Não ao Novo Código Florestal - Aziz Nacib Ab Saber
São Paulo, 21 de julho de 2010
Do Código Florestal para o Código da Biodiversidade
Em face do gigantismo do território e da situação
real em que se encontram os seus macro biomas – Amazônia Brasileira, Brasil
Tropical Atlântico, Cerrados do Brasil Central, Planalto das Araucárias, e
Pradarias Mistas do Brasil Subtropical – e de seus numerosos mini-biomas,
faixas de transição e relictos de ecossistemas, qualquer tentativa de mudança
no “Código Florestal” tem que ser conduzido por pessoas competentes e
bioeticamente sensíveis. Pressionar por uma liberação ampla dos processos de
desmatamento significa desconhecer a progressividade de cenários bióticos, a
diferentes espaços de tempo futuro, favorecendo de modo simplório e ignorante
os desejos patrimoniais de classes sociais que só pensam em seus interesses
pessoais, no contexto de um país dotado de grandes desigualdades sociais.
Cidadãos de classe social privilegiada, que nada entendem de previsão de
impactos, não têm qualquer ética com a natureza, nem buscam encontrar modelos
tecnico-cientificos adequados para a recuperação de áreas degradadas, seja na
Amazônia, seja no Brasil Tropical Atlântico, ou alhures. Pessoas para as quais
exigir a adoção de atividades agrárias “ecologicamente auto-sustentadas” é uma
mania de cientistas irrealistas.
Por muitas razões, se houvesse um
movimento para aprimorar o atual Código Florestal, teria que envolver o sentido
mais amplo de um Código de Biodiversidades, levando em conta o complexo mosaico
vegetacional de nosso território. Remetemos esta ideia para Brasília, e
recebemos em resposta que esta era uma ideia boa mas complexa e inoportuna (…).
Entrementes, agora outras personalidades trabalham por mudanças estapafúrdias e
arrasadoras no chamado Código Florestal, razão pela qual ousamos criticar
aqueles que insistem em argumentos genéricos e perigosos para o futuro do país,
sendo necessário, mais do que nunca, evitar que gente de outras terras
sobretudo de países hegemônicos venha a dizer que fica comprovado que o Brasil
não tem competência para dirigir a Amazônia (…). Ou seja, os revisores do atual
Código Florestal não teriam competência para dirigir o seu todo territorial do
Brasil. Que tristeza, gente minha!
O primeiro grande erro dos que no
momento lideram a revisão do Código Florestal brasileiro – a favor de classes
sociais privilegiadas – diz respeito à chamada estadualização dos fatos
ecológicos de seu território especifico. Sem lembrar que as delicadíssimas
questões referentes à progressividade do desmatamento exigem ações conjuntas
dos órgãos federais específicos, em conjunto com órgãos estaduais similares,
uma Polícia Federal rural, e o Exército Brasileiro. Tudo conectado ainda com
autoridades municipais, que têm muito a aprender com um Código novo que envolve
todos os macro-biomas do país, e os mini-biomas que os pontilham, com especial
atenção para as faixas litorâneas, faixas de contato entre as áreas nucleares
de cada domínio morfoclimático e fitogeográfico do território. Para pessoas
inteligentes, capazes de prever impactos, a diferentes tempos do futuro, fica
claro que ao invés da “estadualização”, é absolutamente necessário focar para o
zoneamento físico e ecológico de todos os domínios de natureza do país. A
saber, as duas principais faixas de florestas tropicais brasileiras (a zona
amazônica e a zona das matas atlânticas), o domínio dos cerrados, cerrados e
campestre, a complexa região semiárida dos sertões nordestinos, os planaltos de
araucárias e as pradarias mistas do Rio Grande do Sul, além do nosso litoral e
do Pantanal Mato-grossense.
