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quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

“Emigração e as Conseqüências” – CORDEL de Patativa do Assaré


repasso poema de cordel do grande Patativa do Assaré, que pode ser utilizado em aulas sobre migrações, nordeste, caatinga, etc.
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Exercício em grupo:
1)    assinale a estrofe no parêntese correto:
    estrofe 5                                   (  ) Pessoas migrando para o Sul e o Maranhão.
    estrofe 7                                   (  ) Quando há inverno, o sertão fica bom.
   estrofe 8                                   (  ) Pobreza, falta roupa, lar e pão.
   estrofe 10                                 (  ) Quando acaba o inverno o sertão tem seca.
   estrofe13                         (  ) A fome faz com que as pessoas assaltem um mercado.

2) Ler o poema todo, destacar 5 trechos do cordel (estrofes ou versos), transcrevê-los ou desenha-los e fazer um comentário.
3) De onde era o poeta que escreveu este poema de cordel?
4) O que os patrões farão com os agricultores pobres? Por que?
5) Como era viver COM inverno e SEM inverno no Sertão? Por que?
6) O que as pessoas desesperadas farão na cidade vizinha?
7) Por que as pessoas pobres sairão do sertão?
8) Como os sertanejos sairão do sertão?
9) Para onde estes sertanejos irão?
10) Como a família do nordestino viverá no Sul do país?
11) O que acontecerá com o filho e a filha do nordestino no Sul do país?
12)Qual solução você daria para tal situação?

“Emigração e as Conseqüências” – Patativa do Assaré

Neste estilo popular
Nos meus singelos versinhos,
O leitor vai encontrar
Em vez de rosas espinhos
Na minha penosa lida
Conheço do mar da vida
As temerosas tormentas
Eu sou o poeta da roça
Tenho mão calosa e grossa
Do cabo das ferramentas

Por força da natureza
Sou poeta nordestino
Porém só conto a pobreza
Do meu mundo pequenino
Eu não sei contar as glórias
Nem também conto as vitórias
Do herói com seu brasão
Nem o mar com suas águas
Só sei contar as minhas mágoas
E as mágoas do meu irmão

De contar a desventura
Tenho sobrada razão
Pois vivo de agricultura
Sou camponês do sertão
Sou um caboclo roceiro
Eu trabalho o dia inteiro
Exposto ao frio e ao calor
Sofrendo a lida pesada
Puxando o cabo da enxada
Sem arado e sem trator

Nesta batalha danada,
Correndo pra lá e pra cá
Tenho a pele bronzeada
Do sol do meu Ceará
Mas o grande sofrimento
Que abala o meu sentimento
Que a providência me deu
É saber que há desgraçados
Por esse mundo jogados
Sofrendo mais do que eu

É saber que há muita gente
Padecendo privação
Vagando constantemente
Sem roupa, sem lar, sem pão
É saber que há inocentes
Infelizes indigentes
Que por esse mundo vão
Seguindo errados caminhos
Sem ter da mãe os carinhos
Nem do pai a proteção

Leitor a verdade assino
É sacrifício de morte
O pobre nordestino
Desprotegido da sorte
Como bardo popular
No meu modo de falar
Nesta referência séria
Muito desgostoso fico
Por ver num país tão rico
Campear tanta miséria

Quando há inverno abundante
No meu Nordeste querido
Fica o pobre em um instante
Do sofrimento esquecido
Tudo é graça, paz e riso
Reina um verde paraíso
Por vale, serra e sertão
Porém não havendo inverno
Reina um verdadeiro inferno
De dor e de confusão

Fica tudo transformado
Sofre o velho e sofre o novo
Falta pasto para o gado
E alimento para o povo
É um drama de tristeza
Parece que a natureza
Trata a tudo com rigor
Com esta situação
O desumano patrão
Despede o seu morador

Vendo o flagelo horroroso
Vendo o grande desacato
Infiel e impiedoso
Aquele patrão ingrato
Como quem declara guerra
Expulsa da sua terra
Seu morador camponês
O coitado flagelado
Seu inditoso agregado
Que tanto favor lhe fez

Sem a virtude da chuva
O povo fica a vagar
Como a formiga saúva
Sem folha para cortar
 E com dor que o consome
Obrigado pela fome
E a situação mesquinha
Vai um grupo flagelado
 Para atacar o mercado
Da cidade mais vizinha

