Panteras Negras 4ª Parte - O Legado
Data:
04/07/2003
Neste último capítulo
nos aprofundaremos um pouco mais na história dos Panteras Negras, falaremos
sobre alguns de seus integrantes, seu legado para as futuras gerações e Khalid
Muhammad, o polêmico líder anti-semita dos falsos novos "Panteras
Negras"
Anos 70 Auge e Declínio
Após os assassinatos de
Malcolm X e Martin Luther King Jr., os negros norte-americanos precisavam de um
novo referencial, uma nova força política capaz de assegurar tudo o que havia
sido conquistado em termos de cidadania, dar um basta nas convulsões raciais
causadas pela violência policial e promover programas sociais dentro das
comunidades negras, negligenciadas pelo Estado.
Eis então que emerge em
Oakland "O Partido dos Panteras Negras", cujo ideário marxista visava
preencher o fosso social após séculos de escravidão além do impedimento ao
voto, a educação e ao ingresso a repartições públicas, que até a década de 60
do século XX (é preciso frisar) eram segregadas. Todas essas formas de
repressão impediam o negro de obter sua emancipação social e econômica, depois
dos direitos civis os Panteras queriam garantir a população negra uma
participação efetiva na sociedade americana, pelo fim da opressão oriunda do
Estado e do capitalismo.
Na Prática os Panteras
empregaram algumas ações sociais como o café da manhã gratuito e diário, que
beneficiou milhares de crianças carentes. Tal foi o impacto desse programa que
o governo se viu obrigado a implementá-lo em escolas públicas, mas o FBI por
sua vez dizia que o programa de refeições grátis era um factóide comunista e
que o real objetivo do Partido era dar um golpe de Estado, ou seja, a derrubada
de Richard Nixon da presidência.
A paranóia de J.Edgard
Hoover, diretor do FBI na época, resultou em ataques violentos direcionados aos
escritórios dos Panteras, além de prisões e assassinatos de integrantes do Partido,
ora cometidos pela polícia ora por assassinos pagos pelo FBI. Os programas
sociais também se tornaram alvo de ataques nos pontos de distribuição e
igrejas, onde os alimentos para o fornecimento eram destruídos. Apesar destas
tentativas de eliminação, e todas as ações de contra-espionagem, os Panteras
prosseguiram com seu compromisso social que além das refeições realizava também
a distribuição de remédios, fabricação e doação de calçados, assistência
jurídica, transporte coletivo e gratuito para a terceira idade, entre outros.
Em fins de 1970
observou-se um ínicio de dissidência dentro de sua liderança, após a vitoriosa
campanha pela libertação de Huey houveram conflitos armados e incidentes que
levaram a morte de integrantes e prisões como a da ativista Ângela Davis.
Eldridge Cleaver, uma das lideranças dos Panteras e exilado na Argélia, pôs em
xeque o programa social empregado até então e propôs uma agenda de atuação mais
radical.
Cleaver foi expulso do
Partido, que continuou com o trabalho de desenvolvimento da comunidade. Em 1974
a fragmentação da liderança se intensificou, Huey P. Newton foi para o exílio
em Cuba, David Hilliard, integrante desde o começo do grupo, foi expulso
enquanto estava preso, Bobby Seale também foi excluído.Todas as prisões
efetuadas, mortes, exílios e divergências nas ações e políticas dos Panteras
praticamente destruiram a liderança original,o comando foi passado então para a
ativista Elaine Brown.
No período 1973-74 Brown
fez duas incursões na política concorrendo a cargos eletivos e apoiou a
candidatura de Lionel Wilson à prefeitura de Oakland. Wilson se tornou o
primeiro prefeito negro da cidade, não obstante os Panteras Negras se
fortaleceram, obtiveram recursos para construção de projetos residenciais, uma
cooperativa para reconstrução do centro de Oakland, gerando milhares de postos
de trabalho. Quando Huey voltou de Cuba, em 1977, encontrou o partido ainda
atuante e pronto para dar continuidade a sua revolução social.
Porém as atividades de
contra-espionagem do FBI não cessaram, após a revelação dos documentos
Cointelpro as ações tornaram-se mais discretas e insuspeitas. Os conflitos
entre os líderes continuaram, já desgastados internamente não resistiriam a uma
segunda onda de ataques do governo, levando o grupo revolucionário a um
irremediável fim ao término dos anos 70.