Seria preciso lembrar ao honrado
relator Aldo Rabelo – a meu ver bastante neófito em matéria de questões
ecológicas, espaciais e em futurologia – que atualmente na Amazônia brasileira
predomina um verdadeiro exército paralelo de fazendeiros que em sua área de
atuação tem mais força do que governadores e prefeitos. O que se viu em Marabá,
com a passagem das tropas de fazendeiros, passando pela Avenida da
Transamazônica, deveria ser conhecido pelos congressistas de Brasília, e
diferentes membros do executivo. De cada uma das fazendas regionais passava um
grupo de cinquenta a sessenta camaradas, tendo a frente em cavalos nobres, o
dono da fazenda e sua esposa, e os filhos em cavalos lindos. E os grupos iam
passando separados entre si, por alguns minutos. E, alguém a pé, como se fosse
um comandante, controlava a passagem da cavalgada dos fazendeiros. Ninguém da
boa e importante cidade de Marabá saiu para observar a coluna amedrontadora dos
fazendeiros. Somente dois bicicletistas meninos, deixaram as bicicletas na
beira da calçada olhando silentes a passagem das tropas. Nenhum jornal do Pará,
ou alhures, noticiou a ocorrência amedrontadora. Alguns de nós não pudemos
atravessar a ponte para participar de um evento cultural.
Será certamente, apoiados por fatos
como esse, que alguns proprietários de terras amazônicas deram sua mensagem,
nos termos de que “a propriedade é minha e eu faço com ela o que eu quiser,
como quiser e quando quiser”. Mas ninguém esclarece como conquistaram seus
imensos espaços inicialmente florestados, sendo que, alguns outros, vivendo em
diferentes áreas do cetro-sul brasileiro, quando perguntados sobre como
enriqueceram tanto, esclarecem que foi com os “seus negócios na Amazônia” (…).
Ou seja, por meio de loteamentos ilegais, venda de glebas para incautos em
locais de difícil acesso, os quais ao fim de um certo tempo são libertados para
madeireiros contumazes. E o fato mais infeliz é que ninguém procura novos
conhecimentos para reutilizar terras degradadas ou exigir dos governantes
tecnologias adequadas para revitalizar os solos que perderam nutrientes e
argilas, tornando-se dominadas por areias finas (siltizaçao).
Entre os muitos aspectos caóticos,
derivados de alguns argumentos dos revisores do Código, destaca-se a frase que
diz que se deve proteger a vegetação até sete metros e meio do rio. Uma redução
de um fato que por si já estava muito errado, porém agora esta reduzido
genericamente a quase nada em relação aos grandes rios do país. Imagine-se que
para o rio Amazonas, a exigência protetora fosse apenas sete metros, enquanto
para a grande maioria dos ribeirões e córregos também fosse aplicada a mesma
exigência. Trata-se de desconhecimento entristecedor sobre a ordem de grandeza
das redes hidrográficas do território intertropical brasileiro. Na linguagem
amazônica tradicional, o próprio povo já reconheceu fatos referentes à
tipologia dos rios regionais. Para eles, ali existem, em ordem crescente:
igarapés, riozinhos, rios e parás. Uma última divisão lógica e pragmática, que
é aceita por todos os que conhecem a realidade da rede fluvial amazônica.
Por desconhecer tais fatos os
relatores da revisão aplicam o espaço de sete metros da beira de todos os
cursos d’água fluviais sem mesmo ter ido lá para conhecer o fantástico mosaico
de rios do território regional. Mas o pior é que as novas exigências do Código
Florestal proposto têm um caráter de liberação excessiva e abusiva. Fala-se em
sete metros e meio das florestas beiradeiras (ripario-biomas), e, depois em
preservação da vegetação de eventuais e distantes cimeiras. Não podendo
imaginar quanto espaço fica liberado para qualquer tipo de ocupação do espaço.
Lamentável em termos de planejamento regional, de espaços rurais e silvestres.
Lamentável em termos de generalizações forçadas por grupos de interesse
(ruralistas).
