REFLEXÕES QUE FIZ SOBRE AGRICULTURA E PRODUÇÃO CAPITALISTA
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As Questões Agrária e Agrícola podem ser
estudadas diferenciadamente, mas são interdependentes e se interdeterminam.
Estudar uma é, conseqüentemente, estudar a outra. Segundo José Graziano da Silva
em “O que é Questão Agrária?” (1984), esta separação é um recurso analítico,
mas não se deve separar em compartimentos estanques.
Quando se fala em “questão
agrícola” estamos nos referindo à forma de produção no campo, levando-se em
conta aspectos quantitativos e fazendo alguns questionamentos – o que se
produz, quanto se produz e onde se produz tal atividade.
Quando se fala em “questão
agrária” leva-se em conta aspectos qualitativo, dando mais importância à
questão da distribuição das terras num território, quem são os detentores da
terra (os agentes sociais), para quem é produzido e como é utilizada a terra.
Segundo Graziano (1984), a
discussão sobre a Questão
Agrária e a Questão Agrícola
até a década de 1970 foi tratada separadamente e de maneira não articulada,
apesar de existirem algumas obras que destoassem neste período (como as escritas
por Ignácio Rangel sobre o assunto ainda na década de 1960). Entretanto, com o
aumento das relações capitalistas no campo, com a crise agrária (da liberação
de mão-de-obra, expulsão de camponeses de suas terras) e o aumento de
produtividade no campo (para atender demandas de indústrias e de alimentação
das pessoas na cidade) temos uma necessidade de articulação destas discussões e
uma compreensão maior dos processos sociais e produtivos na sociedade.
Para compreender a agricultura moderna é necessário descrever o processo histórico de passagem da agricultura brasileira do
chamado “complexo rural” para uma dinâmica comandada pelos “complexos
agroindustriais”.
Para pensar e compreender a sociedade tem de se levar em conta todos os
momentos da produção. Isto significa compreender a relação produtiva entre
campo cidade e compreender as várias etapas da produção agropecuária.
Existe uma inter-relação do campo com a cidade, com uma dependência do
campo. Ao mesmo tempo em que o campo está cada vez mais dependente da cidade
(investimentos, matérias-primas), a cidade necessita dos produtos que o campo
produz e também dos moradores que são potencialmente força de trabalho.
O Campo envia Trabalhadores, Matéria-Prima e Produtos pra Cidade. Já a
Cidade envia Tecnologia Agrícola e Dinheiro para o Campo. Podemos verificar
isso na imagem abaixo:
O Brasil durante boa de sua história foi caracterizado por ter como
determinante em sua dinâmica da agricultura o chamado Complexo Rural e que será
modificado por completo somente na década de 1970 com as dinâmicas do Complexo
Agroindustrial na agricultura brasileira.
O Complexo Rural foi caracterizado pela pequena produção de alimentos
para o mercado interno e a grande produção monocultura para o mercado externo.
Durante o período colonial brasileiro (1500-1822) a regulamentação das terras
era realizada pelo Sistema Sesmarial, onde as concessões das Sesmarias estavam
subordinadas à metrópole portuguesa. Os donatários das Sesmarias recebiam a
terra como doação, mas não tinham a propriedade, podiam apenas explorá-la. A
terra era domínio da Coroa portuguesa e possuir terra significava
prestígio/status social.
Toda a produção agropecuária durante o Complexo Rural era gerada na
própria fazenda e havia uma tênue divisão de trabalho.
A escravidão foi importantíssima para que se tivesse um monopólio de
classe rígido sobre a terra. Somente os ricos conseguiam adquirir terras
legalmente pelo seu poder econômico, já que indígenas e mestiços não podiam
adquirir terras ou herança.
Nas Semarias somente o fazendeiro branco e rico podia ter terras e ele
poderia aceitar ou não ter posseiros agregados em sua propriedade, sendo quem
este deveria pagar uma indenização. O agregado que não era escravo ou servo
feudal, tinha uma relação de troca entre agregado-fazendeiro, sendo que a “luta
do agregado era a luta pelo direito do fazendeiro” (José de Souza Martins em
“Camponeses e a Política no Brasil: as lutas sociais no campo e seu lugar no
processo político”).