Pontos de Atenção e
Disciplina
Eis aqui algumas normas
internas de conduta para os integrantes dos Panteras Negras, sua rígida
disciplina proporcionava o fortalecimento do Partido em suas ações e também
passava para a comunidade respeito e bom exemplo.Para os incautos; a norma
número 8 se aplicava a confrontos em legítima defesa contra policiais violentos
e agentes negros do FBI, que por ventura se infiltrassem no grupo.
Disciplina:
1-Fale educadamente
2-Pague o preço justo do que comprar
3-Devolva tudo que pegar emprestado
4-Pague pelo que danificar
5-Não agrida ou ameace pessoas
6-Não danifique propriedades ou bens das massas oprimidas
7-Não tome liberdades com mulheres
8-Sempre que precisar fazer prisioneiros não os ameace
Atenção:
1-Obedeça as ordens em
todas as suas ações
2-Não se aproprie de uma única agulha ou ameace os pobres e as massas oprimidas
3-Transforme-se naquilo que o inimigo usar para te atacar
Khalid Muhammad-O Líder
dos falsos Panteras Negras
"Não Permita que o
fundamentalismo ideológico e religioso motive a estupidez terrorista"
Ao Ler este pensamento
de Bobby Seale comecei a entender o porque de ele e outros ex-Panteras
rejeitarem este novo grupo, chamado equivocadamente de "Panteras
Negras". Os antigos tinham a imagem satanizada pela mídia, a qual os
considerava "radicais" omitindo ao mesmo tempo as repressões e
violências sofridas pelo negro e talvez por isso, tanto naquela época como
hoje, surjam oportunistas de dentro da comunidade em busca de alguma promoção
pessoal, neste caso Khalid Muhammad se encaixa perfeitamente. Este polêmico
"Líder" negro é o mentor dos novos "Panteras Negras" e é
conhecido pelos nova-iorquinos pelo seu radicalismo e anti-semitismo, além de
atrelar os novos "Panteras" a cartilha religiosa do Islã, o que
contraria totalmente os princípios dos Panteras autênticos.
Os verdadeiros Panteras
Negras NUNCA perseguiram ou combateram crenças religiosas e também preferiram
não adotar uma para reger suas atividades, pensamentos ou discursos. Khalid
Muhammad em uma de suas infelizes declarações disse que Nova York deveria mudar
seu nome de New York City para "Jew York City", sugerindo que a
cidade multi-racial e cultural era dominada por judeus, certa vez foi proibido
de marchar com seus "Panteras" em mais um protesto anti-judaico, pelo
agora ex-prefeito Rudolph Giuliani. O prefeito disse não permitir em Nova York
tais manifestações de ódio.
Um bom exemplo da
demagogia e hostilidade de Muhammad foi quando ele foi entrevistado por Louis
Theroux da BBC, os dois estavam em uma loja de roupas e Theroux comentou que
uma jaqueta de couro de pônei que estava a venda causaria indignação em seu
País, a Inglaterra. Muhammad então acusou o jornalista e todos os ingleses de
gostarem mais de pôneis do que de negros, em alusão ao passado escravista
britânico, condensando os ingleses em um único bloco monolítico sem se dar o
trabalho de diferenciar racistas de protetores dos direitos dos animais. Assim,
mostrou o quanto estava fora da plataforma dos verdadeiros líderes negros do
passado. Porém Theroux não entrou em sintonia com Muhammad, dizendo apenas que
não queria transformar o material usado na jaqueta em uma questão racial.
O radicalismo de Khalid
Muhammad não encontra adeptos entre a grande massa de negros americanos,
prestando-se apenas em criar um entrave nas relações raciais na, já alienada,
opinião pública americana causando uma percepção errada a respeito do movimento
negro, da religião mulçumana, judaica e mais especificamente da memória dos
Panteras Negras verdadeiros.Será que podemos confiar na mídia para fazer a
diferenciação de Líderes competentes e bem-intencionados, de oportunistas e
demagogos?