Já se poderia prever que um dia os interessados
em terras amazônicas iriam pressionar de novo pela modificação do percentual a
ser preservado em cada uma das propriedades de terras na Amazônia. O argumento
simplista merece uma crítica decisiva e radical. Para eles, se em regiões do
centro-sul brasileiro a taxa de proteção interna da vegetação florestal é de
20%, porque na Amazônia a lei exige 80%? Mas ninguém tem a coragem de analisar
o que aconteceu nos espaços ecológicos de São Paulo, Paraná, Santa Catarina e
Minas Gerais com o percentual de 20%. Nos planaltos interiores de São Paulo a
somatória dos desmatamentos atingiu cenários de generalizada destruição. Nessas
importantes áreas, dominadas por florestas e redutos de cerrados e campestres,
somente o tombamento integrado da Serra do Mar, envolvendo as matas atlânticas,
os solos e as aguadas da notável escarpa, foi capaz de resguardar os
ecossistemas orográficos da acidentada região. O restante, nos “mares de
morros”, colinas e várzeas do Médio Paraíba e do Planalto Paulistano, e
pró-parte da Serra da Mantiqueira, sofreram uma detruição deplorável. É o que
alguém no Brasil – falando de gente inteligente e bioética – não quer que se
repita na Amazônia brasileira, em um espaço de 4.200.000 km².
Os relatores do Código Florestal falam
em que as áreas muito desmatadas e degradadas poderiam ficar sujeitas a
“(re)florestamento” por espécies homogêneas, pensando em eucalipto e pinus. Uma
prova de sua grande ignorância, pois não sabem a menor diferença entre
reflorestamento e florestamento. Esse último, pretendido por eles, é um fato
exclusivamente de interesse econômico empresarial, que infelizmente não
pretende preservar biodiversidades, sendo que eles procuram desconhecer que
para áreas muito degradadas foi feito um plano de (re) organização dos espaços
remanescentes, sob o enfoque de revigorar a economia de pequenos e médios
proprietários: Projeto FLORAM. Os eucaliptologos perdem éticos quando alugam
espaços por trinta anos, de incautos proprietários, preferindo áreas dotadas
ainda de solos tropicais férteis, do tipo dos oxissolos, e evitando as áreas
degradadas de morros pelados reduzidas a trilhas de pisoteio, hipsométricas,
semelhantes ao protótipo existente no Planalto do Alto Paraíba, em São Paulo.
Ao arrendar terras de bisonhos
proprietários, para uso em 30 anos, e sabendo que os donos da terra podem
morrer quando se completar o prazo. Fato que cria um grande problema judicial
para os herdeiros, sendo que ao fim de uma negociação as empresas cortam todas
as árvores de eucaliptos ou pinos, deixando miríades de troncos no chão do
espaço terrestre. Um cenário que impede a posterior reutilização das terras
para atividades agrárias. Tudo isso deveria ser conhecido por aqueles que
defendem ferozmente um Código Florestal liberalizante.
Por todas as razões somos obrigados a
criticar a persistente e repetitiva argumentação do deputado Aldo Rebelo, que
conhecemos há muito tempo, e de quem sempre esperávamos o melhor, no momento
somos obrigados a lembrar a ele que cada um de nós tem que pensar na sua
biografia, e, sendo político, tem que honrar a história de seus partidos.
Mormente em relação aos partidos que se dizem de esquerda e jamais poderiam
fazer projetos totalmente dirigidos para os interesses pessoais de
latifundiários.