O final formal das Sesmarias se dará com a Independência do Brasil (em
1822) e teremos um período de “caos fundiário”, com ausência de um regime
jurídico-político de regulamentação de terras. Este caos só será resolvido com
a Lei de Terras em 1850.
Importante destacar que a Lei de Terras de 1850, a Lei Eusébio de Queirós
de 1850 e a Abolição da Escravatura de 1888 auxiliaram decisivamente na
transição para o Complexo Agroindustrial. Com a Lei de Terras temos o
surgimento da propriedade privada, ou seja, propriedade da terra perante compra
e venda. A Lei Eusébio de Queirós que foi imposta pela Inglaterra, pôs fim ao
“tráfico negreiro”, incentivando a transição para o trabalho assalariado, que
ocorrerá somente com a Lei Áurea e a Abolição da Escravatura. Além do que, com
o capitalismo industrial inglês,
temos a necessidade de venda dos produtos e de força de trabalho livre para ser
explorada e consumir os produtos. Ou seja, tinha de se acabar com a escravidão
porque “escravo não consome”.
Os cafezais cresciam em número e extensão e estava ficando escassa a
mão-de-obra escrava. Esta mão-de-obra estava ficando cara e isto encarecia os
custos de produção do café. A saída foi o fim da escravidão com a adoção do
trabalho livre. Foi necessário que se criasse o mercado de força de trabalho,
com a compra e venda de força de trabalho, onde o trabalhador vende sua força
de trabalho e o empregador paga o seu salário.
A única maneira de se obter trabalho livre “super-explorado” (mão-de-obra
barata) era criar para que o trabalhador livre fosse incapaz de adquirir terras
e fosse forçado a trabalhar nas fazendas. Daí a necessidade de se impedir a
ocupação ou doação. A solução encontrada pela oligarquia foi a compra de terras
com a Lei de Terras.
Temos agora a propriedade privada e o trabalho assalariado. Com estas mudanças
temos uma profunda mudança no Brasil, fazendo uma transição de uma sociedade de
bases rurais pré-capitalista para uma sociedade capitalista. Apesar desta
mudança não destruir a economia da grande fazenda, o camponês livre está
subjugado à propriedade, dependente do mercado e será obrigado a comprar terras
através de seu trabalho e salário. A luta de classes no campo se intensifica
cada vez mais, temos o espaço do fazendeiro e o espaço do camponês entrando
constantemente em conflito.
Importante se destacar a vinda de imigrantes no fim do século XIX, pois
além deles virem para “povoar as terras brasileiras”, eles eram assalariados
nas fazendas e posteriormente nas cidades. Pode-se dizer que já estavam
acostumados à esta relação assalariada no trabalho e contribuíram na transição
e adaptação para o trabalho assalariado no Brasil.
Na transição do Complexo Rural para o Complexo Agroindustrial tivemos o
Complexo Cafeeiro, que preparará as bases materiais para esta mudança. A
produção Cafeeira era para exportação, mas incentivará a produção industrial de
bens de consumo e de instrumentos para dinamizar a sua produção.
O Complexo Cafeeiro gera uma pequena industrialização nas cidades
brasileiras entre 1888-1930, sinalizando o que ocorreria algumas décadas depois.
Esta industrialização consolidará centros urbanos nas cidades e vai gerar uma
pequena modernização da agricultura (como ensacadoras de café, secadora de
café, torrador de café, ferrovias, fábricas de chapéu-louças-fiação-tecelagem, etc).
Esta modernização na produção cafeeira ocorria para uma maior produção de café
e para atender a necessidade de alimentos dos moradores da cidade.
Importante se destacar que o “motor da economia” era o café e cana-de-açúcar
e a indústria só se tornarão base da economia brasileira a partir da década de
1930. Não podemos falar em Complexo Agroindustrial com a modernização agrícola
entre 1888-1930, pois as máquinas eram importadas da Europa.