O Jornal -The Black Community News Service
Foi editado pela
primeira vez em 25 de Abril de 1967 e trazia como manchete: "Por que
Denzil Dowell foi morto?" Sobre um jovem negro que foi baleado mortalmente
pelas costas, pela polícia de Richimond,Califórnia. O jornal era distribuído
por todo os EUA e disponibilizado em outros locais do mundo.
Era a voz oficial dos
Panteras Negras, uma ferramenta que expunha as ideologias do grupo, as notícias
da comunidade, as lutas revolucionárias pelo mundo, etc. Os assuntos cobriam a
mais variada gama de interesses, informações sobre o Partido, o sistema
judiciário, educação, empregos, moradia, polícia e serviços comunitários. Sua
circulação atingia 100.000 cópias semanais, o jornal começou como edição mensal
em 1967 e semanal em 1968, foi editado até 1978 vindo a ser recolhido
definitivamente em 1980.
Os Integrantes que
Fizeram História
Um breve histórico sobre
alguns Panteras que se destacaram na luta pela igualdade
Ângela Davis (1944-) é a integrante feminina
mais famosa dos Panteras Negras. Estudou literatura francesa e depois foi aluna
da Universidade Goethe na Alemanha, de volta aos EUA lecionou na Universidade
da Califórnia (UCLA), mas foi demitida por sua filiação ao comunismo, em 1970
tornou-se uma das dez pessoas mais procuradas do FBI, vindo a ser presa e
cumprindo cerca de um ano e meio de detenção. Foi julgada e inocentada depois,
chegou a concorrer a vice-presidência dos EUA em 1972.
Davis agora é professora
do departamento de filosofia da mesma UCLA, que a demitira no passado, atua
também com atividades comunitárias orientando as atuais gerações pela defesa
dos direitos civis, igualdade racial, social e sexual. Autora de sucesso,
lançou algumas publicações entre elas destacam-se: "If They Come in The
Mourning-The Voice of Resistence" que traça uma visão marxista do preconceito
racial, "Race and Class" sobre feminismo e o mais recente "Blues
Legacy and Black Feminism".
Eldridge Cleaver
(1935-1998) Jornalista, Ministro de Informações dos Panteras Negras.
Pertenceu a liderança original do Partido, no ínicio dos anos 70 foi para o
exílio, tendo vivido na Argélia, França e Cuba. Lançou o livro "Soul on
Ice" (Alma no Gelo) no qual faz uma denúncia ao racismo praticado nos EUA.
Foi excluído dos Panteras Negras por tentar radicalizar suas ações, voltou do
exílio em 1975, abandonou o movimento negro e filiou-se ao Partido republicano.
Morreu em maio de 1998 aos 62 anos de causa não revelada.
Huey P. Newton
(1942-1989) Fundador dos Panteras Negras Huey era o cérebro do grupo até
seu desmembramento. Foi preso após matar em legítima defesa o policial John
Frey em Outubro de 1967, o que se seguiu depois foi uma inflamada campanha por
sua libertação "Free Huey" era o lema dos jovens estudantes. O
engajamento por sua liberdade misturou-se aos protestos contra a guerra do
Vietnã. Em Setembro de 1968 um júri constituído de 11 brancos e 1 negro
sentenciou Huey a uma pena de 2 a 15 anos. Após inúmeros protestos pelos EUA e
21 meses de apelações, seu advogado Charles Garry recorreu a Corte de Apelações
da Califórnia baseado no fato do juiz passar instruções incompletas ao júri,
conseguindo então a queda da acusação de homicídio. Após pagar uma fiança de
US$ 50.000, Huey foi libertado em 5 de agosto de 1970.
Em 74 Huey foi para o
exílio em Cuba, onde passou cerca de três anos e escreveu dois livros: "To
Die for The People" e "Revolutionary Suicide". Quando voltou de
Cuba, os Panteras Negras estavam deixando de existir. Ao entrar nos anos 80
percebeu que o movimento negro e os princípios revolucionários estavam
"anestesiados" pela "Era Reagan". Huey então se envolveu
com drogas tornando-se um dependente, foi assassinado a tiros em frente a sua
casa em 22 de Agosto de 1989.