Insistimos que em qualquer revisão do
Código Florestal vigente deve-se enfocar as diretrizes através das grandes
regiões naturais do Brasil, sobretudo domínios de natureza muito diferentes
entre si, tais como a Amazônia e suas extensíssimas florestas tropicais, e o
Nordeste Seco, com seus diferentes tipos de caatingas. Trata-se de duas regiões
opósitas em relação à fisionomia e à ecologia, assim como em face das suas
condições socioambientais. Ao tomar partido pelos grandes domínios,
administrados técnica e cientificamente por órgãos do executivo federal,
teríamos que conectar instituições específicas do governo brasileiro com
instituições estaduais similares. Existem regiões como a Amazônia que envolve
conexões com nove estados do Norte brasileiro. Em relação ao Brasil tropical
atlântico os órgãos do Governo Federal – IBAMA, IPHAN, FUNAI e INCRA – teriam
que manter conexões com os diversos setores similares dos governos estaduais de
Norte a Sul do Brasil, e assim por diante.
Enquanto o mundo inteiro repugna para
a diminuição radical de emissão de CO2, o projeto de reforma proposto na Câmara
Federal de revisão do Código Florestal defende um processo que significará uma
onda de desmatamento e emissões incontroláveis de gás carbônico, fato observado
por muitos críticos em diversos trabalhos e entrevistas.
Parece ser muito difícil para pessoas
não iniciadas em cenários cartográficos perceber os efeitos de um desmatamento
na Amazônia de até 80% das propriedades rurais silvestres. Em qualquer espaço
do território amazônico, que vem sendo estabelecidas glebas nas quais se
poderia realizar um desmate de até 80%, haverá um mosaico caótico de áreas
desmatadas e faixas inter-propriedades estreitas e mal preservadas. Lembrando
ainda que, nas propostas de revisão, propriedades de até 400 hectares teriam o direito
de um desmate total em suas terras, vejo-me na obrigação de que a médio e longo
prazo existiria um infernal caleidoscópio no espaço total de qualquer área da
Amazônia. Nesse caso, as bordas dos restos de florestas, inter-glebas, ficarão
à mercê de corte de árvores dotadas de madeiras nobres. E, além disso, a
biodiversidade animal certamente será a primeira a ser afetada de modo radical.
Uma cartografia simbólica dos
desmates, em propriedades de diferentes tamanhos, permite uma previsão visual
do que seria a dinâmica do cenário do desmatamento regional, antevisto a médio
prazo. Baseados em fatos reais já acontecidos no vale do Tocantins (Pará) e nos
planaltos interiores de São Paulo e Minas Gerais. No caso da Amazônia (o que
mais nos preocupa), machadeiros e motoserristas – acompanhados de
queimadas sincopadas – o roteiro dos desmatamentos seguiu por rodovias, ramais
e sub-ramais, atingindo radicalmente as “espinhelas de peixe” dos loteamentos
feitos em quarteirões especulativos no interior das matas biodiversas. Lotes de
cinquenta a cem hectares, considerados pequenos na Amazônia, foram vendidos a
incautos moradores de regiões distantes. Neste último caso, os numerosos
aquisidores, que nem mesmo puderam chegar ao sítio das terras compradas à
distância, cederam o espaço para madeireiras espertas e persistentes. Fato que
pode ser visto e analisado em imagens de satélite na região norte do Mato
Grosso, no médio Tocantins, na Bragantina, Acre sul – oriental, Rondônia,
Oeste-noroeste do Maranhão, e diversos outros setores das terras amazônicas.
Insistimos em prever que se houver um
Código que limite a área de proteção das florestas a apenas 20% do espaço total
de cada propriedade, seja qual for o seu tamanho, de 400 a um milhão de
hectares – o arrasamento a médio prazo será inimaginavelmente grande e
progressivo.