O Complexo Agroindustrial é caracterizado por três momentos que são
interdependentes e assimétricos. Eles poderão ser observados na Cadeia
Produtiva a seguir:
Para que haja produção no “Campo” (seja agricultura ou pecuária), este
está dependente da “Indústria para a Agricultura” (que geralmente está situado
na Cidade) que produz máquinas, equipamentos e insumos agrícolas. Depois de
ocorrido a produção agropecuária no “Campo”, este enviará seu produto final
para a “Agroindústria de Beneficiamento”, que industrializará os produtos
agropecuários. Como diria Geraldo Muller em “Complexo Agroindustrial e
Modernização Agrária”:
“Em termos formais, o Complexo Agroindustrial, CAI, pode ser definido
como um conjunto formado pela sucessão de
atividades vinculadas à produção e transformação de produtos agropecuários e
florestais.l atividades tais como: a geração destes produtos, seu
beneficiamento/transformação e a produção de bens de capital e de insumos
industriais para as atividades agrícolas; ainda: a coleta, a armazenagem, o
transporte, a distribuição dos produtos industriais e agrícolas; e ainda mais:
o financiamento, a pesquisa e a tecnologia, e a assistência técnica”. (pag 45).
Não é necessariamente harmônica esta Cadeia Produtiva, pois ocorrem muitos conflitos. Os produtores rurais agropecuários sempre querem aumentar o preço do seu produto e os industriais das “Agroindústrias de Beneficiamento” querem que o preço dos produtos agrícolas (pois quanto mais baixo este for, menos serão os custos de produção e maior será o lucro deste). Este conflito ocorre, por exemplo, entre Produtores de Laranja e Produtores de Suco de Laranja ou entre Produtores de Leite e Processadores de Leite (quando se pausteriza esse encaixota o leite), etc.
Para que o Complexo Agroindustrial fosse implementado no Brasil, tivemos uma longa transição, iniciada com as mudanças estruturais do século XIX e principalmente entre a década de 1950 e 1970.
O Brasil foi um país que passou por um rápido processo de saída de
pessoas do campo para a cidade. Vejamos os dados a seguir:
BRASIL –
população no campo e na cidade
|
Ano
|
Pessoas no campo
|
Pessoas na cidade
|
1940
|
70%
|
30%
|
1950
|
66%
|
34%
|
1960
|
55%
|
45%
|
1970
|
44%
|
56%
|
1980
|
32%
|
68%
|
1991
|
24%
|
76%
|
2000
|
18,8%
|
82,2%
|
2010
|
15,6%
|
84,4%
|
As pessoas saíram do campo pela grande oferta de empregos da cidade, a
falta de empregos no campo ocasionados muitas vezes com a urbanização e
modernização do campo (como pela mecanização da força de trabalho), a
diminuição do poder econômico dos lavradores (agricultura de subsistência) que
tem de vender suas terras para os grandes agricultores e latifundiários.
Entre as décadas de 1930-50 ocorrerá a decadência da economia cafeeira no
Brasil (relacionado com a crise mundial do capitalismo na Quebra da Bolsa de
Valores de Nova York em 1929 e a Segunda Guerra Mundial) e a intensificação da
industrialização nos grandes centros urbanos brasileiros.
Na década de 1950 temos uma intensificação da modernização do campo, com
um aumento do uso dos insumos modernos na agricultura brasileira, mas grande
parte destes ainda era importada.
Entre 1955-65 ocorrerá a implementação do D1 geral da economia no
território brasileiro, com o surgimento da indústria pesada ou “de base” no
Brasil. O D1 são os meios e objetos de produção, caracterizados pelos Bens de
Capitais, Bens de Equipamento e os Bens Intermediários/Insumos. Surgirão as
siderúrgicas (destaque para a CSN), as petroquímicas (destaque para a PETROBRAS),
material elétrico, etc.
A implementação do D1 geral da economia no território brasileiro será
decisiva para a internalização do D1 para a agricultura, fato que ocorrerá
entre 1965/75. Temos agora a efetivação da industrialização da agricultura e o
surgimento do Complexo Agroindustrial no Brasil. O D1 para a agricultura é
caracterizado com tratores e equipamentos, fertilizantes químicos, rações,
medicamentos veterinários, etc.
Podemos afirmar que a indústria de fertilizantes só foi possível depois
de se ter indústrias petroquímicas, indústrias siderúrgicas e indústrias de
tratores e equipamentos.
Temos o surgimento de vários Complexos Agroindustriais (CAI’s), como o da
soja, cana-de-açúcar, milho, carne, laranja, etc. Muitos destes CAI’s são
articulados, como o CAI do milho e da carne.