Bobby Seale (1936-) Co-fundador do Partido,
Seale foi protagonista de inúmeras manifestações, inclusive a mais famosa
ocorrida na convenção Democrata de Chicago em 1968, porém era considerado o
mais moderado do grupo. Sobre os Panteras ele resumiu certa vez: "Nossa
posição era: se vocês (polícia) não nos atacarem, não haverá violência, mas se
trouxerem a violência até nós seremos obrigados a nos defender". Em 1974
ele foi expulso do grupo, lançou dois livros: "Seize The Time", que
conta a história do Partido e "A Lonely Rage", que é auto-biográfico
e tem também alguns livros de receitas de churrasco, cuja renda é revertida em
obras assistenciais. Atualmente Seale mantém uma ONG que presta serviços
sociais na cidade onde vive, a Filadélfia.
Bobby Hutton (1951-1968) Era um dos integrantes
mais jovens do grupo tinha 17 anos, cumpria a função de tesoureiro. No dia 6 de
Abril de 1968 a polícia de Oakland fez um ataque surpresa a sua casa atirando
por cerca de 90 minutos, Hutton estava desarmado e acabou levando 10 tiros.
Segundo uma declaração de Eldridge Cleaver, ele não morreu imediatamente e sim
sob custódia policial, Hutton foi assassinado apenas 2 dias depois de Martin
Luther King.
Fred Hampton (1948-1969)
Fred Hampton estava a frente dos programas de refeições e assistência médica,
no dia 4 de Dezembro de 1969 o FBI, munido de instruções fornecidas por um
informante, ordenou que policiais invadissem o apartamento pertencente aos
Panteras e assassinaram Hamptoncom 2 tiros na cabeça, enquanto ele dormia. Mark
Clark, que dormia em outro cômodo, chegou a acordar, mas também foi baleado e
morto. A esposa de Hampton, que segurava o filho de 8 meses, recebeu alguns
tiros, mas sobreviveu. Todos os Panteras sobreviventes ao ataque foram presos e
acusados de tentativa de assassinato por autoridades constituídas. Dos 90 tiros
disparados, no total apenas 1 veio de um Pantera (Mark Clark), que dormira com
a arma na mão. Nenhum policial foi responsabilizado pelas execuções.
O Legado
Esta é a lista de
algumas ações sociais empregadas pelos Panteras Negras no passado e que hoje
foram herdadas por ONGs, Organizações comunitárias, como a Própria Fundação
Huey P. Newton e até Universidades.
-Conselhos de Estudantes
Negros
-Centro de Desenvolvimento Infantil
-Programa de Educação de Consumidores
-Assistência a Dependentes do Álcool e Entorpecentes
-Assistência e Transporte gratuito de Deficientes Físicos
-Serviço gratuito de Ambulâncias
-Café da Manhã gratuito para crianças
-Distribuição gratuita de Vestuário
-Assistência Dentária gratuita
-Serviço de Oftalmologia grátis
-Controle de Pestes gratuito
-Distribuição gratuita de calçados
-Centro de Saúde Geriátrica
-Programa de Tutores Estudantis
-Refeições gratuitas
-Centro de Orientação Juvenil
-Centro de Educação Física e Artes Marciais
-Distribuição gratuita de Móveis
-Assistência Médica gratuita
-Centro Pediátrico
-Cooperativa de Alimentos
-Oficina Teatral
-Cooperativa para Construção Civil
-Centro de Pesquisa da Anemia
-Programa de Visitação de Enfermeiros
-Programa Empregatício
Epílogo
A indumentária e a
postura eram exclusivas, jamais vistas antes, mas seus ideais não eram muito
diferentes de outras lideranças negras. De qualquer forma, é impressionante a
quantidade de atividades sociais realizadas pelos Panteras Negras, sem muitos
recursos financeiros e sendo caçados pelo governo. Com toda certeza, foram
durante pouco mais de uma década um exemplo heróico de organização comunitária,
que cresceu e quase se tornou (e digo isso sem exagero) uma terceira opção para
os que eram esquecidos por republicanos e democratas. No seu auge a organização
chegou a ter 48 células de atuação, distribuídas entre as grandes cidades
americanas, totalizando aproximadamente 5.000 integrantes.
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