Uma das justificativas mais frequentes
para os que são favoráveis para a ampliação de áreas desmatáveis, – em cada
propriedade de terra firme na Amazônia – é de que, assim, haverá mais emprego
para trabalhadores amazonidas. Pouca gente lembra, entretanto, que em numerosas
fazendas e fazendinhas da Amazônia brasileira predomina o trabalho
semi-escravo. Desde o início da ampliação das chamadas fronteiras ditas
agrícolas, predominaram o trabalho braçal periódico ou temporário, para
machadeiros, criadores de gado, madeireiros e plantadores de eucaliptos. Sendo
que, nas raras áreas de solos melhores, estabeleceu-se o vai-e-vem tradicional
de empregos no preparo da terra e plantio, em períodos limitados. E, mais
tarde, diversas atividades na época da colheita. Caminhoneiros fizeram
penetrações esdrúxulas para atingir locais de madeiras nobres ou transportar
troncos de árvores para serrarias ou para o transporte de produtos das raras
commodities. Agora, em espaços da soja, da cana, e muito eventualmente do
arroz. Sendo que somente os capatazes mandonistas ganham razoavelmente.
Quem procura um emprego qualquer, em
uma fazenda, ainda que temporário, sofre um drama trágico e muito cansativo.
Para chegar à fazenda escolhida, marcham a pé com sua matulinha mirrada de
roupas singelas, caminhando por quilômetros nas estreitas trilhas das
florestas, até atingir as propriedades onde conseguirão um emprego braçal –
seja o preparo do solo para plantações, seja a ampliação dos capinzais para o
gado, seja no corte de árvores para ampliação dos espaços ditos produtivos,
seja no trabalho rápido e esgotante nas épocas de colheitas. Quando despedidos
são obrigados a voltar para áreas de beira de estradas onde existem rústicas aldeias
ou “ruas” pseudo-comerciais.
Temos acompanhado, desde 1972, os
problemas criados por capatazes autoritários em propriedades amazônicas,
pertencentes a pessoas ou grupos de pessoas alienígenas. Conflitos dos mais
diferentes tipos acontecem entre pobres trabalhadores silvos-rurais e os donos
de propriedades dos mais diferentes tipos. Há uma resistência permanente em
face à remuneração dos que vem de fora em face dos minguados preços pagos aos
que nasceram na própria Amazônia. Reciprocamente, o comportamento dos
proprietários em relação aos poucos tratos de terras férteis pertencentes a
reservas indígenas é catastrófico e quase insolúvel. Um dia encontrei em um
aeroporto um proprietário de uma fazenda, que ia viajar para a Amazônia no
noroeste da Roraima, onde possuía suas terras. Perguntei-lhe qual era a relação
entre seus camaradas e os índios Yanomamis da região, e a resposta infeliz veio
rápida e antiética: “Para eles, é o meu capataz que responde, erguendo seu
perigoso facão”.
Numa ocasião, ao término de uma visita
a uma fazenda dedicada à pecuária, nos pediram que em nossa volta levássemos
para uma farmácia um camarada doente, que estava passando muito mal. Na
realidade, era alguém que contraiu uma malária radical, designada por “tersã
maligna”. Não dá para falar sobre o triste estado do pobre trabalhador, sentado
no banco detrás do meu carro. Na farmácia, tomamos conhecimento que em casos
similares a única providencia era um coquetel de remédios agressivos, por meio
dos quais o pobre doente “melhorava ou morria”.
Na rodovia entre Rio Branco e
Brasiléia (Acre), pudemos sentir o ódio que alguns jovens tinham para o que
chamavam de “paulistas”, os quais teriam comprado terras durante os trabalhos
de construção da estrada. O desmate interfluvial fez com que as cabeceiras de
igarapés secassem; e que muitas propriedades da terra firme desmatada, ficassem
sem qualquer atividade produtiva. Explicação dos acreanos: inadimplência dos
proprietários alienígenas “porque nunca eles quiseram fazer uma parceria
conosco, que temos muito mais experiência sobre atividades agrárias em
nossa região”. Note-se que o termo “paulista” dizia respeito a qualquer
pessoa procedente do centro sul do Brasil. Tal como nessa imensa área, todos os
migrantes são designados por “baianos”, independentemente de onde tenham vindo.