Importante destacar o período de 1975/85 onde teremos um aumento
substancial nas integrações de capitais variados, tanto no campo quanto na
cidade (concentração e centralização de capitais). Temos uma intensificação das
integrações dos CAI’s, criando uma unidade de fato e caracterizando-se como um
novo padrão agrícola. As empresas se utilizam de estratégias financeiras
diversas para dominar ou tentar dominar todas as etapas do processo produtivo.
Novas atividades no campo capitalista
Com a modernização agrária e a conseqüente industrialização da
agricultura e urbanização do campo, ocorreu um processo de mercantilização do
espaço agrário caracterizado pelo surgimento de novas atividades rurais
agrícolas e não agrícola.
O espaço agrário brasileiro está com os Complexos Agroindustriais
consolidados e conseqüentemente temos a modernização agrária, a
industrialização da agricultura e a urbanização do campo.
O campo está urbanizado porque está cada vez mais integrado com a cidade
e porque o campo está cada vez mais moderno e industrializado.
Apesar de a urbanização ocorrer de maneira mais intensa nas Cidades, o
urbano também avançará pelo rural, ou seja, o campo é a extensão da geografia
urbana. Teremos então um processo de urbanização no campo.
O campo é urbanizado porque teremos uma cada vez maior utilização de
conhecimento científico e tecnologia agrícola, tais como máquinas (como
tratores e colheitadeiras), técnicas agrícolas, irrigação, sementes
transgênicas, estufas, adubos, variados meios de transporte e meios de
comunicação, etc. A tecnologia agrícola
é um importante elemento do processo produtivo capitalista. Ela pode melhorar
ou potencializar a produção agrícola.
O campo está moderno porque é uma necessidade do capitalismo, pois as
pessoas da cidade não produzem seus alimentos e o campo tem de produzir em
grandes quantidades para atender a alta demanda da cidade (de pessoas e
indústrias). A cada 4 brasileiros, 3 moram nas cidades e 1 mora no campo.
O espaço agrário brasileiro está cada vez mais mercantilizado, abrindo
espaços para novas atividades rurais agrícolas e não agrícolas, agregando mais
valor à produção e à incorporação de capitais.
Atividades não-rurais e não-agrícolas surgem no campo, tais como
indústria de transformação e agroindústrias, prestação de serviços pessoais,
comercio, construção civil, etc. Muitas destas atividades não-agrícolas estão
surgindo porque temos a modernização no campo, aumentando ainda mais a
urbanização agrária.
Temos também o surgimento de algumas atividades não rurais no campo,
tornando-se verdadeiras cadeias produtivas. Muitas nem envolvem as
transformações agroindustriais, se relacionando com serviços pessoais e
produtivos relativamente complexos e sofisticados nos ramos da distribuição,
comunicação e embalagens (“O Emprego Rural e a Mercantilização do Espaço
Agrário”, de José Graziano da Silva, Otávio Vatentim Balsadi e Mauro Eduardo
Del Grossi), (“O Novo Rural Brasileiro” de José Graziano da Silva).
Podem ser citados os exemplos da Piscicultura com os seus “pesque-pagues”,
a Criação de “Aves Nobres” (para turismo ecológico, comercialização de penas,
etc), Criação de Rãs e Criação de Outros Animais para Corte (como camarão,
capivara, jacaré, javali, scargot, etc), Produção Orgânica de Ervas Medicinais,
Produção Orgânica para Mercado Internacional Diferenciado (como óleos de dendê
e babaçu, “café ecológico”, etc), Produção de Verduras e Legumes para as Redes
de Supermercados e de Fast-Food (em estufas ou se utilizando do método de
hidroponia), Floricultura e Mudas de Plantas Ornamentais, Floricultura de Mesa,
Produção de Sucos Naturais e Polpa de Fruta Congelada, Reprodução de Plantas
Extrativas, Cultivo de Cogumelos, Turismo Rural, Fazenda-Hotel, Complexos
Hípicos, Leilões e Exposições Agropecuárias, Festas de Rodeio, etc.
Também podem ser consideradas como atividades rurais não agrícolas, as
atividades tradicionais como artesanato, as feiras, as festas populares e
religiosas.
Estas atividades não-agricolas estão sendo incorporadas às tradicionais
cadeias produtivas agroindustriais, criando empreendimentos que vai do produtor
rural ao consumidor final.
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