Com grande necessidade
Sem rancor e sem malícia
Entra a turma na cidade
E sem temer a polícia
Vai falar com o prefeito
E se este não der um jeito
Agora o jeito que tem,
É os coitados famintos
Invadirem os recintos
Da feira e do armazém

A fome é o maior martírio
Que pode haver neste mundo,
Ela provoca delírio
E sofrimento profundo
Tira o prazer e a razão
Quem quiser ver a feição
Da cara da mãe da peste
Na pobreza permaneça,
Seja agregado e padeça
Uma seca no Nordeste

Por causa desta inclemência
Viajam pelas estradas
Na mais cruel indigência
Famílias abandonadas
Deixando o céu lindo e azul
Algumas vão para o Sul
E outras para o Maranhão
Cada qual com sua cruz
Se valendo de Jesus
E do padre Cícero Romão

Nestes medonhos consternos
Sem meios para a viagem
Muitas vezes os governos
Para o Sul dão a passagem
E a faminta legião
Deixando o caro torrão,
Entre suspiros e ais,
O martírio inda mais cresce
Porque quem fica padece
E quem parte sofre mais

O carro corre apressado
E lá no Sul faz “despejo”
Deixando desabrigado
O flagelado cortejo,
Que procurando socorro
Uns vão viver pelo morro
Um padecer sem desconto
Outros pobres infelizes
Se abrigam pelas marquises
Outros debaixo da ponte

Rompendo mil empecilhos
Nisto tudo que é pior
É que o pai tem oito filhos
E cada qual o menor
Aquele homem sem sossego
Mesmo arranjando um emprego
Nada pode resolver
Sempre na penúria está
Pois o seu ganho não dá
Para a família viver

Assim mesmo, neste estado
O bom nordestino quer
Estar sempre rodeado
Por seus filhos e a mulher
Quando mais aumenta a dor
Também cresce o seu amor
Por sua prole adorada
Da qual é grande cativo
Pois é ela o lenitivo
De sua vida cansada

A pobre esposa chorosa
Naquele estranho ambiente
Recorda muito saudosa
Sua terra e sua gente
Relembra o tempo de outrora,
Lamenta, suspira e chora
Com a alma dolorida
Além da necessidade
Padece a roxa saudade
De sua terra querida

Para um pequeno barraco
Já saíram da marquise
Mas cada qual o mais fraco
Padecendo a mesma crise,
Porque o pequeno salário
Da sua manutenção
E além disso falta roupa
E sobre sacos de estopa
Todos dormindo no chão

Naquele ambiente estranho
Continua a indigência
Rigor de todo o tamanho
Sem ninguém dar assistência
Aquela família triste
Ninguém vê, ninguém assiste
Com alimento e com veste,
Que além da situação
Padece a recordação
Das coisas do seu Nordeste

Meu leitor, não tenha enfado
Vamos ver mais adiante
Quando é triste o resultado
Do nordestino emigrante
Quero provar-lhe a carência
O desgosto e a inclemência
Que sofre o pobre infeliz
Que deixa a terra onde mora
E vai procurar melhora
Lá pelo Sul do país

O pobre no seu emprego
Seguindo penosos trilhos
Seu prazer é o aconchego
De suas esposas e seus filhos
Naquele triste penar
Vai outro emprego arranjar
Na fábrica ou no armazém
A procura da melhora
Até que a sua senhora
Tem um emprego também

Se por um lado melhora
Aumentando mais o pão
Por outro lado piora
A triste situação
Pois os garotos ficando
E a vida continuando
Sem os cuidados do pais
Sozinhos naquele abrigo
Se expõem ao grande perigo
Da vida dos marginais

Eles ficam sozinhos
Logo fazem amizade
Em outros grandes bairros vizinhos
Com garotos da cidade
Infelizes criaturas
Que procuram aventuras
No mais triste padecer
Crianças abandonadas
Que vagam desesperadas
Atrás de sobreviver

Esses pobres delinqüentes
Os infelizes meninos,
Atraem os inocentes
Flagelados nordestinos
E estes com as relações
Vão recebendo instruções
Com aqueles aprendendo
E assim, mal acompanhados
Em breve aqueles coitados
Vão algum furto fazendo

São crianças desvalidas
Que os pais não lhe dão sustento,
As mães desaparecidas
Talvez no mesmo tormento
Não há quem conheça o dono
Desses filhos do abandono
Que sem temerem perigos
Vão esmolando, furtando
E às vezes até tomando
O dinheiro dos mendigos