Aqui chegados em nossas considerações,
torna-se indispensável referir-se a atividades de pequenos produtores
familiares, dotados de terras mais férteis, de dimensões limitadas, tais como
várzeas de ricos solos fluvio-aluviais ao longo do rio Amazonas, ou de pequenas
áreas de terra firme dotadas de oxisolos oriundos da decomposição de basaltos
ou diabásios [infelizmente, porém, essas últimas áreas são bastante raras,
envolvendo em seu espaço total menos de oito mil quilômetros quadrados]. Ou em
um modelo localizado de plantações em praias de estiagem do rio Acre. Ou, onde
vicejam linearmente melancias, melões e algumas plantas alimentares. Ou em
bordas de florestas restantes em terrenos de projetos falidos, onde se estabeleceu
o importante e famoso projeto RECA. Houve um tempo em que muito se falou em
reservas extrativistas, a partir do Acre de Chico Mendes, ampliado para todo o
território amazônico. Evidentemente, houve muito exagero nessa campanha, tão
simpática quanto inviável. Mas aconteceu felizmente uma proposta bem mais
complexa e diversificada, que pode ter grande aplicação a curto e médio prazo;
a qual introduzia atividades mais lógicas e produtivas, sem de tudo eliminar o
sentido complementar do extrativismo. Trata-se de um modelo pioneiro, inventado
por um ex-padre francês, de origem rural, que após conhecer o Paraná foi para o
Acre com a ideia de trabalhar na reutilização de áreas degradadas. Após
conversar com o inteligente Bispo Don Grec, em Rio Branco, resolveu fazer uma
experiência extremamente válida e quase científica porque se utilizou do
chamado “efeito de borda” para iniciar plantações com espécies amazônicas, tais
como açaí, cupuaçu e pupunha. Seu projeto foi feito em cooperação com
amazonidas residentes na fronteira da Rondônia com o Acre, tendo foco inicial
na pequena cidade de Nova Califórnia.
Nenhum governo soube perceber o quanto
o projeto ali instalado e desenvolvido, poderia ser útil para numerosas outras
áreas de borda de matas remanescentes. Sem falar que no seio da floresta
continuava o projeto extrativista tão caro aos companheiros do extraordinário
acreano Chico Mendes. Além do que, o chamado “reflorestamento econômico
concentrado e adensado” (RECA), teve um caráter didático para os cooperados que
se integraram no trabalho, produzindo espécies amazônicas e produtos
comestíveis importantes para sua alimentação (como açaí, abacaxis, castanhas e,
sobretudo, mandioca). Na borda das florestas, devido à forte luminosidade e
hidratação caída das folhas e galhos poderão ser produzidas muito mais coisas
ainda, a favor dos amazonidas, tais como bananeiras e mamoeiros, e diversas
outras plantas frutíferas. Muita coisa ainda resta ser analisada, no famoso
projeto, que infelizmente foi muito pouco compreendido por técnicos e
governantes.
Nas mudanças que se pretendem fazer
para o atual Código Florestal existem alguns tópicos extremamente criticáveis.
Ao se discutir o tamanho de propriedades familiares se definiu as mesmas até
quatrocentos hectares. Fato que significa que todas as pequenas e médias
propriedades produtoras, ou parcialmente aproveitadas, até 400 hectares poderão
ser totalmente desmatadas. O fato de considerar o espaço de propriedades
familiares até o nível de 400 hectares é um absurdo total. Trata-se de uma
excessiva flexibilização que poderá produzir um mosaico detruidor de florestas
ao longo de rodovias, estradas, riozinhos e igarapés. Um cenário trágico para o
futuro, em processo no interior da Amazônia brasileira. No entanto, propriedade
de 100 a 400 hectares, que conservassem um razoável percentual de matas no seu
entorno, poderiam receber esquemas parecidos com o projeto RECA, na borda dos
remanescentes florestais. Fato que não foi considerado nem de passagem pelos
idealizadores e relatores de um novo Código Florestal. Razão pela qual deixamos
aqui além de uma crítica, que julgamos absolutamente necessária, uma proposição
de acréscimos de atividades para pequenas e médias propriedade familiares.
