na economia de uma maneira correta, pois se leva em consideração o preço e o valor de mercado, desconsiderando o valor em si (o tempo de formação dos objetos naturais, sua importância ambiental-local etc.).

Nenhum comentário:

Postar um comentário