Os pais voltam dos trabalhos
Cansados mas destemidos
E encontram os seus pirralhos
No barraco recolhidos,
O pai dizendo gracejo
Dá em cada qual um beijo
Com amorosos acenos;
Cedo do barraco sai
Não sabe como é que vai
A vida de seus pequenos

No dia seguinte os filhos
Fazem a mesma viagem
Nos seus costumeiros trilhos
Na mesma camaradagem
Com os mesmos companheiros
Aqueles aventureiros
Que na maior anarquia
Sem terem o que comer
Vão rapinagem fazer
Para o pão de cada dia

Sem já ter feito o seu teste
Em um inditoso dia
Um garoto do Nordeste
Entra em uma padaria
E já com água na boca
E necessidade louca
Se encostando no balcão,
Faz mesmo sem ter coragem
A primeira traquinagem
Dali carregando um pão

Volta bastante apressado
O pobre inexperiente
Olhando desconfiado
Para traz e para frente
Mas naquele mesmo instante
Vai apanhado em flagrante
Na porta da padaria
Indo o pequeno indigente
Logo rigorosamente
Levado à delegacia

É aquela a vez primeira
Que o garoto preso vai
Faz a maior berradeira
Grita por mãe e por pai
Mas outros garotos presos
Que já não ficam surpresos
Com história de prisão
Consolam o pequenino
Dando instrução ao menino
Da marginalização

Depois que aquela criança
Da prisão tem liberdade;
Na mesma vida se lança
Pelas ruas da cidade
E assim vai continuando
Aliada ao mesmo bando
Forçados pela indigência
Pra criança abandonada
Prisão não resolve nada
O remédio é assistência

Quem examina descobre
Que é sorte muito infeliz
A do nordestino pobre
Lá pelo Sul do país
A sua filha querida
Às vezes vai iludida
Pelo monstro sedutor
E devido a ingenuidade
Finda fazendo a vontade
Do monstro devorador

Foge do rancho dos pais
E vai vagar pelo mundo
Padecendo muito mais
Nas garras do vagabundo
O pobre pai, revoltado
Fica desmoralizado
Com a alma dolorida
Para o homem nordestino
O brio é um dom divino
A honra é a própria vida

Aquele pai fica cheio
De revolta e de rancor
Mas não pode achar um meio
De encontrar o malfeitor
Porém se casualmente
Encontrar o insolente
Lhe dará fatal destino
Pois foi sempre esse papel
E a justiça mais fiel
Do caboclo nordestino

Leitor, veja o grande azar
Do nordestino emigrante
Que anda atrás de melhorar
Da sua terra distante
Nos centros desconhecidos
Depressa vê corrompidos
Os seus filhos inocentes
Na populosa cidade
De tanta imoralidade
E costumes diferentes

A sua filha querida
Vai pra uma iludição
Padecer prostituída
Na vala da perdição
E além da grande desgraça
Das privações que ela passa
Que lhe atrasa e lhe inflama
Saber que é preso em flagrante
Por coisa insignificante
Seu filho a quem tanto ama

Para que maior prisão
Do que um pobre sofrer
Privação e humilhação
Sem ter com que se manter?
Para que prisão maior
Do que derramar suor
Em um estado precário
Na mais penosa atitude
Minando a própria saúde
Por um pequeno salário?

Será que o açoite, as algemas
E um quarto da detenção
Vão resolver o problema
Da triste situação?
Não há prisão mais incrível
Mais feia, triste e horrível
Mais dura e humilhante
Do que a de um desgraçado
Pelo mundo desprezado
E do seu berço distante?

O garoto tem barriga,
Também precisa comer
E a cruel fome lhe obriga
A rapinagem fazer
Se ninguém a ela ajuda
O itinerário não muda
Os miseráveis infantes
Que vivem abandonados
Terão tristes resultados
Serão homens assaltantes

Meu divino redentor
Que pregou na Palestina
Harmonia, paz e amor
Na vossa santa doutrina
Pela vossa mãe querida
Que é sempre compadecida
Carinhosa, terna e boa
Olhai para os pequeninos
Para os pobres nordestinos
Que vivem no mundo à toa

Meu bom Jesus Nazareno
Pela vossa majestade
Fazei que cada pequeno
Que vaga pela cidade
Tenha boa proteção,
Tenha em vez de uma prisão,
Aquele medonho inferno
Que revolta e desconsola,
Bom consolo e boa escola
Um lápis e um caderno.

Um comentário:

  1. Muito bom, uma verdadeira denuncia do berço da violência e da falta de assistência governamental.

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