Lembrando que quem faz críticas tem que elaborar propostas bem planejadas para
resolver as situações consideradas negativas.
Anotamos ainda que a ideia de reduzir
para 15 metros faixas de proteção de florestas beiradeiras (mini-biomas
ripários) tem um caráter extremamente genérico e de duvidosa aplicabilidade.
A nosso ver não é possível limitar, generalizadamente, as áreas beiradeiras, em
termos de alguns metros de largura. Pelo contrário, é necessário considerar os
fatos relacionados a igarapés, riozinhos, rios, e “parás” (grandes rios), utilizando
a tipologia popular amazonida. A impressão que se tem é de que, determinando
uma largura geral para proteção, estaríamos possibilitando desmates no nível de
todos os espaços situados entre a beira de cursos d’água até muito além onde se
situam os interflúvios de colinas ou encostas de pequenas serranias amazônicas.
Existe toda uma aula a ser dada sobre essa problemática que tende a criar
cenários extremamente caóticos em relação ao futuro a diferentes profundidades
de tempo.
Um comentário quase final: não se faz
qualquer projeto de interesse nacional pensando apenas em favorecer de imediato
só uma geração do presente, em termos de especulação com espaços ecológicos,
mesmo porque somos de opinião que devemos pensar no sucesso de todos os grupos
humanos, ao longo de muito tempo. Uma questão de bioética com o futuro. Sem
pensar na grande capacidade que o conjunto das imensas florestas equatoriais
zonais preservadas da Amazônia tem em relação ao clima do planeta Terra;
assunto que preocupa todos os pesquisadores sensíveis do mundo. Gente que
espera que o Brasil faça uma proteção integrada da maior área de vegetação
florestal que ainda resta em regiões equatoriais e sub-equatorias do mundo.
Será muito triste, cultural e politicamente falando, que pessoas de diversas
partes do mundo ao lerem as mudanças absurdas pretendidas para o Código
Florestal, venham a dizer que fica comprovado que “o Brasil não tem capacidade
para administrar e gerenciar a Amazônia”. Ainda que em outros países haja um
interesse permanente em adquirir por preços irrisórios as madeiras do
território amazônico. Tristes frases que sempre vem sendo ditas ao sabor de
trágicos acontecimentos ocorridos em nossa principal área de vegetação
florestal, que se estende por alguns milhões de quilômetros quadrados.
A utopia de um desenvolvimento com o
máximo de florestas em pé não pode ser eliminada por princípio em função de
mudanças radicais do Código Florestal, sendo necessário pensar no território
total de nosso país, sob um ampliado e correto Código de Biodiversidade. Ou
seja, um pensamento que envolva as nossas grandes florestas (Amazônia e Matas
Tropicais Atlânticas), o domínio das caatingas e agrestes sertanejos, planaltos
centrais com cerrados, cerradões e campestres; os planaltos de araucárias sul-brasileiros,
as pradarias mistas do Rio Grande do Sul, e os redutos e mini-biomas da costa
brasileira e do Pantanal mato-grossense, e faixas de transição e contrato
(core-áreas) de todos os domínios morfoclimáticos e fitogeográficos
brasileiros).
Seria necessário que os pretensos
reformuladores do Código Florestal lançassem sobre o papel os limites de glebas
de quinhentos a milhares de hectares, e dentro de cada parcela das glebas
colocasse indicações de 20% correspondente às florestas ditas preservadas. E, observando
o resultado desse mapeamento simulado, poderiam perceber que o caminho da
devastação lenta e progressiva iria criar alguns quadros de devastação
similares ao que já aconteceu nos confins das longas estradas e seus ramais, em
espaços de quarteirões implantados para venda de lotes de cinquenta a cem
hectares, onde o arrasamento de florestas no interior de cada quarteirão foi
total e inconseqüente, decorridos poucos anos.
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